Há seis meses, Ariel Grunkraut assumiu como CEO da Kraft Heinz no Brasil, após deixar o comando da Zamp, dona de redes como Burger King e Popeyes no País. E, na nova casa, encontrou um combo que deixava bem claro o apetite da gigante americana de alimentos pelo mercado local.

O principal ingrediente foi um aporte de R$ 1 bilhão feito pela empresa no Brasil nos cinco anos anteriores, como parte dos preparativos para a ambição de consolidar o País, eleito um dos cinco principais mercados pela matriz, como o seu motor de crescimento nos mercados emergentes.

Com esse mandato em mãos, Grunkraut já escolheu as novas frentes de investimentos que darão tempero a essa receita: marketing, distribuição e ampliação do portfólio, incluindo a entrada em novas categorias.

“O grande desafio nessa fase dois é destravar o potencial das nossas marcas em todo o País”, diz Grunkraut, ao NeoFeed. “Em ketchup, por exemplo, a Heinz tem 25% de market share. Mas esse dado não conversa com sua penetração nos lares brasileiros, que está abaixo de 20%, contra mais de 80% da categoria.”

Além da Heinz, o grupo tem outras três marcas no Brasil, fruto de M&As e cujos valores envolvidos não estão incluídos no investimento bilionário feito no País. Quem inaugurou essa estratégia, em 2011, foi a Quero. Na sequência, em 2022, vieram a Hemmer e a BR Spices.

Último nome desse pacote e mantida como uma divisão apartada, a BR Spices, de temperos e especiarias premium, terá um papel essencial nessa nova etapa. A empresa vai operar como um laboratório para a entrada da Kraft Heinz em novas categorias, com maior foco na Heinz e na Quero.

Marca de entrada nesse portfólio local, a Quero está no centro do primeiro fruto dessa estratégia. A partir de uma collab com a BR Spices, a empresa lançou recentemente uma linha de 18 temperos para o dia a dia, com produtos como alho granulado, canela em pó e orégano.

“A BR Spices trabalha no segmento premium, mas nesse mercado, o grande volume no Brasil está nos temperos para casa, que movimentam mais de R$ 2 bilhões por ano”, diz Grunkraut.

A própria BR Spices está estendendo seu menu. A marca acaba de lançar uma linha de farofas prontas e outra de temperos para AirFryer, além de um tempero exclusivo para ovo, o que marcou a estreia da Kraft Heinz em uma nova ocasião de consumo – o café da manhã.

Essa ampliação dos portfólios também reserva espaço para variações de produtos já ofertados. É o caso da Heinz, a marca premium da operação em condimentos, que trouxe recentemente para as gôndolas do varejo uma linha de ketchups saborizados.

“Nos Estados Unidos, a Kraft Heinz tem todo um guarda-chuva de marcas”, diz o CEO. “Aqui, nosso portfólio ainda é tímido. A Heinz, por exemplo, ainda é muito associada ao ketchup. Então, vamos trazer mais variedade, dentro do jogo que cabe a cada marca.”

Do marketing à inteligência artificial

Nesse tabuleiro, a Heinz irá concentrar boa parte dos investimentos em marketing, outra peça importante nos novos planos. Embora não revele valores consolidados, o CEO diz que a verba da área em 2025 vai crescer pelo menos 30%.

Como parte dessa estratégia, a Kraft Heinz também revisou seus parceiros no segmento, ao escolher a David, do grupo WPP, e a Jota, como suas novas agências, respectivamente, de publicidade e marketing digital.

Na Heinz, parte desses investimentos passará por uma série de campanhas em direção a um posicionamento mais amplo, buscando replicar a força da marca no segmento de ketchups em outras categorias.

Nesse orçamento, também há espaço para Hemmer, de Blumenau (SC), que opera como a bandeira intermediária no portfólio da companhia. Grunkraut observa que o grande desafio é reforçar sua disponibilidade na região Sul. E, em paralelo, introduzir a marca nacionalmente.

“A Hemmer é quase uma desconhecida de São Paulo para cima no Brasil”, diz o CEO. “Então, temos um trabalho de construção de marca aliado à distribuição, execução, experimentação e disponibilidade dos produtos.”

Esses esforços incluirão plugar a marca na plataforma de vendas da Kraft Heinz Brasil, com o  atendimento direto a grandes clientes e mais de 50 distribuidores, que fazem a conexão com pequenos e médios varejos.

Na produção – que inclui quatro fábricas e foi o principal destino do aporte bilionário -, Grunkraut entende que a subsidiária tem capacidade para atender às demandas de crescimento, incluindo novas linhas do portfólio, pelos próximos três anos.

Em sua avaliação, o grupo está mais blindado em relação às instabilidades do cenário macroeconômico pelo fato de manter uma operação verticalizada e com toda a produção realizada localmente. Algo que é reforçado a partir de outra frente dos investimentos realizados.

A Kraft Heinz vem estreitando suas conexões com o agronegócio, o que inclui 7 mil hectares e parcerias com 70 produtores nos plantios de tomate, milho e pepino. E tem feito isso com o apoio da Heinz Seed, outra empresa do grupo, que fornece 150 tipos de sementes de híbridos para a operação.

Com esse mix e o apoio de recursos como inteligência artificial, machine learning e drones, é possível identificar, por exemplo, os riscos de praga em uma determinada área. Além de qual semente plantar em cada espaço, de acordo com a altura, qualidade do terreno e a previsão do clima durante a safra.

Essa estratégia tem trazido ganhos de eficiência expressos em números como o crescimento anual de 21% em volume de colheita por hectare no plantio de tomate, em 2024. O que também se reflete em preços mais competitivos e permite que a operação comece a traçar planos mais ambiciosos.

“Há cinco anos, importávamos a pasta de tomate da Califórnia. Hoje, somos 100% autossuficientes no Brasil”, diz Grunkraut. “E já começamos a vislumbrar exportar parte dessa produção para a América Latina.”

A crescente importância dada ao Brasil pela matriz da Kraft Heinz também se explica pela redução da dependência. Nesse caso, porém, da concentração das receitas na América do Norte. A região respondeu por mais de 75% da receita total de US$ 25,8 bilhões da empresa em 2024.

No período, a receita dos mercados emergentes, que incluem ainda países como Turquia, Rússia e México, foi de US$ 2,7 bilhões. No Brasil, a grande aposta para que essa fatia salte para 30%, em dez anos, o faturamento foi de cerca de R$ 3 bilhões.

Essa orientação acontece num momento em que o grupo, avaliado em US$ 31,3 bilhões, tem monitorado os potenciais efeitos das tarifas e da inflação nos EUA. E coincide com movimentos recentes envolvendo os dois atores que arquitetaram a fusão da Kraft Foods com a Heinz, em 2015.

Nesta semana, a Kraft Heinz informou que a Berkshire Hathaway, gestora de Warren Buffet que detém 27% da operação, deixou de ocupar seus dois assentos no board. Antes, no início de 2024, a 3G Capital, gestora de Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, já havia zerado sua posição na empresa.