Por estratégia ou distração, a entrevista do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, marcada para esta sexta-feira, 09 de dezembro, tem hora para começar e hora para acabar.

O anúncio de ministros do novo governo deve ser feito às 10h45. Às 12 horas, de Brasília, a seleção entra em campo no Catar contra a Croácia. Os dois eventos têm torcida e prometem emoção.

A iniciativa de Lula, de iniciar a nomeação do gabinete antes de sua diplomação pelo Superior Tribunal Eleitoral (STE) na segunda-feira, 12 de dezembro, pode tranquilizar o mercado financeiro (ou não) – como diria Caetano.

Certo, é que a reação dos investidores à fala de Lula e aos primeiros indicados para compor seu governo será contida pela baixa liquidez – típica em dias de jogos do Brasil na Copa do Mundo.

Lula deve anunciar o comando de quatro ministérios: Fazenda, Defesa, Justiça e Casa Civil. Os nomes mais cotados são, respectivamente, Fernando Haddad, José Múcio Monteiro, Flávio Dino e Rui Costa.

Com as nomeações, que terão sequência na semana que vem, Lula coloca o governo em marcha e, a despeito da reação do mercado financeiro, a apresentação de ministros contribui para maior previsibilidade de um cenário novo.

Com ministros de Lula em campo, a atenção do mercado tende a se voltar mais objetivamente, nos próximos dias, para o Congresso e para o Supremo Tribunal Federal (STF) que têm em pauta decisões cruciais para o governo.

A despeito da reação do mercado financeiro, a apresentação de ministros contribui para maior previsibilidade de um cenário novo

O STF deve julgar a legalidade do “orçamento secreto” que dá ao comando da Câmara e do Senado um poder extraordinário de distribuição nada transparente de verbas a parlamentares. Se esse expediente for considerado inconstitucional, o governo sai fortalecido.

A Câmara dos Deputados deve votar, possivelmente na quarta-feira, 14 de dezembro, a PEC da Transição que já passou pelo crivo do Senado. Mas o texto poderá ser modificado.

E, até por esse risco, Lula coloca ministros em campo para eventuais negociações com deputados e lideranças parlamentares. A PEC saiu do Senado melhor que a encomenda na ótica fiscal tão valorizada pelos agentes econômicos.

O teto de gastos não foi derrubado, mas expandido para abrigar despesas de R$ 145 bilhões por dois anos para o pagamento do Bolsa Família de R$ 600 e outras promessas de campanha. Outros R$ 23 bilhões, associados à excesso de arrecadação, estão garantidos extrateto e para investimentos.

A ideia encaminhada pelo relator envolvia gastos de R$ 175 bilhões por quatro anos. O governo de transição pretendia, inicialmente, tirar R$ 200 bilhões do teto de gastos por tempo indeterminado.

Importante: a versão da PEC aprovada pelo Senado obriga o governo a apresentar projeto de um novo arcabouço fiscal para o país até agosto de 2023 e não até dezembro de 2023, como foi proposto.

Com a proposta em andamento na Câmara, ficará sob os holofotes o futuro titular da Fazenda, que tem Fernando Haddad como o nome mais provável.

Haddad não é unanimidade entre investidores e gestores. E, até por esse motivo, eles estarão de prontidão para repercutir a possível dobradinha da Fazenda com o Ministério do Planejamento, que deve ser recriado, a se confirmar para a chefia da Pasta Pérsio Arida ou André Lara Resende – economistas renomados e próximos ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin.

Se o esperado desmembramento do Ministério da Economia em Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio tornará a gestão da economia mais eficiente, difícil responder.

É certo, porém, que o relançamento do Planejamento redistribui tarefas na área econômica e reforça a expectativa de que o governo Lula estará mais atento às questões orçamentárias e à elaboração de políticas públicas de longo prazo.

Para Silvia Matos, pesquisadora e coordenadora do Boletim Macro FGV Ibre, a eficiência da área economia depende menos do formato dos ministérios, mas de quem ocupará os cargos.

Em conversa com a Coluna sobre a economia que Lula receberá em 1º de janeiro, ela afirma que “sem dúvida, diante de tantos desafios, o Ministério da Fazenda tem que ter mais protagonismo. E dispor de uma equipe técnica muito qualificada também com representação de excelência em suas secretarias.”

Matos avalia que há avanços na economia brasileira, mas muitos desafios a serem superados. “Temos problemas estruturais de longa data, como baixa produtividade, capital humano escasso, investimento em infraestrutura aquém do necessário, o que leva a um baixo crescimento potencial, ou seja, aquele que não gera inflação”, pondera.

A pesquisadora entende que não há espaço para aceleração do crescimento, sem enfrentar esses desafios estruturais. E 2023 será um ano mais desafiador, pois do ponto de vista cíclico, a economia precisa desacelerar.

“Em 2022, o Brasil contou com ventos muito favoráveis que levaram a economia a um resultado significativamente melhor que o esperado. Mas esse cenário não pode ser extrapolado para o próximo ano”, observa.

“Em 2022, o Brasil contou com ventos muito favoráveis que levaram a economia a um resultado significativamente melhor que o esperado", diz Silvia Matos

Favoreceram 2022, preços de commodities em alta alavancando exportações, investimentos, geração de emprego, renda e receitas tributárias; liberação de FGTS, antecipação de 13º de aposentados e pensionistas e aumento do Auxílio Brasil que elevaram a renda disponível; e a reabertura completa do setor de Serviços mais duramente afetado pela pandemia.

“A atividade avançou, mas pressionando a inflação, o que levou a um forte aperto monetário. Na ausência de fatores temporários que impulsionaram 2022, teremos, em 2023, os efeitos defasados da política monetária e menor crescimento do PIB mundial. Condições que corroboram o cenário de continuidade da desaceleração da economia nos próximos meses.”

Silvia Matos avalia que controlar a inflação poderia ser menos custoso, se o processo contasse com o alinhamento da política fiscal. Ela entende que o desafio imposto é compatibilizar políticas sociais com sustentabilidade fiscal.

“Sabemos que as decisões sobre despesas públicas são decisões políticas. Porém, é importante enfatizar que, se quisermos gastar mais com o social, temos que reduzir outros gastos não-sociais e/ou encontrar novas fontes de receitas tributárias”, alerta a economista para quem não se combate a pobreza com irresponsabilidade fiscal.

A política fiscal voltou a ser destacada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) em comunicado publicado, na quarta-feira, 7 de dezembro, ao final da reunião que – sem surpresa – manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano.

O Copom subiu o tom e apontou a “elevada incerteza” sobre o futuro do arcabouço fiscal. E complementou dizendo que “a conjuntura, particularmente incerta no âmbito fiscal, requer serenidade na avaliação dos riscos”.

A decisão encerrou o calendário do Copom em 2022, quando a Selic permaneceu em dois dígitos, após 36 meses fixada em um dígito – período em que marcou recorde histórico de baixa de 2% ao ano.

O “resgate” da Selic de níveis reais negativos devido à inflação acelerada produziu uma alta de 4,5 pontos percentuais na taxa apenas neste ano.

E, mostram projeções da pesquisa Focus, a Selic não sai do lugar até agosto de 2023, quando deverá sofrer o primeiro corte. Portanto, o Brasil tem tudo para seguir imbatível como o maior pagador de juro real no planeta com taxa superior a 8% ao ano.

E a vantagem do Brasil será sequer arranhada por mais uma alta de juro pelo Federal Reserve (Fed) e pelo Banco Central Europeu (BCE) esperada para a semana que vem – respectivamente para os dias 14 e 15 de dezembro.

Os efeitos do aperto monetário serão mais evidentes nos primeiros meses de 2023 nas maiores economias do mundo e também por aqui. E poderão ser motivo de discussão entre a futura equipe econômica e o Banco Central (BC), legalmente autônomo desde fevereiro do ano passado.

Ainda que a política do BC siga intocada – e o mais provável é que isso aconteça – a eficácia da taxa de juro no combate à inflação e na gestão de expectativas poderá ser questionada, inclusive, a depender da configuração que o governo Lula dará aos bancos oficiais.

A possibilidade de criação de taxas subsidiadas para operações contratadas pelo BNDES, ainda que para empresas de setores estratégicos, pode colocar em xeque futuramente a política monetária do BC.

Embora o banco de fomento não tenha, atualmente, participação tão expressiva nas operações de crédito quanto no passado recente, a prática de juros subsidiados pela instituição e outros bancos oficiais comprometeu a eficácia da política de juros do BC.

Resultado: a taxa básica manteve-se em níveis mais elevados para combater a inflação. Sem dúvida o momento é outro, mas experiência serve de alerta.