Em suas últimas horas como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump distribuiu 144 perdões e comutações de pena para uma lista bastante variada de pessoas. Entre eles estão Steve Bannon, seu ex-assessor de campanha, e o rapper Lil Wayne, que cumpria uma pena de 10 anos por porte ilegal de armas.

Um dos nomes que chamou a atenção do mundo corporativo é o do engenheiro Anthony Levandowski, um dos fundadores do Waymo, projeto de desenvolvimento de carros autônomos da Alphabet, dona do Google. Ele foi sentenciado a 18 meses de cadeia após admitir o roubo de segredos industriais.

O perdão concedido pelo presidente recebeu o apoio de empreendedores famosos, como Peter Thiel, sócio e gestor do Founders Fund e um dos maiores aliados da administração de Trump no Vale do Silício, Michael Ovitz, o agente de Hollywood e conselheiro da Palantir, e o fundador da Oculus, Palmer Lucky, entre outros.

A decisão do agora ex-presidente foi vista inclusive como uma forma de vingança pessoal contra as chamadas Big Tech depois que ele foi banido das redes sociais. Após incitar apoiadores a invadir o Capitólio, Trump perdeu o acesso a suas contas no Twitter, Facebook e YouTube. Revoltado, disse que havia sido “censurado” e continuou reclamando até o último instante em que ocupou o cargo.

Lewandowski foi originalmente indiciado por 33 crimes de roubo e tentativas de roubo. No julgamento, o caso foi descrito pelo juiz William Alsup como "o maior crime de roubo de segredos industriais" que ele já havia visto.

O engenheiro deixou a Waymo em janeiro de 2016 para fundar sua própria startup de carros autônomos, a Otto. Antes de deixar o Google, no entanto, ele fez o download de milhares de documentos confidenciais. Alguns meses depois, a Otto foi comprada pela Uber em uma negociação avaliada em US$ 680 milhões e Levandovski passou a comandar todo o setor de pesquisa de veículos autônomos do aplicativo de transporte.

A Uber demitiu Levandoswki logo que o escândalo foi descoberto, mas as duas gigantes entraram em uma disputa legal. A Waymo acusou a Uber de negociar com o engenheiro apenas para usar os dados confidenciais e acelerar sua pesquisa. Em fevereiro de 2018, ambas chegaram a um acordo: a Uber concordou em pagar US$ 245 milhões para a Alphabet.

O escândalo afetou a imagem da Uber. O julgamento inclusive jogou luz sobre outras práticas de espionagem corporativa da empresa de compartilhamento de viagens de carro. Uma carta de 37 páginas vazada pelo ex-funcionário Ric Jacobs indicou que a Uber usava sistemas de troca de mensagens que apagavam a comunicação, destruindo qualquer rastro que pudesse despertar suspeita e incentivava seus colaboradores a espiar conversas de competidores.

A divisão de veículos autônomos inclusive foi vendida em dezembro de 2020 para a Aurora Innovation, startup especializada no segmento que conta com Sequoia Capital e Amazon entre seus investidores. O negócio, avaliado em US$ 4 bilhões, faz parte da estratégia adotada pelo CEO da Uber, Dara Khosrowshahi, durante a pandemia para se livrar das “distrações”, que incluem os patinetes elétricos e os táxis aéreos. O objetivo é se concentrar naquilo que garante lucratividade à empresa: entregas e transporte de passageiros.

As batalhas na justiça relacionadas ao caso de roubo de documentos, no entanto, ainda continuam. Levandowski processa a Uber e diz que a empresa lhe deve bilhões de dólares que foram perdidos na negociação da Otto. Em outro processo, ele diz que a companhia deveria ser responsável pelos US$ 179 milhões que ele foi obrigado a pagar à Alphabet.

A nota oficial do perdão diz que Levandowski pagou um "preço significativo por suas ações e planeja devotar seus talentos para o bem público”. Em seu Twitter, o engenheiro agradeceu a Trump e aos outros empreendedores que saíram em sua defesa.

Anthony Levandowski não chegou a cumprir um único dia da pena. No momento em que foi condenado, o juiz William Alsup concordou em adiar a sentença indefinidamente até que a situação da pandemia fosse controlada.

Os presidentes dos Estados Unidos têm direito de emitir perdões e comutações de pena. É comum que muitos deles sejam feitos quando eles deixam a Casa Branca. Em 19 de janeiro de 2017, o então presidente Barack Obama perdoou ou reduziu a pena de recordes 330 pessoas.