O brasileiro Marc Fogassa está se preparando para mudar da Califórnia para Belo Horizonte no segundo semestre de 2023. Este paulistano que está há mais de 30 anos nos Estados Unidos, onde estudou no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e que há mais dez anos investe em mineração, quer estar perto do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas Gerais.
A razão para essa mudança de endereço é simples. É nessa região que ele está investindo milhões de dólares para exploração de um minério essencial para a transição energética: o lítio. Fundador e presidente da Atlas Lithium (antiga Brazil Minerals), companhia listada na Nasdaq em fevereiro deste ano, Fogassa tem o direito de explorar 304 quilômetros quadrados no Vale do Jequitinhonha, na área rebatizada de Vale do Lítio, à procura do minério.
“Essa é uma chance de ouro para o Brasil”, diz Fogassa, em entrevista ao NeoFeed. Mas, sem exagero, o lítio é, de fato, o “ouro branco” do século 21, um componente vital para as baterias dos carros elétricos e do qual o Brasil detém aproximadamente 8% das reservas mundiais, segundo estimativas do Serviço Geológico do Brasil.
As áreas de exploração da Atlas Lithium estão localizadas entre os municípios de Araçuaí e Itinga. Atualmente, a companhia está perfurando três regiões. O que chama atenção desses sítios é que eles estão localizados ao lado da Sigma Lithium, empresa canadense comandada pela também brasileira Ana Cabral-Gardner, que começou sua produção no mês passado.
Também listada na Nasdaq, a Sigma Lithium já vale US$ 4,1 bilhões e tem, ao menos, dez anos vantagem sobre a companhia de Fogassa – que estima que começará a produzir a partir de 2025. A Atlas Lithium, por sua vez, está avaliada em US$ 220 milhões. “As reservas das duas empresas são vizinhas”, diz um investidor ao NeoFeed. “Será que a Atlas Lithium não poder ser a próxima Sigma Lithium?”
Por enquanto, o esforço de Fogassa é levantar recursos para viabilizar não só a exploração como também a produção. Em janeiro, dois investidores privados do setor de mineração (um da Europa e outro da Ásia, mas cujos nomes não foram revelados) investiram US$ 4 milhões em uma rodada privada na Atlas Lithium.
Um mês depois, a companhia fez um acordo para conseguir US$ 65 milhões com a japonesa Mitsui. O dinheiro será usado para construir a sua unidade fabril, que terá capacidade de produção de 150 mil toneladas de concentrado de lítio.
E, por fim, em maio, a Atlas Lithium vendeu royalties de 3% de sua receita bruta para a Lithium Royalty Corp. (LRC) em troca de US$ 20 milhões, que serão usados para acelerar o desenvolvimento do projeto de exploração de lítio em rochas duras. “Esses recursos mais o que temos em caixa são suficientes para que possamos fazer a exploração e a produção”, diz Fogassa.
O plano da Atlas Lithium é começar a construir a sua unidade fabril no ano que vem. E o modelo a ser seguido é o mesmo da Sigma Lithium, que fez pesquisas por mais de uma década na região e investiu R$ 1,2 bilhão para começar a produzir o seu concentrado de lítio.
A Sigma Lithium é pioneira na exploração do que ela chama de “lítio” verde – o que não deixa de ser um exagero, pois toda atividade de mineração traz impacto ao meio ambiente. Mas seu estilo de produção se tornou modelo para as empresas que pretendem se aventurar em Minas Gerais.
A companhia canadense fez uma planta na qual a eletricidade vem de fontes renováveis. Além disso, a empresa recicla 100% da água utilizada na purificação do lítio e não usa agentes químicos. “É um lítio ESG”, diz Fogassa, ao explicar que sua unidade será semelhante ao da rival. “O footprint de carbono é baixo e (a exploração) terá um dos menores impactos.”
Essa autoconfiança tem a ver com a forma como o lítio é explorado na Argentina, Chile e Bolívia, que são detentores de grandes reservas do "ouro branco". Nesses países, o mineral é retirado de lagos de água salgada, a partir do bombeamento da salmoura do subsolo para enormes bacias, onde evapora ao sol em até dois anos.
Apesar de as emissões de gás carbônico geradas por esse método serem relativamente baixas, o bombeamento pode diminuir os níveis das águas subterrâneas e os leitos de rios e de zonas úmidas podem secar. Em algumas regiões, há risco de falta água para agricultura.
No Brasil, a exploração de lítio acontece em rocha dura. A procura é pelo espodumênio, mineral que é a principal fonte de lítio. As perfurações iniciais da Atlas Lithium já encontraram esse mineral com alta concentração de lítio, o que fez as ações da companhia dispararem na Nasdaq.
Quando foi listada, o papel foi vendido a US$ 6. No começo de maio, quando a notícia sobre as perfurações foi divulgada, chegaram a quase US$ 40. Hoje, estão acima de US$ 20 – na terça-feira, 23 de maio, fecharam cotadas a US$ 22,50. Essa oscilação é típica de uma companhia pré-operacional, cujo risco ao investidor que aposta na companhia é enorme.
As credencias de Fogassa para mitigar esse risco é o fato de estar no negócio de mineração desde dezembro de 2012, quando criou a Brazil Minerals (que era cotada em bolsa OTC nos EUA) para explorar ouro e ferro. Hoje, esse negócio está na Apollo Resources e na Jupiter Gold, dos quais a Atlas Lithium detém fatias de 45% e 28%, respectivamente.
Apesar de o lítio ser o foco atual da companhia, Fogassa quer atuar também explorando outros minerais, como níquel, terras raras, titânio e grafite. A Atlas Lithium foi formada com dinheiro de investidores americanos e seu próprio capital. Atualmente, ele detém o controle da empresa.
Lítio: a nova corrida do ouro
O Vale do Jequitinhonha está se tornando uma das principais regiões para a exploração de lítio no Brasil. Tanto que em uma ação cujo objetivo é chamar atenção do investidor internacional para o local, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, batizou a área de Vale do Lítio.
A iniciativa, que tem o apoio do governo federal, fez Zema ir até Nova York, onde apresentou ao mundo, no começo de maio deste ano, seu projeto para posicionar a região como um polo produtor de lítio.
"Estamos indo por etapas. Estamos começando pela extração do minério, beneficiamento, agregar valor, purificar o minério e já iniciamos contatos preliminares para as empresas que possam estar fabricando as baterias", disse o governador de Minas Gerais, em evento na Nasdaq.
O plano de Minas Gerais para atrair empresas e investidores inclui a agilização das licenças ambientais e investimentos em infraestrutura. E, ao que tudo indica, isso já está acontecendo. Além da Atlas Lithium e da Sigma Lithium, outras empresas que estão desenvolvendo projetos no Vale do Lítio são Lithium Resources e Lithium Ionic.
A mineradora Vale também quer uma fatia desse mercado. No fim de 2022, a companhia anunciou um plano para encontrar um sócio para uma participação de 10% em sua divisão de metais de transição energética, usados na produção de baterias para carros elétricos. A ideia é compartilhar um aporte estimado em US$ 20 bilhões nessa operação.
“Estamos preparando o terreno para um forte crescimento dessa operação”, disse Eduardo Bartolomeo, CEO da Vale, em teleconferência com analistas de mercado, em abril deste ano. “E, sendo bem claro, se não encontramos o parceiro correto, que perceba o mesmo valor que percebemos, vamos estruturar essa organização de qualquer forma.”
Todas essas empresas estão de olho no aumento da oferta de lítio no mercado global, que deve crescer 34% em média até 2025. No ano passado, o mercado mundial de lítio movimentou US$ 7,5 bilhões, segundo a Grand View Research. Até 2030, deve crescer a uma taxa média anual de 12,3%.
Mas o interesse global no minério e os diversos projetos de exploração ao redor do mundo podem provocar uma superoferta de lítio, com impactos no preço.
De acordo com o Goldman Sachs, o preço médio da tonelada de carbonato de lítio pode recuar de US$ 53 mil para US$ 34 mil nos próximos 12 meses. Em 2021, ele era de US$ 13,9 mil. No ano passado, a cotação havia superado US$ 86 mil, por conta de demanda do carro elétrico. Em especial, na China.