A figura do profissional que passa horas analisando opções de investimento em juros, câmbio ou ações tem se tornado cada vez mais rara no mercado financeiro, em meio ao encolhimento dos fundos de ações e multimercados. Com a alta dos juros, gestoras de recursos têm se voltado ao mercado de dívida, muitas vezes assumindo papéis semelhantes ao de bancos na análise de crédito e concessão de empréstimos.

Embora o mercado de crédito não seja novidade na Faria Lima, seu crescimento recente atingiu níveis inéditos. Um levantamento exclusivo da JGP para o NeoFeed revela que os fundos de investimento têm aumentado significativamente sua participação no estoque de crédito para empresas. Até novembro, o mercado de capitais representava 28,8% desse estoque, frente a 14,9% em 2020 e 9,7% em 2016.

A pesquisa considerou os estoques de FIDCs, notas promissórias, CRAs e debêntures, excluindo os volumes em balanços de bancos. Também foram desconsiderados CRIs alocados em bancos para atender exigências regulatórias ou vinculados a financiamentos de pessoas físicas.

Desde 2016, o estoque de crédito do mercado de capitais cresceu 488%, impulsionando a alta de 98% no volume total para R$ 3,39 trilhões. No mesmo período, o estoque de crédito bancário para empresas subiu 56,17%. O mercado de debêntures, em especial, teve um papel crucial, crescendo seis vezes e atingindo recordes históricos em emissões e aportes. Em 2024, os fundos de renda fixa registraram captação líquida de R$ 242,98 bilhões, a maior da história.

Samer Serhan, sócio da área de crédito privado da JiveMauá, aponta que esse movimento tem permitido às empresas alongar suas dívidas e reduzir a dependência do crédito de curto prazo dos bancos. “Isso pode ter um efeito positivo na economia, com as companhias sofrendo menos com o ciclo de alta de juros.”

Os gestores de crédito, contudo, não se limitam ao tradicional mercado de debêntures. Muitas gestoras têm se especializado na originação de crédito e sofisticado seus modelos de concessão. É o caso da JGP, que administra R$ 16 bilhões em ativos de crédito – um montante que a colocaria entre os 20 maiores bancos do país em carteiras para empresas.

“Pela primeira vez, os fundos no Brasil têm tamanho e perenidade de passivos para explorar novas oportunidades. Já fazemos operações personalizadas com SAFs de futebol, mercados de entretenimento e reflorestamento. Sem exigências de Basileia, os fundos têm um custo de capital mais competitivo”, diz Alexandre Muller, sócio e gestor de crédito da JGP.

Nos últimos anos, o acesso a instrumentos de dívida via mercado de capitais, antes restrito a grandes empresas, tem se democratizado. Isso é especialmente visível no setor imobiliário, onde empresas menores têm optado por CRIs devido à redução do crédito bancário provocada pela queda no volume da poupança.

A Bloxs Capital Partners, por exemplo, estruturou uma área de crédito imobiliário focada em incorporadoras de médio porte. “Atendemos projetos no interior e na capital de São Paulo, interior de Minas Gerais e Santa Catarina. Mesmo com a alta dos juros, o volume de CRIs e CRAs deve continuar subindo devido à menor oferta de crédito bancário”, afirma Guilherme Sharovsky, diretor de crédito da Bloxs.

Dados da CVM mostram que o mercado de CRIs alcançou seu maior volume em 2024, crescendo de R$ 40 bilhões para R$ 220 bilhões, enquanto os CRAs aumentaram de R$ 10 bilhões para R$ 140 bilhões.

Outro destaque são os FIDCs, que vêm ganhando relevância entre pequenos e médios negócios ao antecipar recebíveis. Em 2024, a categoria captou R$ 113,47 bilhões, sendo a segunda maior em captação, atrás apenas da renda fixa.

Os FIDCs, com prazos mais curtos, oferecem fôlego financeiro para o capital de giro. A SRM Asset, uma das gestoras mais experientes no setor, emprestou R$ 3,5 bilhões via FIDCs em 2024, R$ 500 milhões a mais que no ano anterior.

“A demanda por FIDCs é estrutural, ainda que acelerada por fatores macroeconômicos. A oferta de crédito no Brasil não atende a demanda atual”, afirma Eduardo Siqueira, diretor de DCM e RI da SRM.

Com cheques médios entre R$ 600 mil e R$ 700 mil, a SRM fechou 2024 com cerca de 5.000 cedentes e uma estrutura de 60 gerentes de contas regionais, que buscam ativamente empresas interessadas em antecipar recebíveis. “Recebemos em média 50 recebíveis por operação, com ticket médio de R$ 14 mil cada, o que ajuda a diversificar o risco”, detalha Siqueira.

Em 2024, foram criados 400 novos FIDCs, totalizando 2.800. Para Serhan, da JiveMauá, essa expansão barateia o custo da dívida e reduz a dependência das empresas em relação aos bancos. “Hoje, as empresas têm mais alternativas de financiamento.”

Para 2025, Serhan projeta a continuidade desse movimento, com os produtos de crédito mantendo seu apelo entre investidores. “A captação tende a ser positiva, no geral, para o crédito privado, especialmente em fundos abertos com prazos de resgates mais curtos”, afirma.

Com o mercado de capitais em franca expansão, o cenário aponta para um novo patamar na relação entre empresas, investidores e fontes de financiamento no Brasil.