O novo chanceler alemão, Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU, de centro-direita), ainda nem formou gabinete após as eleições do fim do mês passado.

Mas o acordo histórico com os seus prováveis parceiros de coalizão, os sociais-democratas de centro-esquerda, pelo qual a Alemanha deverá injetar US$ 540 bilhões (equivalente a € 500 bilhões) em gastos com defesa e reforma da infraestrutura nos próximos dez anos, acabou gerando uma liquidação no mercado global de títulos nesta quinta-feira, 6 de março, em especial na zona do euro e no Japão.

O rally ocorreu horas antes de o Banco Central Europeu (BCE) anunciar novo corte da taxa de juros, de 0,25 ponto percentual, para 2,5% ao ano, alimentando ainda mais o clima de volatilidade.

O impacto no mercado global de dívida começou a tomar forma após o anúncio de Merz, na noite de terça-feira, 4. Os rendimentos do Bund, os títulos alemães de dez anos - um grande impulsionador dos custos de empréstimos em todo o mundo –, chegaram a 2,929% na quarta-feira, o maior índice desde a reunificação alemã, em 1990.

Como consequência, os preços dos títulos caíram, já que os dois se movem em direções opostas. Na manhã desta quinta-feira, o rendimento do Bund de 10 anos estava em 2,87%, mas os rendimentos da dívida francesa e italiana também saltaram.

O efeito chegou ao Japão, onde o rendimento do título do governo japonês de 10 anos subiu 0,07 ponto percentual, para 1,51%, seu nível mais alto desde 2009, à medida que a escala da liquidação de títulos alemães e o tamanho da potencial expansão fiscal abalaram os mercados de dívida soberana, acostumados à contenção de gastos na Alemanha.

“Em um mundo de expansão fiscal, a Alemanha parecia uma exceção”, disse ao jornal britânico Financial Times Mark Richards, chefe de multiativos dinâmicos da BNP Paribas Asset Management, resumindo o impacto gerado pelo anúncio do novo chanceler alemão.

Até os rendimentos dos Treasuries – os títulos de 10 anos dos Estados Unidos - subiram mais de quatro pontos-base para 4,309% na manhã de quinta-feira, 6. Além do impacto do anúncio alemão, os investidores respiravam aliviados com o potencial de isenções tarifárias para o setor automobilístico e aguardavam dados importantes sobre empregos.

Na prática, o aumento nos rendimentos dos títulos alemães refletiu perspectivas de crescimento muito melhores para a maior economia da Europa - e não preocupações sobre a sustentabilidade da dívida alemã, de cerca de 63% do PIB, muito menor do que o nível de outras grandes economias ocidentais, como França (115% do PIB), Reino Unido (101%) e EUA (124%).

Tanto que as ações alemãs aumentaram os ganhos do dia anterior, com o índice Dax, da Bolsa de Frankfurt, subindo 1%, para um novo recorde. A Siemens Energy, uma das empresas de infraestrutura que deve se beneficiar do aumento de gastos, subiu quase 8%.

Impulso à economia

Batizado pelo novo chanceler Merz de “plano faça o que for preciso”, a proposta de liberar gastos com defesa e reformar a infraestrutura alemã deve abrir caminho para o maior estímulo econômico do país desde a reunificação alemã, em 1990 – quando foram investidos cerca de US$ 2 trilhões, em valores atualizados, na antiga Alemanha Oriental.

O plano de gastos nos próximos 10 anos de € 500 bilhões ainda precisa ser aprovado por uma maioria absoluta de dois terços no Bundestag, o parlamento alemão. No total, representaria 12% do PIB.

Economistas calculam que o pacotaço possa gerar até € 1 trilhão em empréstimos adicionais na próxima década — uma quantia que representa mais de um quinto de toda a produção econômica da Alemanha — e ressuscitar a maior economia da Europa após dois anos de estagnação, com crescimento negativo do PIB próximo de zero em 2023 e 2024.

Parte da surpresa com a magnitude da proposta se deve ao fato de o plano romper com mais de duas décadas de conservadorismo fiscal alemão, com previsão de aumento da dívida em relação ao PIB dos atuais 63% para 84% do PIB.

Essa contenção atendia a um “freio de dívida”, escrito na Constituição alemã em 2009, no pico da crise financeira global, que limitava a capacidade do governo de assumir novas dívidas a 0,35% do PIB — uma das leis de restrição fiscal mais rigorosas da história.

Os planos de Merz contornam o freio da dívida ao permitir a exclusão de tudo acima de 1% do PIB gasto em defesa. O Goldman Sachs prevê que o plano levará os gastos de defesa alemães para até 3,5% do PIB até 2027 — acima dos 2,1% em 2024 e apenas 1,5% em anos anteriores, de acordo com números da Otan.

O momento do anúncio reforçou o novo quadro global, em meio a um rápido desmantelamento dos laços de segurança entre os Estados Unidos e a Europa, com o presidente Donald Trump ameaçando acabar com as garantias de segurança dos EUA e, pelo menos temporariamente, cortando o apoio à Ucrânia.

Ao anunciar mais gastos com defesa, Merz disse que a Alemanha teve que acabar com as barreiras de proteção para defender a Europa contra "ameaças à liberdade e à paz".