Em agosto do ano passado, a Speedbird Aero, de Franca (SP), foi a primeira empresa a receber autorização da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) para testar a entrega de produtos com drones no País, ainda em caráter experimental.
Quase nove meses depois, a startup está ganhando uma “carona” para turbinar seu plano de se consolidar como um dos principais nomes do setor. A empresa fechou uma parceria com a Mercedes-Benz para o desenvolvimento e a operação de um furgão que será usado como base móvel para a decolagem e o pouso de seus drones.
Com duração de três anos, o acordo inclui a conversão dos modelos Sprinter em veículos equipados com os chamados “droneports”. O modelo já está sendo testado em algumas das operações. A parceria passa ainda pela implantação de um centro operacional da startup nas instalações da montadora.
“O fato de combinar o modal aéreo com o terrestre vai nos dar mais capilaridade”, diz Manoel Coelho, cofundador e CEO da Speedbird Aero, ao NeoFeed. “Com esse drone ponto móvel, é possível atender demandas variáveis, inclusive em locais de difícil acesso, áreas remotas e em situações de emergência.”
A ideia é usar o veículo como modal intermediário entre a primeira e última milha. O furgão tem capacidade de receber pousos e decolagens de menor porte, na traseira do veículo. Já os equipamentos maiores realizam essas mesmas operações no teto da van.
Para apoiar essas operações, a Sprinter é equipada abriga ainda um centro de comando e recursos para recarregar as baterias das aeronaves. “Na prática, com as certificações e devidas autorizações, o projeto viabiliza a operação do drone como parte do modal em qualquer local”, explica Coelho.
Há outros projetos similares no mundo. Um deles envolve a própria Mercedes-Benz e a startup americana Matternet. Outro exemplo é uma parceria entre a UPS e a Workhorse Group, fabricante americana de veículos elétricos.
Nessa corrida, o projeto com a Mercedes-Benz é apenas um dos motores da Speedbird Aero, que está ampliando seu portfólio e iniciando a busca por um aporte série A. Até aqui, no plano de voo da startup, o destaque é o DLV1, que recebeu a autorização provisória da Anac, para os testes com o iFood. Ele pesa 9 kg e pode transportar até 2,5 km e chegar a uma altura máxima de 120 metros.
Desde o sinal verde para voos experimentais, o modelo está sendo testado em uma rota de 500 metros que conecta mais de 20 restaurantes no terceiro piso do shopping Iguatemi, em Campinas, ao hub do iFood no andar térreo do próprio empreendimento. De lá, os pedidos são retirados pelos entregadores.
“Esse processo economiza entre 10 e 12 minutos em cada entrega”, diz Coelho. Diariamente, a média já é de 20 voos no local. No total, a parceria contabiliza aproximadamente 300 voos realizados. Head de inovação e logística do iFood, Fernando Martins ressalta que é preciso desmistificar a ideia de que os drones entregarão as encomendas nas janelas dos consumidores.
“Essa tecnologia complementa e traz eficiência em uma perna da entrega”, diz Martins. “Mas, como toda inovação, ainda vai passar por uma série de etapas de evolução antes de ganhar escala e novas aplicações.”
O próximo passo da parceria é testar uma nova rota, que também partirá do Shopping Iguatemi, com destino a outro hub do iFood. A cerca de 2,5 km do empreendimento e próxima a um complexo de condomínios. Os testes ainda não foram iniciados em função da segunda onda da pandemia.
Com uma média de 20 voos diários, a parceria entre a startup e o iFood já realizou mais de 300 entregas desde o início dos testes
Além dessa próxima etapa, o iFood tem no radar mais de 200 cidades do País que poderiam receber testes similares. Martins conta que o aplicativo se aproximou da startup há cerca de um ano e meio, depois de mapear diversas empresas no País e no exterior.
“Eles estavam no mesmo nível ou até mais avançados do que a média do mercado”, afirma. “Não pensamos duas vezes em ter uma companhia brasileira nessa agenda junto conosco.”
A Speedbird Aero dará entrada, em abril, na segunda e última etapa do processo junto à Anac. Dessa vez, para obter a autorização definitiva do modelo e com a expectativa de conseguir a liberação entre julho e agosto.
“Concluído esse processo, na prática, o DLV1 vai ser reconhecido como uma aeronave”, diz Samuel Salomão, cofundador e chief product officer da Speedbird Aero. “E poderemos pleitear novas rotas para o modelo junto ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea).”
Outro avanço é a possibilidade de poder assinar contratos comerciais relacionados ao modelo. Até então, qualquer projeto envolvendo o DLV1 ou outro equipamento se dá no formato de uma parceria de pesquisa e desenvolvimento. “Já temos empresas conversando conosco e que estão à espera justamente dessa certificação”, diz Coelho.
Além das refeições
Com a chancela próxima da Anac, o próximo modelo a entrar em processo de certificação é o DLV2, que transporta até 5 kg de carga e tem capacidade para voar até 10 km.
Nesse equipamento, a empresa tem uma parceria com o Hermes Pardini, grupo de medicina diagnóstica, nos mesmos moldes do acordo com o iFood. Aqui, no entanto, a ideia é transportar vacinas, amostras biológicas e materiais coletados em exames.
Os dois primeiros testes já foram realizados em fevereiro deste ano e envolveram um percurso que conecta um campo próximo à unidade do grupo no bairro Belvedere, em Belo Horizonte, ao laboratório da rede instalado no hospital Orizonti, também na capital mineira.
Ainda sem materiais biológicos, os voos simularam fatores como peso e o uso de uma caixa com temperatura controlada. O percurso foi finalizado em 5 minutos, contra os 30 minutos feitos via carro. “Em alguns casos, é possível que o exame levado pelo drone fique pronto antes de o carro chegar com as amostras”, diz Cléber Miranda, gerente corporativo de logística do Hermes Pardini.
Há outros benefícios potenciais. No grupo, os drones são vistos como um modal complementar para lidar para agilizar os processos em laboratórios localizados em áreas remotas. Dentro dessa lógica, em paralelo à certificação, a startup e o grupo já começam a planejar possíveis novas rotas para testes, com prioridade para áreas de selva e de floresta.
“A ideia é poder levar mais saúde para pessoas que hoje estão praticamente isoladas”, afirma Miranda. “Ainda é um projeto inicial. Mas, no futuro, quando essa tecnologia se consolidar, estaremos alguns passos na frente da nossa indústria.”
A saúde também está ligada a outro modelo da Speebird, o DLV4, que tem capacidade de transportar até 6 kg e percorrer mais de 100 km. “Estamos discutindo com a Anac, o Decea, a Anvisa e outros órgão do governo federal a possibilidade de usá-lo no transporte de vacinas da Covid-19”, conta Coelho.
O plano é entrar com o processo de certificação do modelo no fim de 2021. Além do Hermes Pardini, o DLV4 despertou o interesse de uma grande empresa brasileira na área de cosméticos. Já o DLV2 tem uma negociação em andamento com uma companhia local, com atuação global, na área de bebidas.
Com esses projetos e a perspectiva de poder começar a operar comercialmente, a Speedbird começa a buscar agora um aporte série A. Um dos principais destinos será financiar a certificação do DLV5, novo modelo que tem capacidade para transportar até 50 kg, em uma distância de 500 km.
Até aqui, Speedbird captou R$ 2,5 milhões em uma rodada realizada em 2020, com a participação da gestora Domo Invest, da Anjos do Brasil e de investidores pessoa física. No novo aporte, o plano é levantar em torno de R$ 30 milhões.
Apesar de ainda estar em fase de maturação, o mercado global de drones tem perspectivas de movimentar cifras consideráveis nos próximos anos. Segundo a consultoria Insider Intelligence, o setor deve gerar US$ 63,6 bilhões em 2025, globalmente.
Uma parcela significativa dessa indústria, as empresas de drones para delivery já estão captando valores consideráveis. É o caso da americana Zipline, que atraiu US$ 233 milhões junto a fundos como Temasek e Katalyst, e que, em maio de 2019, tornou-se o primeiro unicórnio do setor.
Outro exemplo é a também americana Matternet, que tem investidores como Andreessen Horowitz e Boeing HorizonX Ventures, e já levantou US$ 31,1 milhões. A lista de startups inclui ainda nomes como a Wing, companhia da Alphabet, holding que controla o Google.
“Estamos em um patamar similar de operação de muitas dessas empresas”, diz Coelho. Ele ressalta que, na aviação, o Brasil é um dos poucos países capazes de desenhar, produzir, certificar e operar aeronaves. E que esse cenário pode ser replicado nos drones. “Temos capacidade de competir globalmente, de igual para igual.”