Uma “overdose” monetária amplia neste início de março o viés global de debates aberto com a reunião de ministros das finanças e presidentes de bancos centrais do G20, realizada em São Paulo em 28 e 29 de fevereiro. O encontro de alto nível, precedido de eventos paralelos, ofuscou momentaneamente a pauta verde-amarela.
O apelo internacional da agenda perdura nos próximos dias, mas com consequências práticas – também locais – para o mercado financeiro em função do depoimento de Jerome Powell no Congresso americano e da decisão do Banco Central Europeu (BCE) sobre sua taxa de juro.
Como acontece semestralmente, o chefe do Federal Reserve (Fed) apresentará um balanço da política monetária na Câmara dos Deputados dos EUA na quarta-feira, 6 de março. Feito que será reproduzido na quinta, 7 de março, no Senado.
Institucionalizada, a prestação de contas inclui sabatina do chairman do Fed pelos parlamentares após o depoimento. E, para o bem ou para o mal, a repercussão de sua fala é líquida e certa.
Também na quinta-feira, o BCE anunciará a taxa básica praticada na Zona do Euro cujo Produto Interno Bruto (PIB) do quarto trimestre será divulgado na sexta-feira, 8 de março. A expectativa de expansão marginal prescreve juro menor, mas Christine Lagarde joga duro. E de olho na inflação.
Em pronunciamento no Parlamento Europeu na segunda, 26 de fevereiro, a presidente do BCE não incentivou a torcida pela redução do juro. Ao contrário. Sincronizou seu discurso ao do BC dos EUA que poderia – sem erro de cálculo – ser compartilhado por outras autoridades monetárias. Até a brasileira.
Lagarde reproduziu a “tese” sustentada pelo Fed na ata publicada em 21 de fevereiro. Afirmou não ter confiança absoluta de que a inflação está retornando à meta de 2%, sendo necessário aguardar mais dados para confirmar o ritmo da desinflação em curso.
A fala de Lagarde foi interpretada como sinal de manutenção do juro em 4,50%. E é alta a probabilidade de Powell bater na mesma tecla na exposição aos parlamentares.
O PIB americano do quarto trimestre se manteve resiliente e a inflação, medida pelos preços de despesas com consumo em janeiro, cedeu de 2,6% para 2,4% e confirmou as projeções, conforme anunciado na quinta-feira, 29 de fevereiro – cenário que fortaleceu as apostas na estabilidade da taxa básica entre 5,25% a 5,50% nas reuniões programadas para março e maio.
Há semanas, analistas vêm adiando para junho a perspectiva de início do corte de juro pelo Fed, reforçando uma precificação que respinga em todos os mercados inclusive no Brasil – detentor de ativos de alta liquidez internacional.
Desmonte de posições com Fed conservador
Entre as consequências dessa precificação de corte do juro americano estão a chance de o Copom rever também em junho o ritmo de queda da Selic calibrada em 0,50 ponto em março e maio; o equilíbrio da taxa de câmbio inferior a R$ 5,00 desde o início de novembro; e a atratividade da bolsa brasileira, favorecida pela trajetória de queda da Selic, mas que tem nos Treasuries em forte concorrente.
Em menos de dois meses deste ano (até 27 de fevereiro) – período coincidente com a formação de expectativas de flexibilização monetária postergada por indicação do próprio Fed – quase R$ 18 bilhões de capital estrangeiro deixaram as ações listadas na B3.
O movimento implica em substancial desmonte de aplicações de estrangeiros na bolsa brasileira que alcançaram R$ 45 bilhões em 2023. E a guinada reflete mais uma mudança de humor quanto a política do Fed e menos contrariedade quanto às perspectivas para o Brasil.
A economia por aqui avança. A taxa de desemprego – anunciada pelo IBGE na quinta-feira, 29 de fevereiro, em 7,6% no trimestre encerrado em janeiro, novamente a menor desde 2015 – traduz um mercado de trabalho sólido. E a expansão da renda real autoriza a expectativa de avanço no consumo das famílias com impacto positivo no PIB ao longo do ano.
Esses dados alertam, contudo, para a resistência da inflação e, por tabela, para o posicionamento futuro do Copom que pode não interromper o ciclo de baixa da Selic, mas se tornar mais conservador. A combinação dos dados aponta uma economia de apelo inegável ao investidor estrangeiro que ainda tem à disposição o 2º maior juro real do mundo.
O economista Jason Vieira, do site MoneYou, responsável pelo monitoramento de juros reais em 40 países há mais de uma década, lembra que o Brasil perdeu a liderança do ranking em dezembro.
O juro real brasuca manteve em janeiro a 2ª posição, com 5,95% ao ano, ultrapassado pelo México com 6,49%. Mas registrando imensa vantagem sobre a média de juro real de 0,69% assegurado pelo conjunto das 40 economias analisadas por Vieira.
A disparidade na remuneração do capital financeiro – somada à aposta de que o Fed poderia reduzir o juro no primeiro trimestre – propiciou a injeção de R$ 38,5 bilhões de capital externo na B3 no último bimestre do ano passado.
Mas a força da economia dos EUA e a deflação em ritmo lento imprimiram um tom mais conservador ao discurso do Fed. Resultado? Agora mais escolados acerca de riscos geopolíticos, os estrangeiros voltaram a flertar com os Treasuries.
E, por ora, prevalece entre especialistas a expectativa de que um movimento consistente de reaplicações por aqui poderá seguir a “onda monetária” e também ser empurrado mais para frente. Talvez no segundo trimestre sob impulso de um renovado compromisso fiscal do governo e menos ruído em torno das gigantes Petrobras e Vale. Dupla que mantêm – e não deve perder tão cedo – o posto de carro-chefe da bolsa brasileira.