Por muito tempo, o Ocidente olhou para a China enxergando apenas suas fábricas, infraestrutura e disciplina de execução. Mas o que realmente moveu o país — e o que agora começa a impactar o mundo de forma inédita — são seus empreendedores e profissionais. Eles sempre estiveram lá. O que está mudando é a escala e a maturidade: há hoje uma massa crítica de talento chinês experiente, globalizado e tecnicamente sofisticado, ocupando cada vez mais espaço nos setores que definem o futuro.

A nova geração que comanda grandes empresas e cria startups não surgiu do nada. Ela é fruto de décadas de crescimento, de ciclos intensos de aprendizado e de uma cultura que, apesar das diferenças, sempre valorizou o estudo, o empreendedorismo e o trabalho duro. Há anos, a China é o segundo país com mais empresas que se enquadram na classificação (quase ultrapassada) de unicórnios, com cerca 300 versus 710 dos EUA. A diferença é que agora esses profissionais têm bagagem internacional, vivência de mercado, domínio narrativo e ambição de longo prazo.

Pude comprovar isso de perto já em 2014, quando participei da chegada da Xiaomi ao Brasil. Nas viagens à sede da empresa em Pequim, me surpreendi com o perfil dos colegas. A empresa era liderada por engenheiros e executivos jovens, já com passagem por multinacionais, MBAs no exterior e um senso de branding apurado. Havia um espírito de “startup global” antes mesmo do termo se popularizar. A China já não era apenas uma fábrica do mundo — era um celeiro de cérebros inquietos.

Hoje, o movimento ganhou escala. Milhares de talentos chineses que viveram fora estão retornando ao país para liderar startups e grandes empresas com ambição internacional. Segundo Jensen Huang, CEO da Nvidia, metade dos profissionais mais qualificados em inteligência artificial do mundo já estão na China.

E é exatamente no estratégico setor de inteligência artificial que o processo se tornou se tornou mais evidente. A crescente tensão entre Estados Unidos e China nos últimos anos levou ao retorno de centenas de profissionais chineses altamente qualificados, muitos deles formados em universidades como Stanford, MIT e Berkeley, com passagens por empresas como Google, Meta, OpenAI e startups do Vale do Silício.

Se antes faziam parte da vanguarda da IA nos Estados Unidos, hoje estão de volta à China, encontrando um ecossistema mais maduro, acesso a capital e ambição de protagonismo global. A presença desses talentos no país não apenas eleva o nível técnico das novas empresas, mas também acelera sua capacidade de competir internacionalmente em áreas estratégicas como modelos de linguagem, chips, robótica e automação industrial.

A qualificação dos talentos do país asiático também está começando a ser sentido no Brasil. As novas empresas chinesas que chegam ao país são diferentes das de dez anos atrás. Seus executivos falam inglês fluentemente, conhecem o mercado local e, mais importante, sabem construir relações de longo prazo. Muitos moraram em outros países, lideraram operações na América Latina ou participaram de rodadas de investimento em Nova York ou Singapura. Eles chegam preparados — e determinados.

E se perguntarmos a qualquer chinês mais velho ou simplesmente olharmos nas principais cidades do mundo, a diáspora chinesa sempre foi presente com suas Chinatown e agora com as modernas empresas. Talvez o Brasil seja um dos grandes países com uma população de origem chinesa em menor quantidade proporcional. Apesar de terem chegado comparativamente cedo, a primeira leva de chineses desembarcou em 1814 - 1874 dos italianos e 1910 dos japoneses - a vinda maciça nunca aconteceu.

Não se trata de um modismo nem de um movimento isolado. Trata-se de uma mudança estrutural. A China não começou agora a formar líderes — ela os cria por décadas. Mas agora eles estão prontos, em quantidade e qualidade inéditas. E por isso, entender a mentalidade, o comportamento e a trajetória dessa nova elite empresarial chinesa deixou de ser um diferencial. Passa a ser uma exigência para quem quer realmente compreender o futuro dos negócios globais.

Não basta mais conhecer a marca. Precisamos entender quem está por trás das decisões. Se citamos na ponta da língua as biografias de nomes americanos da atualidade como Steve Jobs e Mark Zuckerberg, ou desbravadores como Henry Ford, é hora de incluir no nosso repertório Zhang Yiming, fundador da ByteDance/TikTok, Lei Jun, da Xiaomi e Wang Chuanfu, da BYD. Eles são parte de uma geração que já influencia o consumo, a mobilidade, o varejo e a tecnologia em todo o planeta - inclusive no Brasil.

In Hsieh é sócio da IEST e Acelerador de Negócios e Investimentos Brasil e China