As notícias sobre a morte do escritório, ao que tudo indica, foram precipitadas. Mas a recuperação do mercado de lajes corporativas depois de uma pandemia que remodelou a forma como as pessoas trabalham está sendo desigual. Isso é o que mostram dados da empresa de pesquisa imobiliária Siila, na qual o NeoFeed teve acesso com exclusividade.

A taxa de vacância, em sete cidades monitoradas pela Siila, caiu de 24,59%, no segundo trimestre de 2021, para 23,5% no segundo trimestre de 2024, o menor patamar em três anos – mas ainda acima do começo da pandemia (19,64%). E o valor médio do metro quadrado teve uma recuperação também modesta no período: de R$ 79,61 para R$ 81,57, respectivamente.

Essa é a fotografia geral do mercado. Os números, no entanto, mostram uma realidade diferente por região e pela qualidade do ativo, em uma fuga das empresas por escritórios classificados como A+, considerados as lajes alto padrão.

“A demanda é por escritórios mais arrojados, para os funcionários se sentirem mais em casa, e com isso, as empresas estão até mesmo aumentando a sua área locável”, afirma Giancarlo Nicastro, CEO da Siila, ao NeoFeed.

A vacância dos escritório A+ estava em 20,90% no segundo trimestre de 2024 no Brasil, a menor taxa desde o segundo trimestre de 2021. Mas ainda maior se comparada com o começo da pandemia (16,52%).

Dentre as sete cidades monitoradas pela Siila, a que apresenta a menor vacância é Curitiba (10,5%), seguida por Belo Horizonte (10,77%), Campinas (12,13%) e Brasília (16,46%). Nessas regiões, a volta ao trabalho presencial por si só praticamente já normalizou o mercado.

Porto Alegre, após a tragédia das enchentes, tem a segunda maior taxa de vacância, com 28,37%. A sua frente está apenas o Rio de Janeiro, que tem a maior vacância média do Brasil, com 34,04%. Mas isso já é uma recuperação para uma região que bateu quase 45% de vacância no pós-Lava Jato.

“O Rio é um caso muito atípico que ficou muito dependente de três setores: público, financeiro e óleo e gás. O Petrolão e logo depois a Covid foi a tempestade perfeita”, afirma Nicastro, da Siila.

Por outro lado, a cidade de São Paulo é o melhor exemplo que ilustra as desigualdades da recuperação do mercado de escritórios. A capital paulista está com uma vacância média de 21,94%. Mas há três regiões que vivem realidades distintas.

Itaim Bibi e a região da avenida JK têm menos de 10% de vacância, com preços do metro quadrado acima de R$ 300 e R$ 200, respectivamente. E logo depois vem a Faria Lima, com cerca de 10% de taxa de vacância e preço médio de R$ 240.

Já a região da Berrini e da Chucri Zaidan, dois tradicionais endereços de escritórios de São Paulo, têm cerca de 20% de taxa de vacância, com preços em torno de R$ 100. Nas regiões de Chácara Santo Antônio, Santo Amaro e Marginal Pinheiros, a taxa de vacância passa de 40% e o metro quadrado tem preço médio de R$ 50.

“As empresas estão conseguindo incorporar as novas necessidades, mas sem aumentar as despesas. Com uma taxa de vacância de 25%, abre-se oportunidades. No primeiro momento todo mundo buscou qualidade e encontrou bons preços em lajes alto padrão”, afirma Rodrigo Abbud, CEO e fundador da VBI Real Estate, gestora com R$ 10 bilhões sob gestão do qual o Patria é sócio.

O NeoFeed conversou com sete gestoras que atuam no mercado através de fundos imobiliários que têm em seu portfólio lajes corporativas ou fazem desenvolvimento imobiliário. Todas foram unânimes em destacar que o mercado está em uma rota de recuperação. “Temos percebido um mercado forte, faz tempo que não via isso”, afirma Caio Castro, sócio da RBR Asset, que tem R$ 10 bilhões sob gestão.

Esse mercado forte, no, entanto, é localizado em algumas regiões, como mostram os dados da Siila. E isso tem feito não só empreendimentos surgiram do zero nessas regiões, bem como tem feito que as renegociações de renovações de aluguéis estejam acontecendo com bons reajustes para os gestores.

Observe o caso da Valora que deu o pontapé a sua estratégia de tijolo neste ano com o fundo VGRI11 com cinco ativos. “Ao longo desse primeiro semestre, conseguimos rever o valor de aluguel e tivemos reajustes entre 15% e 20%”, diz José Varandas, sócio e co-head da área imobiliária da Valora. “Nossa vacância é zero.”

Entre os ativos do fundo da Valora estão o Edifício Cidade Jardim, em São Paulo, que tem como locatários o Patria e o Banco ABC; o Brazilian Financial Center, que fica na Avenida Paulista; e os edifícios Burity, Transatlântico e Volkswagen. Além disso, a gestora tem um prédio no Leblon, no Rio de Janeiro, em que está a gestora Vinci.

O Leblon, aliás, é um ponto fora da curva do Brasil – e uma “ilha” no Rio de Janeiro. A região tem um dos metros quadrados mais caros do País – na casa dos R$ 300 – e há raros espaços para o desenvolvimento de novos ativos.

O que acaba acontecendo é que algumas gestoras “caçam” as poucas oportunidades disponíveis para fazer retrofit. É o caso da JGP, gestora de André Jakurski, que pagou R$ 160 milhões para adquirir o Rio Design Leblon, shopping localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, para desenvolver uma parte do prédio em escritórios triple-A.

“É um paradoxo enorme, porque o Rio de Janeiro tem a maior vacância em escritórios do Brasil e a menor vacância do Brasil, na Zona Sul”, diz Thiago Lima, sócio da JGP, que tem, no total, R$ 37 bilhões em ativos sob gestão. “A gente brinca que não estamos desenvolvendo no Rio de Janeiro, mas no Leblon, por se assemelhar muito à Faria Lima, pela escassez de área bruta locável.”

Outra gestora que está apostando no Leblon é a HSI, de Máximo Lima, que comprou a antiga da sede da operadora de telefonia Oi e está investindo – entre o valor do prédio e a reforma – aproximadamente R$ 400 milhões em um retrofit.

“No Leblon, a vacância é zero e é uma área tão nobre quanto a Faria Lima, onde há restrições para novas entregas”, diz Bruno Greve, sócio e diretor de private equity real estate da HSI. “O nosso prédio é o único em desenvolvimento na região.”

Se no Rio de Janeiro, o Leblon é uma exceção; em São Paulo, a ocupação da Faria Lima – e a dificuldade de incorporar novos projetos – têm feito as gestoras, em especial aquelas que desenvolvem ativos, buscar regiões no entorno dessa localização.

"Muita empresa que foi para a Faria Lima está sofrendo com os reajustes e vendo que não consegue arcar”, diz Nicastro, da Siila. “O resultado é que há seis trimestres vemos uma reabsorção líquida negativa, com locatários saindo para buscar preços que cabem no bolso em regiões próximas."

A HSI, por exemplo, constrói quatro prédios em São Paulo: dois deles em Pinheiros, um no Jardins e outro no Itaim, que vão ser entregues entre 2024 e 2026. “Nos bairros do entorno da Faria Lima, a vacância é também muito baixa”, afirma Greve. “Essa é a nossa tese.”

A gestora americana Paladin, que tem o fundo imobiliário HDOF11 em parceria com a gestora Hedge, está fazendo também quatro desenvolvimentos imobiliários de prédios corporativos, que somam aproximadamente 50 mil metros quadrados, na região de Pinheiros, Jardins e Itaim, em São Paulo.

“São regiões com resiliência, que sofrem menos com altas e baixas do mercado”, diz Ricardo Raoul, managing director e head do Brasil da Paladin, que tem US$ 1,5 bilhão de ativos sob gestão na América Latina. Nesses quatro projetos, o investimento é de aproximadamente R$ 800 milhões.

Na luta contra a vacância, vale também inovar e ser criativo. A Rio Bravo, que tem R$ 13,3 bilhões sob gestão e mais de 20 fundos imobiliários, resolveu criar uma estratégia que é um meio termo entre o aluguel e o do coworking.

Batizada de Plug and Play, a gestora entrega, para quem alugar a laje, o layout do escritório, a mobília, os cabos e toda a parte elétrica. Com isso, o RCBR11, lançado em 2000, que tem mais de 35 mil cotistas, viu sua vacância cair de 34,4%, no auge da pandemia, para 1,4% em 30 meses. “Desde que começamos a fazer esse modelo, 72% das locações são no Plug and Play”, afirma Carolina Mori, head comercial de fundos imobiliários da Rio Bravo.

A recuperação do mercado de lajes corporativas, no entanto, tem um gap que ainda não foi corrigido: o preço por metro quadrado, que, do ponto de vista nominal, está ainda muito descontado. Mas com o aumento da ocupação, a tendência é que voltem aos patamares de antes da pandemia.

"O valor médio do metro quadrado no Brasil está 40% abaixo do seu valor corrigido em 2019, antes da pandemia. Esse é o ajuste mínimo que esperamos ver no mercado quando tudo normalizar", afirma Nicastro, da Siila.

(Colaboraram Ralphe Manzoni Jr. e Ivan Ryngelblum)