Em um sinal de que os grandes bancos devem começar a olhar com mais atenção para o crédito consignado privado, o Kinea Ventures, fundo de corporate venture capital do Itaú, está liderando um aporte série A de R$ 27 milhões na Paketá, uma startup de crédito consignado privado.

A Shift Capital, que liderou a rodada seed de R$ 9 milhões em dezembro do ano passado, seguiu o aporte, que conta também com outros investidores-anjos, cujo nome não foram divulgados.

Esse é o segundo aporte do fundo do Itaú, que já investiu, em fevereiro deste ano, na Monkey Exchange, um marketplace para fornecedores de grandes empresas antecipar seus recebíveis.

“Não foi apenas pelo dinheiro. Temos uma visão estratégica e um alinhamento cultural muito grande com a Kinea Ventures,”, diz Fabian Valverde, fundador e CEO da Paketá, ao NeoFeed.

Os recursos da Kinea Ventures serão usados para ampliar os produtos de crédito e investir em tecnologia. Mas Valverde não informa quais serão esses novos produtos e nem confirma se poderá entrar no segmento de crédito com garantia, com casas e carros, como já atuam outras fintechs. “Estamos trabalhando em produtos que mantenham o viés B2B”, afirma o CEO da Paketá.

Com foco no crédito consignado para funcionários CLTs de empresas privadas, a Paketá conta R$ 800 milhões para ser emprestado, recursos captados através de diversos formas de funding. Entre elas, FIDCs (Fundo de investimento em direitos creditórios). O número de empresas conveniadas saltou de 995, no fim do ano passado, para mais de 1,3 mil.

Philippe Schlumpf, do Kinea Ventures

“Temos como foco principal o universo das fintechs e, quando olhamos as startups de crédito consignado, a Paketá chamou a nossa atenção pelo crescimento acelerado”, afirma Philippe Schlumpf, head do Kinea Ventures, ao NeoFeed.

Uma área que ganhou tração em 2021 foi a de licenciamento da plataforma de crédito da Paketá para outros bancos, no modelo white label. “Eles utilizam nossa plataforma para liberar crédito consignado a seus clientes”, diz Valverde. “Cuidamos da precificação, da análise do crédito e da gestão da cobrança.”

Nesse caso, a Paketá ganha um fee na liberação do crédito, cujo funding é do próprio banco que contrata a plataforma. A fintech recebe também um percentual pelo desempenho da carteira de crédito. Quanto menor a taxa de inadimplência, maior a remuneração. As taxas médias cobradas pela fintech são, em média, inferiores a 2% ao mês (a taxa média para empréstimo consignado privado foi de 3,9% ao mês em julho, segundo o Banco Central).

Valverde acredita que, ao longo do tempo, o modelo de licenciamento de sua plataforma será maior do que a atuação direta da companhia com empresas privadas. “O esforço de distribuição do crédito é simplificado e eu passo a atuar em um mercado endereçável muito maior”, afirma o CEO da Paketá. “Não concorremos com os bancos, queremos tê-los como parceiros.”

Com o aporte do fundo de corporate venture capital do Itaú, Valverde diz que vê muitas sinergias com o banco, mas não só na área de crédito consignado. “Estamos listando aqui. É uma questão de sentar e conversar”, diz o CEO da Paketá. Schlumpf concorda: "Vemos muito potencial em uma agenda associativa entre a Paketá e o Itaú.” Apesar disso, o aporte não significa exclusividade do Itaú com a Paketá

O Itaú passa a buscar startups que tenham afinidade com o negócio do banco, como fintechs e insurtechs com o fundo de corporate venture capital, anunciado no começo deste ano. “Mas também podemos olhar legaltechs e healthtechs”, afirma Schlumpf.

A ideia do fundo de corporate venture capital gerido pela Kinea, que tem quase R$ 60 bilhões em ativos sob gestão, é investir em startups nas séries A e B, com cheques que vão de R$ 10 milhões a R$ 50 milhões. Esse primeiro fundo conta com R$ 150 milhões e Schlumpf acredita que poderá investir de quatro até sete startups.

Um mercado bilionário

O investimento do Itaú na Paketá faz com que a instituição financeira aumente sua participação, mesmo que indiretamente, em um mercado bilionário. Em julho, o saldo total de crédito consignado era de R$ 484 bilhões, segundo dados do Banco Central. Mas só 6% desse volume (R$ 29 bilhões) são destinados para funcionários de empresas privadas.

Os funcionários públicos (57%) e os pensionistas do INSS (37%) dominam os empréstimos consignados. E o motivo é simples. Por terem estabilidade, é mais fácil emprestar dinheiro para esse público do que para funcionários do setor privado, que podem ser demitidos ao longo do período do empréstimo.

“O mercado de crédito consignado privado precisa de escala. Mas, por conta do setor privado ter uma rotatividade maior, os bancos limitam o prazo ou trabalham com taxas maiores”, diz Rafael Durer, fundador da RD, consultoria especializada em varejo financeiro.

De acordo com Durer, nos últimos dois anos, as empresas começaram a apostar em tecnologia para analisar o perfil de cada funcionário privado e saber qual é a chance de perder o cargo que ocupa. “O componente tecnologia, como avaliar risco, comportamento e perfil, é mais importante do que o funding, que, de certa forma, se tornou uma commodity”, diz o consultor. “O diferencial é saber trabalhar com os dados.”

O saldo total de crédito consignado era de R$ 484 bilhões. Mas só 6% desse volume (R$ 29 bilhões) são destinados para funcionários de empresas privadas

Com isso, o empréstimo consignado privado começou a crescer para além das grandes empresas, área em que as instituições financeiras, como Banco Pan e BV e outro bancos, atuam. “Existe uma cauda longa endereçável que dá para crescer em um curto espaço de tempo”, afirma Schlumpf, do Kinea Ventures, referindo-se às pequenas empresas

A Paketá, por exemplo, conta com uma carteira de empresas que vão de três até 60 mil funcionários. O seu tíquete médio nos empréstimos é de R$ 3 mil e o prazo médio, 29 meses – ele pode variar de seis a 60 meses. A fintech se define também como uma empresa de tecnologia que automatiza processos e que usa os dados para fornecer taxas menores aos empregados das empresas privadas.

Mas, assim como a Paketá, essa é uma área na qual as fintechs estão avançando. Não faltam exemplos de startups, financiadas por fundos de venture capital, que passaram a atuar no consignado privado, tentando ocupar uma brecha deixada por instituições financeiras tradicionais, que focam em funcionários públicos e pensionistas do INSS.

É o caso da Creditas, que estreou no segmento em 2019, com a aquisição da Creditoo. Outro exemplo é o Neon, que recebeu R$ 1,6 bilhão em uma rodada liderada pela General Atlantic e comprou a Consiga+ em novembro do ano passado, entrando no mercado de crédito consignado.

A concorrência inclui ainda a MeuTudo, dona de um marketplace de crédito consignado, que recebeu um investimento do Goldman Sachs Asset Management, em uma operação em envolveu equity e o compromisso de fornecer mais de R$ 2 bilhões para sete novo FIDCs. Outra novata é a Facio, que captou US$ 5 milhões, em novembro de 2020, junto a fundos como o Monashees e ONEVC.