No próximo 11 de agosto, o carioca Antônio Vitor Monteiro, o Vitinho, de 18 anos, embarca para a Carolina do Norte para cursar seu primeiro ano na faculdade de segurança cibernética focada em análise de dados na Montreat College.
Vitinho é bom aluno. Mas foi o tênis que lhe rendeu uma vaga para estudar nos Estados Unidos, onde ele já chega ocupando a posição de capitão de equipe.
Tímido e centrado, o tenista já competiu em mais de 550 torneios pela América do Sul, América do Norte e Europa. Foi cinco vezes campeão brasileiro e mais de dez vezes campeão estadual, além de ter levado o troféu da Confederação Sul-Americana de Tênis, em 2023, na Bolívia.
Em 2019, Vitinho chegou a ser o nono do Brasil em sua categoria. Naquele ano, e também em 2021, ele treinou por uma semana na Espanha com Pepe Imaz, ex-técnico do Novak Djokovic. Em Portugal, levou a Taça Olivio Guerreiro, e em dois torneios do Rio Open, bateu bola para o aquecimento de nomes internacionais como Arthur Fils, Nicolas Jarry, Francisco Cerundolo e Sebastian Baez.
A conquista da faculdade tem um peso ainda maior para seus pais: o jovem é filho único de Damião e Gonçala Monteiro, um casal cearense, ele porteiro de um prédio em Ipanema, ela cozinheira caseira de doces e salgados. “Vitinho é uma joia de menino: disciplinado, focado e muito apaixonado por tênis. Esporte e estudo andam juntos na vida dele,” diz Damião, em conversa com o NeoFeed.
O amor pelo esporte nasceu no Projeto Tênis na Lagoa, uma iniciativa criada há 21 anos pelo treinador Alexandre Borges para ensinar crianças de escolas públicas e regiões de baixa renda no Rio de Janeiro. Borges conta com um padrinho crucial: o lendário tenista gaúcho Thomaz Koch, vencedor do Grand Slam de Roland Garros, na França, em 1975, nas duplas mistas.
Em uma quadra aberta na beira da Lagoa Rodrigo de Freitas (rodeada por clubes de elite como Monte Líbano, Caiçaras, Paissandú e Flamengo), mais de 5,5 mil alunos já passaram pelo projeto, hoje com 200 alunos matriculados gratuitamente.
“Koch foi pioneiro ao apoiar essa loucura. Ele é tão parceiro que até embrulha presente de Natal para as crianças”, conta Borges.
As aulas são ministradas de segunda a sexta, na parte da tarde, por dois professores e dois monitores, com turmas de meninos e meninas divididos por idade, de 6 a 18 anos, incluindo crianças autistas.
Este ano, a iniciativa conta com o patrocínio do Banco Santander, por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, do governo federal. O contrato acaba em dezembro deste ano, e Alexandre busca um novo patrocinador.
“Sim, o tênis é um esporte de elite. Mas é preciso que as crianças conheçam este esporte, se divirtam e pratiquem. Foi desta forma que o Vitinho e outros meninos conseguiram competir em um bom nível”, diz Borges, ressaltando que Vitinho é o primeiro atleta do projeto a conquistar uma vaga em uma faculdade americana por causa do tênis.
"Bate-bola" com João Fonseca
Na infância, o jovem treinava futebol, mas na volta para casa, sempre passava de bicicleta com a mãe em frente à quadra de tênis do projeto. Até que um dia, aos 7 anos, resolveu tentar, nunca mais voltou para o futebol e dava trabalho para a mãe na hora de deixar a quadra. Não queria sair de lá.
“No começo, ninguém queria jogar com ele, porque ele não era bom”, conta Borges. “Depois, ninguém queria jogar com ele porque ele era bom demais. Tanto que o tenista João Fonseca [de 18 anos, hoje número 47 no ranking da ATP] chegou a buscá-lo em casa para bater uma bola.
Koch recorda-se dos meses em que Vitinho, então com 13 anos, ficou oito meses paralisado usando colete ortopédico por causa de fraturas causadas por um estresse na coluna. “Ele só tirava o colete para tomar banho”, recorda Gonçala, que escutava o filho chorar baixinho por achar que jamais pisaria em uma quadra novamente.
Gradualmente, ele voltou a treinar, começando com 15 minutos por dia, até voltar a jogar normalmente. Há um ano, ele treina integralmente na academia Yes Tennis, com tenistas da mesma idade.
“O sucesso no tênis vem daqueles que têm vontade. E o Vitinho tem essa vontade”, diz Koch. “Muita gente teria desistido depois de um machucado como o dele. Mas ele voltou do zero, devagar, e com dor. Hoje, não tenho dúvidas de que ele está super bem encaminhado. Basta ele chegar nos Estados Unidos e jogar”, completa ele, confessando arrependimento por não ter estudado no exterior.
Vitinho completou o ensino médio em uma escola particular católica de Ipanema. A diferença entre ele e seus amigos de classe, diz, é seu foco no aprimoramento da prática do esporte — enquanto os amigos jogam por prazer e diversão.
“Ambos os objetivos são válidos. A única diferença é o tempo de treino: eu chegava em casa às oito da noite, cansado, e ainda tinha que fazer o dever de casa. Meus amigos chegavam em casa meio-dia”, lembra Vitinho. “Tenho minhas obrigações, e faço o que tem que ser feito na hora certa. O tênis ajuda a organizar o meu tempo”, revela.
A tentativa por uma vaga em uma faculdade do exterior veio de um contratempo na prova do Enem em novembro passado, que caiu no mesmo dia de um torneio na Bahia. Vitinho perdeu a prova, e para que o filho não perdesse um ano de estudo, Gonçala foi atrás do University Sports Program, uma empresa que orienta jovens atletas a se candidatarem a faculdades americanas.
Correndo contra o tempo em março passado, Vitinho enviou um vídeo feito em quadra, passou nas devidas provas de inglês e apresentou as notas escolares. Recebeu mais de um convite e escolheu a Montreat College, uma faculdade cristã com ênfase em esportes.
“O tênis ensina o respeito ao próximo e o fair play. Saber ganhar ou perder é importantíssimo, porque na vida a gente perde mais do que ganha”, diz Borges, que trabalha ao lado da esposa, Paula.
O casal acompanhará Vitinho até a faculdade. “Diversos pais me contam o quanto seus filhos mudaram em relação ao respeito e dedicação a partir das aulas de tênis. E escuto das crianças que elas esquecem do mundo enquanto estão na quadra”, comemora Borges. “Não temos filhos. Então, este é o nosso legado”.