Não seria exagero dizer que a gordura do wagyu é mais cobiçada do que a própria carne. Muito branca, ela não se revela em camadas definidas, como aquele anel espesso que envolve a picanha, mas em veios finos e homogêneos, que lembram o desenho do mármore, se esparramam pelas fibras e clareiam o corte, a ponto de deixá-lo cor-de-rosa.

O tal marmoreio derrete quando aquecido, prometendo sabor e suculência em níveis que fazem os carnívoros salivarem — e abrirem a carteira. Conhecida como a mais cara do mundo, apesar do preço, a carne do gado wagyu nunca esteve tão em alta no Brasil e aparece em preparos cada vez mais criativos.

Já tem até omakassê de wagyu de ponta a ponta. Moda nos restaurantes japoneses, o menu-degustação surpresa, que põe o cliente nas mãos do chef, inspirou a sequência criada pela steak house paulistana Nice to Meat U (NTMU, para os habitués). Sentados no balcão diante da parrilla, onde só cabem seis pessoas por vez, os clientes testemunham o preparo de dez etapas.

O banquete começa com steak tartar e termina com fatias finas de picanha rapidamente tostadas na churrasqueira. Com direito a vinhos argentinos, custa R$ 950 — lugares livres, avisa a casa, só em agosto.

Na Fazenda Churrascada, restaurante da Zona Sul de São Paulo, a degustação de wagyu também tem toque oriental. O próprio cliente manuseia a churrasqueira japonesa, que vai à mesa para que os retângulos finos de carne sejam sapecados. O pedido é só um aperitivo para abrir o apetite — a porção com 220 gramas, recomendada para quatro pessoas, sai por R$ 309.

Muitos fatores explicam por que a carne de wagyu custa tanto. Trata-se de um grupo de raças, todas de origem japonesa, com maior predisposição à formação do marmoreio.

Mas o pedigree não garante sozinho o alto teor de gordura intramuscular que o mercado consumidor quer encontrar — para chegar lá, os criadores devem proporcionar vida de príncipe aos rebanhos.

Os animais, de temperamento naturalmente calmo, pastam livremente e recebem suplementação especial à base de aveia, milho e grãos fermentados descartados pela indústria de bebidas, como a cevada que vem das cervejarias. Nas principais regiões produtoras do Japão, como Kobe e Kagoshima, a dieta pode incluir iguarias como shokupan (pão de leite), tofu moído e até noodles.

Estresse é um problema que esse gado desconhece. Mimados, bois e vacas crescem em ambientes sossegados, com muita sombra, água fresca, música suave ambiente, escovas massageadoras e brinquedos, o que ajuda a abrir o apetite. O processo é caro e demorado – enquanto um animal da raça Angus passa 120 dias na engorda, o Wagyu vive nesses verdadeiros spas por até 300 dias.

Mesmo com tudo isso, o final do processo, na hora do abate, é sempre uma surpresa — os cortes são escaneados e classificados conforme o grau de marmoreio, o que determina seu preço final.

A escala definida pela Associação Japonesa de Classificação de Carnes, a mais usada no Brasil, parece uma sopa de letrinhas. Primeiro vêm as letras de A a C, que se referem ao rendimento da carcaça, seguidas dos números de 1 a 5, que determinam a qualidade – a carne A5, portanto, ocupa o topo do ranking. Considera-se ainda o grau de marmoreio propriamente dito, o beef marbling score (BMF), cuja escala vai de 1 a 12.

Nada de "churrascão"

Cortes de Wagyu A5, com BMF entre 10 e 12, são o foco da 481 Carnes, que importa a carne do Japão desde 2019. O primeiro lote, com 247 quilos, se esgotou no e-commerce da marca em menos de 1 hora. Marcelo Shimbo, fundador da empresa, conta ao NeoFeed que já está importando uma tonelada por mês.

Na loja online ou no Empório 481, boutique de carnes que fica dentro da Fazenda Churrascada, o quilo custa de R$ 1.290 a R$ 1,9 mil, dependendo do corte. “Trago sempre chorizo e ancho e, de vez em quando, recebo edições diferentes, como picanha, filé-mignon, denver e brisket”, diz Shimbo.

Sua clientela compõe-se de aficionados por carnes e restaurantes caros, principalmente os de cozinha oriental. “O A5 não é uma carne para fazer um churrascão. As steak houses também estão consumindo, porque aprenderam a oferecer a carne em tirinhas, como entrada”, ele pontua.

Os principais clientes de Marcelo Shimbo, dono da 481 Carnes, são os restaurantes orientais. "Mas steak houses também estão consumindo, porque aprenderam a oferecer a carne em tirinhas, como entrada”, diz ele (Foto: 481 Carnes)

Entre os 15 pratos do omakassê de carne do Varanda D.Inner, está o tempurá de shisso com crudo de wagyu e ovas (Foto: Henrique Peron)

Na Fazenda Churrascada, a degustação de wagyu também tem toque oriental. O próprio cliente manuseia a churrasqueira japonesa (Foto: Fazenda Churrascada)

Na steak house paulistana Nice to Meat U, o menu-degustação começa com steak tartar e termina com fatias finas de picanha rapidamente tostadas na churrasqueira. (Foto: Nice to Meat U

Dos 5 mil anaimais abatidos anualmente pela Beef Passion 400 têm 50% de sangue wagyu (Foto: Beef Passion)

A escala definida pela Associação Japonesa de Classificação de Carnes é a mais usada no Brasil (Foto: 481 Carnes)

No omakassê de carne do Varanda D.Inner, projeto que ocupa as noites do Varanda Grill, o chef Fabio Lazzarini mescla etapas de wagyu japonês A5 com cortes de origem nacional. A sequência, servida para apenas seis comensais por noite, tem 15 tempos e sai a R$ 600 por pessoa.

A carne produzida no Brasil, uma alternativa para fugir do alto custo da japonesa, entrega outro tipo de experiência, conta Lazzarini ao NeoFeed. “O A5 japonês chega a ser branco, um negócio de louco, que derrete na boca e gera muito mais expectativa dos clientes. Geralmente uso em três etapas do omakassê. O wagyu nacional de alto marmoreio também é muito bom, mas não no mesmo nível.”

Wagyu brasileiro

A multinacional Yakult foi a primeira a trazer a raça para o país, em 1992. Hoje, há cerca de 50 pecuaristas registrados na Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos das Raças Wagyu (ABCBRW), espalhados por vários estados.

De acordo com Daniel Steinbruch, presidente da entidade, o rebanho de wagyu puro não passa de 9 mil cabeças em todo o país, enquanto os animais cruzados com outras raças chegam a 50 mil. A ABCBRW certifica tanto os puros quanto os de cruzamento, que devem ter ao menos 50% de sangue wagyu para receber o selo.

“Como brasileiros gostam de quantidade, o wagyu de cruzamento é mais adequado, e não só por ser mais barato. Você até consegue comer um steak de 300 gramas de wagyu grau 6. Acima disso, acaba correndo para o banheiro”, afirma Steinbruch ao NeoFeed.

Sua empresa, a Guidara, que abate 150 cabeças por mês, trabalha com as duas linhas — os cortes de wagyu puro respondem por um quarto do volume.

O restaurante Tuju, do chef Ivan Ralston, classificado com duas estrelas no Guia Michelin, é um de seus clientes. “Estamos prontos para exportar, temos pedidos, mas não sobra nada. Está até difícil estimar o tamanho do mercado brasileiro, porque tudo que se produz é vendido”, completa o pecuarista.

A Beef Passion, empresa de Antonio e Amália Sechis, pai e filha, também aposta no wagyu de cruzamento. “É um marmoreio mais palatável, sem ser enjoativo”, afirma Antonio ao NeoFeed. Ele abate 5 mil animais por ano, dos quais 400 têm 50% de sangue wagyu.

Não chega a ser um produto barato. No e-commerce da marca ou na loja física, no bairro paulistano de Santa Cecília, o quilo do ancho sai a R$ 1.029.

Embora inacessível para a maioria da população, a marca tem clientes de peso, como Amália conta ao NeoFeed: “Não são apenas as redes de supermercado que compram por atacado. Temos clientes finais, pessoas físicas, que encomendam um boi inteiro e pagam de R$ 15 mil a R$ 20 mil.”