O Banco Central vem intervindo fortemente no câmbio nos últimos dias. Desde o início de dezembro, o País já queimou perto de US$ 21 bilhões de suas reservas internacionais para evitar uma desvalorização (maior) do real sobre o dólar.

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse na manhã de quinta-feira, 18, que a autoridade monetária "vai atuar quando necessário" para estabilizar a moeda. O País detém, hoje, cerca de US$ 360 bilhões em reservas.

O BC vem atuando no câmbio tanto para conter a tendência de alta do dólar como para manter a liquidez de um mercado vendedor - sem isso o dólar já poderia ter batido R$ 7. Mas por trás de toda essa movimentação está um governo federal inepto com o rumo desenfreado das contas públicas.

Um empresário com trânsito na Faria Lima e em Brasília disse ao NeoFeed que a situação é preocupante. "É perigoso entrar na espiral de queimar reserva para conter a alta do dólar todos os dias", disse, reforçando que foram US$ 8 bilhões na quinta-feira, 18 de dezembro, nos leilões no mercado à vista, na maior intervenção diária já feita desde 1999.

Outro empresário de alta patente, espantado com a deterioração rápida do mercado, mesclou incredulidade e indignação ao analisar o momento atual. "O que está acontecendo com o Brasil!?", disse. "O governo está brincando com fogo, as coisas começam devagar e vão tomando uma proporção que depois fica difícil de controlar."

Mas o presidente, ao que parece, não está nem aí. Em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, o presidente Lula disse que "ninguém nesse país, do mercado, tem mais responsabilidade fiscal do que eu".

"Entreguei esse país numa situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer outra vez. E não é o mercado que tem ficar preocupado com os gastos do governo. É o governo. Porque, se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, quem vai pagar é o povo pobre", disse ele, no domingo, 15 de dezembro.

"O governo deveria se preocupar porque essa saída de dólares é um sinal de perda de credibilidade no País. Lembrando que essas pessoas estão decidindo sair com o câmbio no nível mais barato de todos os tempos [o real está no nível mais barato ante o dólar]", diz Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e professor-adjunto na Georgetown University, ao NeoFeed. "Tem gente que jogou a toalha, não está esperando para ver se haverá mais medidas de Lula."

Um gestor com algumas dezenas de bilhões sob gestão se disse ainda mais preocupado porque o Congresso, que poderia atuar na questão, vai focar nas eleições para a Presidência da Câmara e do Senado. "Essa situação vai correr solta e o Lula parece que está vivendo em um mundo paralelo. Quem manda no governo é o Rui Costa e a Janja", diz, referindo-se ao ministro da Casa Civil e à primeira-dama.

Fabio Giambiagi, economista do FGV Ibre, reforça a barreira imposta pela mudança das lideranças no Congresso: nos próximos 40 dias não há condições de ir além do que foi proposto até agora pelo governo federal.

“Imagino que no começo de fevereiro, já definidos os novos interlocutores no Senado e na Câmara, será feita uma avaliação da situação”, diz Giambiagi. “Se o dólar ficar em torno de R$ 6, provavelmente se tentará levar o ano sem novos ajustes, mas se o clima dos últimos dias persistir, creio que será inevitável pensar numa agenda mais ambiciosa pelo lado do gasto.”

A volatilidade do mercado vem da impressão de que o governo não fará mais nenhum esforço fiscal além do que foi apresentado até agora. Para desfazer essa impressão, seria preciso uma ação rápida e uma certa dose de coragem política, uma combinação que não deve vir do governo.

É difícil acreditar que essa situação pode ser sustentável no médio prazo. Desde o segundo trimestre deste ano, o mercado financeiro vem alertando sobre o perigo do aumento das contas públicas. Um gestor disse ao NeoFeed que a “impressão atual é que está beirando o descontrole”.

Essa impressão com o pouco caso do governo começou logo após o anúncio em cadeia nacional do pacote de corte de gastos feito pelo ministro Fernando Haddad, em 27 de novembro. Na ocasião, o mercado financeiro entendeu a mensagem do governo como uma propaganda político-eleitoreira em um “embrulho mal feito”. Na rede social X, o gestor Pedro Cerize, da Skopos, escreveu: “caro ministro, vai dar m…”

A mensagem não era uma ameaça da Faria Lima para começar com o que vem sendo chamado de “ataque especulativo” - como o ministro Haddad sugeriu em entrevista em Brasília. Era apenas a percepção de que o governo federal não tratou com a devida urgência o problema fiscal do País.

“Não concordo com o Haddad que estamos sofrendo um ataque especulativo, porque há fundamentos para mostrar esse desequilíbrio. O problema é que a incerteza é tão grande que os piores cenários estão na mesa”, diz Valter Bianchi Filho, CEO da gestora Fundamenta.

Gabriel Galípolo, que assume a presidência do Banco Central a partir de 1º de janeiro de 2025, vai na mesma direção: "Ataque especulativo como algo coordenado não representa bem [o que está acontecendo]", disse ele na manhã de quinta-feira, 18.

As medidas anunciadas estavam na direção correta, mas foram implodidas pelo próprio governo. Ao NeoFeed, Luis Stuhlberger, da gestora Verde Asset, um dos maiores nomes da indústria de investimentos do Brasil, disse que o pacote pareceu uma “gorjeta” diante do tamanho dos gastos do governo que vêm subindo ano a ano.

“O que apareceu foi ‘vamos subir a isenção de imposto para R$ 5 mil’. Foi um discurso extremamente populista. Não foi discurso de quem está pregando austeridade”, disse ele nesta entrevista.

O pacote, embalado pela isenção do IR, não foi suficientes para garantir a estabilidade fiscal. Nas semanas seguintes, inúmeras trocas com o Congresso para aprovação mostram que não devem ser feitas mais medidas, além das apresentadas, de ajuste fiscal até 2027.

“Não há nenhuma bala de prata que possa ser usada, o que falta é uma medida fiscal mais tempestiva por parte do governo. É clara a ausência de vontade política do governo de conter os gastos”, diz Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.

“O pacote foi na direção correta, mas frustrou as expectativas, as medidas foram tímidas no conjunto. O Congresso está desidratando as medidas e, neste cenário, não vejo o governo com intenção de adotar uma atuação energética.”

No cálculo dos economistas, o câmbio médio do atual governo, entre R$ 5,50 e R$ 6, já reflete uma inflação de 5% e uma taxa Selic na faixa de 14% - está em 12,25% neste momento com guidance do BC de duas altas de um ponto percentual nas próximas duas reuniões.

O dólar, que fechou a quarta-feira, 18 de dezembro, negociado a R$ 6,29, chegou a tocar em R$ 6,30 no ínicio da negociação de quinta-feira. E fechou o dia em R$ 6,12, queda de 2,27%.

“Para reverter essa tendência, para chegar num ponto de estabilidade ou até mesmo o dólar voltar a cair, a gente vai precisar de novas medidas de corte de gastos. E isso para logo”, afirma Alexandre Viotto, chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos.

“Se isso não acontecer, é provável que o dólar siga descolando e não tem, pelo menos no momento, nenhum teto”, complementa.

Nos últimos 12 meses, o real se desvalorizou 26% sobre o dólar. O mercado projetava, no início de 2024, um câmbio entre R$ 4,90 e R$ 5,10 para o ano. O primeiro boletim Focus trazia uma divisa a R$ 5. Mas está tudo bem, é claro, porque ninguém, na história deste País, tem mais responsabilidade fiscal do que o presidente Lula. Concorda?

(Colaboraram Ivan Ryngelblum, José Eduardo Barella e Patricia Valle)