Na semana passada, a briga entre a família Dubrule e o grupo Toky chegou ao ápice após a dona da Mobly e da Tok&Stok ter encontrado evidências de uma negociação paralela com a Home24, controladora do grupo.

Os Dubrule e a XXXLutz, dona da Home24, negociaram os termos para a retirada da poison pill da Oferta Pública de Aquisição (OPA) de ações proposta pela família, em um movimento que prejudica os acionistas minoritários.

O grupo Toky teve acesso a mensagens de uma longa negociação privada entre a família Dubrule e o grupo alemão. A família Dubrule afirmou que não estava fazendo qualquer tipo de irregularidade.

O NeoFeed teve acesso a uma série de e-mails que mostram a linha do tempo dessas conversas, que terminam com a negociação para a retirada da poison pill.

No início de abril, quando o processo de integração das marcas Mobly e Tok&Stok chegou à tecnologia, a gestão da Toky teve acesso a cerca de 41 mil e-mails de Regis e Ghislaine Dubrule, os fundadores da Tok&Stok. Ao juntar os servidores e eliminar as contas @tokstok.com.br e @mobly.com.br, a família Dubrule reclamou da perda de acesso ao histórico de mensagens.

Foram encontradas cerca de 400 mensagens relacionadas à transação que a família Dubrule vinha desenrolando diretamente com os controladores alemães da agora Toky desde outubro do ano passado. Na maioria dessas mensagens há uma dezena de pessoas copiadas, desde as bancas de advocacia Spinelli e Tannuri e o assessor financeiro Moelis até familiares. Os textos estão em sua maioria em português e francês.

Além dessa troca que relatava o pari passu de reuniões e propostas, Regis Dubrule mandava do seu endereço @tokstok.com.br para o seu pessoal @rgpart.com.br lembretes e resumos do que estava acontecendo nesse processo.

Em 11 de novembro, Paul Dubrule envia uma mensagem ao irmão Regis dizendo que estava disponibilizando 5 milhões de euros para a reestruturação da Tok&Stok (veja imagem 1 no carrossel abaixo).

“Peça a Claude-André para organizar o pagamento de acordo com suas instruções. A ideia era que esses 5 milhões pudessem ser em capital da Tok & Stok, mas como você disse ontem, você ainda não conhece a(s) estrutura(s) que serão colocadas em prática para relançar a Tok&Stok”, diz um trecho da mensagem.

Dois dias depois, Régis informa o escritório Spinelli que Claude-André Deschamps, da empresa suíça Montfalcon, o responsável pelo family office de seu irmão, precisaria receber uma procuração para concretizar a compra das ações da Mobly detidas pela Home24 (veja imagem 2 no carrossel abaixo).

Naquele momento, não havia nenhuma OPA lançada para aquisição das ações da Mobly. Havia uma negociação privada entre eles. Um NDA assinado pela família Dubrule, e a XXXLutz, controladora da Home24, em 15 de setembro dava direito de exclusividade para “qualquer potencial transação por meio da qual XXXLutz transferiria, direta ou indiretamente, parte ou a totalidade das ações da Mobly indiretamente detidas por XXXLutz para a Família Dubrule”, diz trecho do documento.

Em 8 de dezembro, Regis envia um e-mail para o grupo de assessores jurídico e financeiro para comunicar que naquela tarde ele teria uma reunião com Andreas Seifert, sócio e CEO da XXXLutz, para “negociação de preço” (veja imagem 3 no carrossel acima).

“Também explicarei que em caso de acordo no preço, provavelmente desistiremos da nossa intenção de comprar sem aprovação do Cade e waiver dos credores. Ao falar com Tannuri e Spinelli ontem, o Hiram [advogado] explicou que como as debêntures ainda não foram registradas, corremos o risco total dos credores pedirem antecipação imediata das dívidas nesta versão (A). Comunicarei então que estamos optando pela versão (B) que eles preferem”, diz o trecho da mensagem (SIC), mostrando as opções para a concretização da transação.

Em 13 de janeiro, Regis escreve para si resumindo a nova conversa que teve com Seifert, da XXXLutz, e como as condições mudaram em cerca de um mês (veja imagem 4 no carrossel acima).

“O sr. Seifert é um negociador. Ele explicou que passou três dias formando uma opinião: a situação da Tok&Stok e Mobly era melhor do que ele temia; as lojas Tok&Stok eram muito boas e as da Mobly eram razoáveis; os gerentes não tinham experiência no varejo, mas estavam dispostos a aprender; ambas as marcas dominavam o mercado brasileiro e sua fusão poderia levar a um futuro brilhante no toda a América Latina.

E Regis prossegue: “então, não havia urgência para nada… e portanto mais ou menos implicava não necessariamente precisa vender. Ele então nos perguntou se o acordo que havíamos feito dois meses antes ainda era válido. Respondi que não porque a situação tinha mudado completamente”.

As mudanças a que Regis se referia eram tanto macroeconômicas, com a desvalorização do real e a alta da taxa Selic, como as decisões de integração feitas pelo grupo Toky.

Em 28 de fevereiro, Regis Dubrule e os assessores conversam sobre o fechamento da Mobly pós-aquisição de controle. No dia 4 de março, a família Dubrule envia proposta não vinculante de OPA com o valor de R$ 0,68 por ação.

Três dias após o envio da proposta não vinculante da OPA, Regis faz mais um resumo do que estava acontecendo e envia do e-mail da Tok&Stok para o da sua holding (veja imagem 5 no carrossel acima).

“A XXX não quer que usamos a promessa de adesão deles para convencer outros investidores, fala que não validarão e podem até recuar na adesão (...) Bertrand [Lefort, representando a XXXLutz] diz que vão pedir para incluir a proposta de retirada do poison pill na próxima reunião de conselho do 30/4 e se perguntava se a data limite seria neste caso 30/3. (...) Mas para XXX, parece que o mais tarde o melhor (sic). Eles não querem sofrer pressão e de fato é melhor que não sofram. B [Bertrand Lefort] se preocupa de não conseguir aprovar a retirada do poison pill”, escreveu Dubrule.

Em 28 de março, a Home24 pediu para incluir na pauta de reunião do conselho de administração a retirada da cláusula de poison pill.

As condições da OPA

O NeoFeed conversou com três especialistas para entender se a aproximação entre a família Dubrule e os controladores da Mobly era ilegal. Todos disseram que a XXXLutz, controladora da Home24, pode vender sua participação diretamente pelo valor que desejar.

“A venda pode ser por 1 centavo, mas há uma proteção para os minoritários receberem o valor de mercado”, disse um dos especialistas.

No caso da Toky, uma aquisição acima de 20% aciona a poison pill. Na quarta-feira, 15 de abril, a Regain Participações, holding que cuida dos negócios de Regis e Ghislaine Dubrule, os fundadores da Tok&Stok, e Paul Jean Marie Dubrule (irmão de Regis) referendaram o preço de R$ 0,68 por ação da Toky.

Com pouco mais de 122,76 milhões de papéis emitidos, a família teria de desembolsar perto de R$ 84 milhões para reassumir o controle da companhia formada por Mobly e Tok&Stok. A oferta tem um desconto de 41,4% do preço de tela do fechamento da ação MBLY3 na sexta-feira, 25 de abril.

Segundo o estatuto, o preço mínimo de uma oferta é fixado com base na maior cotação em bolsa em um período de 180 dias. Em outubro, o papel da Mobly chegou a tocar em R$ 3,08, o que exigiria um pagamento próximo de R$ 380 milhões pela totalidade das ações, ou seja, um prêmio maior aos minoritários.

Com 44,38% das ações ordinárias da companhia, a alemã Home24, como controladora do negócio, sugeriu a retirada do instrumento de proteção do minoritário para uma oferta hostil. Além dela, as ações do grupo estão distribuídas entre a SPX, que detém 13,04%; a CTM Investimentos, com 11,9%; os administradores, 6,16%; e 24,52% estão em livre circulação.

O NeoFeed conversou com alguns investidores que têm interesse na transação e ajudariam o banco de investimento Moelis, que atua junto à família, a discutir uma oferta de liquidez para a família Dubrule recomprar as ações ou fazer um aumento de capital

“A estratégia da Moelis é conseguir a aprovação para a destituição da poison pill. Está claro para a família a dificuldade de convencer os acionistas atuais a saírem”, disse a fonte em condição de anonimato.

As debêntures

Na terça-feira, 22 de abril, o grupo Toky informou aos acionistas que tinha coletado provas suficientes para acionar criminalmente a família Dubrule por atuação coordenada e não divulgada ao mercado. O NeoFeed apurou que o advogado criminalista Pierpaolo Bottini foi contratado e começou a tomar as medidas legais.

Após esse fato relevante, o Santander, que é o debenturista titular de mais de 10% das debêntures em circulação emitidas pela Tok&Stok, cancelou a assembleia geral convocada para a terça-feira, 29 de abril, para decidir sobre o waiver da dívida.

Em 5 de março deste ano, houve a emissão das debêntures conforme o plano de recuperação extrajudicial homologado em novembro do ano passado.

No contexto da reestruturação financeira da fusão, a Tok&Stok teve a emissão de debêntures não conversíveis de R$ 454,4 milhões, com vencimento em 31 de dezembro de 2034 e carência no pagamento de juros até dezembro de 2025. A remuneração corresponde a CDI+2% ao ano.

Na mesma data, a Mobly, controladora do grupo Toky, realizou uma emissão privada de debêntures conversíveis no valor de R$ 132,1 milhões, com vencimento em 31 de janeiro de 2035. O preço de conversão foi fixado em R$ 9 por ação, acrescido da remuneração contratual.

De acordo com relatório da auditoria e consultoria Grant Thornton, a Tok&Stok teve um prejuízo consolidado de R$ 224,9 milhões, apresentou capital circulante líquido consolidado negativo de R$ 106,6 milhões e patrimônio líquido (negativo) consolidado no montante de R$ 572,7 milhões.

Procurada, a família Dubrule não quis se manifestar para a reportagem. O grupo Toky também não respondeu à reportagem.