Na virada dos anos 1950 para 1960, o movimento neoconcretista propunha uma nova relação com a arte. Artistas, escritores e poetas como Ferreira Gullar, Lygia Clark, Amilcar de Castro, Lygia Pape, Franz Weissmann e Hélio Oiticica defendiam: a arte deveria se concentrar nas experiências sensoriais e subjetivas do espectador, transformando-o em cocriador.
A série Penetráveis, de Oiticica, por exemplo, convida o público a interagir fisicamente com suas instalações. Com as esculturas interativas Bichos, de Clark, ele pode manipular as placas de metal articuladas, criando suas próprias peças.
Pouco mais de seis décadas depois, as tecnologias emergentes agora tiram os espectadores da contemplação passiva de forma ainda mais radical.
Os avanços em inteligência artificial, realidade virtual, projeção mapeada, áudio 3D e realidade aumentada, entre outras tecnologias, lançam o público em uma experiência plurissensorial que ativa não só a visão e a audição, mas também o tato e, em alguns casos, até o olfato e o paladar.
Enquanto as exposições imersivas atraem milhões de pessoas ao redor do mundo, cresce o debate sobre a essência dessas mostras. Para os mais puristas, elas não passam de entretenimento efêmero — uma estratégia comercial em perfeita sintonia com a vida “instagramável”. Mas o consenso está longe de ser alcançado.
“A arte cada vez mais dialoga com o entretenimento. E isso pode ser muito positivo”, afirma o crítico e curador Oscar D’Ambrosio, ao NeoFeed. Se as apresentações high tech permitem “olhar e interpretar o mundo de novas maneiras, isso é arte.”
A tecnologia apenas pela tecnologia, porém, não basta — deve-se ir (muito) além da surpresa inicial com a técnica. “É preciso uma intenção e uma direção artística”, diz Patrícia Secco, curadora da Visualfarm Gymnasium: Leonardo da Vinci. “Sem isso, o resultado final pode até divertir o visitante, mas não o faz refletir, não o transforma — talvez sequer deixe alguma lembrança.”
A exposição sobre o gênio renascentista inaugura o Visualfarm Gymnasium, em São Paulo. Primeiro laboratório de arte imersiva da América Latina, idealizado por Alexis Anastasiou, o espaço de 2 mil metros quadrados propicia um “mergulho” na vida e na obra de da Vinci, por meio de 25 “experiências” diferentes.
O desafio dos museus tradicionais
Além de estabelecer uma nova relação entre os espectadores e a criação artística, as mostras interativas questionam o papel das instituições de arte convencionais rumo ao futuro.
“Os museus podem se afastar de experiências imersivas, em grande parte por considerá-las entretenimento superficial”, escrevem Felix Barber, cofundador de Dazlus LTD, startup de arte digital, e András Szántó, consultor de estratégia cultural, no artigo Immersive art is exploding and museums have a choice to make, na plataforma ArtNews. “É verdade que produções como Van Gogh Imersivo ou Os Jardins de Monet, que usam projeção digital nas paredes e no chão para animar a vida e a obra de artistas consagrados, são alvos fáceis dessas críticas.”
Como eles lembram, ao longo dos primeiros 20 anos do Oscar, 14 dos 20 vencedores do prêmio de melhor filme foram adaptações de romances ou peças de teatro de sucesso. “Adaptações podem ser a base para obras dignas de museus”, defendem.
De qualquer forma, um levantamento conduzido por Barber e Szántó sobre experiências imersivas em vários países mostra que as exposições que usam projeção digital para animar o trabalho de artistas consagrados do passado representam apenas 29% das mostras. A maioria (46%) consiste em criações originais para o universo digital.
Um dos coletivos mais influentes é o TeamLab, um grupo internacional de 500 pessoas, entre matemáticos, engenheiros e artistas. Lançado em 2001, “busca navegar na confluência entre arte, ciência, tecnologia e o mundo natural”, informa a apresentação do grupo. O TeamLab mantém exposições concomitantes em vários lugares do mundo.
O terceiro tipo de exposição imersiva levantado por Barber e Szántó é composto por instalações que exigem um investimento maior em infraestrutura, como o Balloon Museum. Inaugurado em 2021, o projeto percorre o mundo com "obras" nas quais o ar é o elemento comum.
O despertar de um interesse
As exposições imersivas custam caro. “Milhões e milhões de reais”, diz Anastasiou, o criador do Visualfarm Gymnasium, sem revelar os investimentos na mostra de Da Vinci. “Sem patrocínio, não há como colocar uma estrutura dessas de pé.”
O tradicional Grand Palais, em Paris, por exemplo, firmou parceria com o governo francês, por meio do Banque de Territoires, e a incorporadora imobiliária privada Vinci Immobilier na fundação, em 2022, do Grand Palais Immersif.
Mas, o primeiro espaço dedicado à arte digital no mundo foi o Atelier des Lumières, também em Paris, aberto em 2018. Atualmente, são duas exposições — uma propõe a “redescoberta” de O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, e a outra volta às telas de Van Gogh.
Graças ao aperfeiçoamento das tecnologias, as imersões são capazes de criar hoje coletâneas sobre qualquer movimento artístico.
“Se o estúdio de criação tiver uma boa equipe, domínio técnico e experiência na realização de exposições imersivas, ele vai saber lidar com todas as estéticas”, afirma Marinilda Boulay, pesquisadora, curadora e artista plástica.
No artigo para a ArtNews, Barber e Szántó preveem que as mostras tradicionais continuarão a ter apelo, sobretudo se as imersivas despertarem um novo interesse pela arte.