Poucas empresas souberam aproveitar o Minha Casa Minha Vida (MCMV) como a MRV, a incorporadora da família Menin. Tanto que 85% da receita da companhia ainda vem desse programa do governo federal – agora rebatizado de Casa Verde e Amarela.
Mas, aos poucos, a MRV vem criando um ecossistema para reduzir essa dependência. São exemplos dessa estratégia, a Luggo, que aluga imóveis; a Urbe, da área de loteamentos; e a AHS, incorporada comprada nos Estados Unidos que constrói e aluga imóveis para a classe média.
Agora, a MRV se prepara para criar uma nova marca ainda neste ano para atender a faixa de clientes com renda familiar entre R$ 4 mil e R$ 10 mil, revelou Rafael Menin, copresidente da MRV, com exclusividade ao NeoFeed. “Como é um produto diferente, entendemos que tinha de ter uma marca para esse público”, afirmou Menin. “Nossa estratégia no médio e no longo prazo é ser uma plataforma de habitação.”
A MRV já atua com imóveis para essa faixa de renda, mas essa é uma área que vai ganhar mais atenção da incorporadora a partir de agora. Com isso a empresa acirra a competição com outras grandes do setor como a Cyrela, a Eztec, a Even, a Gafisa e a RNI.
No segundo trimestre de 2020, dados mais atuais disponíveis, a MRV já mostrava que estava aumentado seus lançamentos e vendas fora das opções de financiamento do FGTS e do programa MCMV. No período, 23,8% dos lançamentos e 12,6% das vendas já aconteciam fora dessas duas modalidades.
Com a novidade, a MRV busca alternativas de crescimento de receita fora de sua zona de conforto. Mas a nova marca é mais uma peça na estratégia da MRV. A incorporadora está também desenvolvendo um projeto-piloto em Goiânia, iniciado em agosto, que poderá posicionar a companhia como uma espécie de "Natura" da habitação.
Quem se cadastrar pela plataforma digital no programa Agente de Sonhos e indicar um cliente que venha a fechar negócio com a MRV pode receber até R$ 1.067,57. O papel desses divulgadores se limita à indicação do interessado.
A partir daí, entra a figura do corretor com registro no Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci), conforme prevê a regulamentação do setor imobiliário, a quem cabe assessorar o negócio.
Menin espera com esse reforço formar uma espécie de exército de vendedores. “Imagina o tamanho da rede de relacionamento de uma vendedora da Natura, por exemplo. Por que não aproveitar esses contatos para estimular suas oportunidades de renda com a indicação de clientes?”, pergunta.
O potencial parece promissor. Dados da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing do Brasil (ADVB), mostram que o Brasil conta com 4 milhões de empreendedores, que vendem pelo WhatsApp ou ainda no tradicional esquema do porta-a-porta. Esse contingente foi responsável pela venda de 2,5 bilhões de itens, entre produtos e serviços, em 2019. O volume de negócios gerados no ano passado foi de R$ 45 bilhões.
O Agente de Sonhos foi mais uma função desenvolvida para a plataforma tecnológica da MRV. Nos últimos cinco anos, a companhia investiu R$ 350 milhões na transformação digital. Outros R$ 100 milhões foram destinados para projetos em 2020.
Alguns deles tiveram de ser acelerados ou adaptados por causa da pandemia, que aumentou o uso de recursos online. Hoje, de acordo com Menin, há cerca de 400 funcionários dedicados a novos projetos do que ele chama de ecossistema de habitação, que busca novas soluções para os clientes. Ao todo, há certa de 100 produtos digitais em desenvolvimento. “Venda de imóveis usados? Por que não?”, responde o presidente sobre os próximos passos.
Como uma empresa de habitação multisserviços, a MRV pretende tentar encontrar outros serviços que possam não apenas levar comodidade para o cliente, mas ser uma fonte adicional e receita. Foi sobre essa proposta que surgiu também a ideia de oferecer um marketplace para quem tem um imóvel da MRV por meio de parceria com fabricantes e varejistas. No ambiente digital é possível comprar desde o armário da cozinha aos eletrodomésticos.
Inquieto, Menin pensa agora em uma forma de baratear a conta de luz dos moradores de seus empreendimentos com a compra de energia no mercado livre. O projeto ainda está em fase inicial. “Vamos ligando ao core da companhia várias soluções digitais”, diz Menin.
Todos esses movimentos têm como objetivo final o aumento da base de clientes da empresa, que tem ações listadas em bolsa desde 2007 e vale R$ 8,7 bilhões. Dessa forma, segundo Menin, será possível melhorar a rentabilidade da companhia.
“Temos a rentabilidade como meta para o ano que vem. Os indicadores financeiros continuam saudáveis. Mas, conforme crescermos, será possível aumentar a diluição das despesas fixas e obter um incremento na margem”, afirma Menin.
Um dos principais incentivadores da digitalização da companhia, Rafael é um dos três filhos de Rubens Menin, um dos fundadores da MRV, em 1979. O empresário mineiro detém ainda o controle da CNN Brasil, do Banco Inter e da Log Commercial Properties, voltada à incorporação, construção e locação de propriedades comerciais, como condomínios logísticos.
Crédito e pandemia
Mas o que tem ajudado a engordar o caixa da MRV e de outras empresas do setor mesmo com a retração econômica enfrentada desde o início da pandemia, especialmente no terceiro trimestre?
Em particular, dois fatores têm maior peso no desempenho das empresas. Um é o patamar baixo da Selic, a taxa básica de juros, hoje de 2% ao ano. O setor imobiliário, que é de ciclo longo, costuma ser muito sensível ao comportamento dos juros. Por isso, mesmo com o impacto inicial, a partir do agravamento da crise sanitária, as companhias conseguiram manter a curva de crescimento – esperada também pelos analistas das instituições financeiras.
Em relatório, o Bank of America apontou, a partir da análise feita sobre as prévias do terceiro trimestre divulgadas pelas empresas do setor, que o mercado imobiliário local tem condições de seguir recuperação pelos próximos anos. De acordo com a instituição, esses números confirmam mais trimestre de vendas recordes.
Outro empurrão veio do volume de crédito para a compra de imóvel. Em agosto (dado mais recente), os financiamentos imobiliários chegaram a R$ 11,7 bilhões, o que representou um aumento de 74,4% em relação ao mesmo mês de 2019, segundo os dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).
Essa retomada começou a ser vista a partir de abril, um mês depois do início da pandemia. Na soma entre janeiro e agosto, os empréstimos concedidos somaram R$ 65,8 bilhões.
Os números da MRV refletem esse bom momento do setor. Suas vendas líquidas no terceiro trimestre chegaram a R$ 1,968 bilhão, o que representa uma alta de 41%. Os lançamentos no período aumentaram 15%, na comparação anual, para R$ 1,875 bilhão. Na comparação com o segundo trimestre, a alta foi de 98,9%.
Além do crédito e dos juros, Menin acredita que a pandemia mudou o comportamento das pessoas, que passaram a dar mais importância para a casa, porque é onde estão passando mais tempo.
“Muitos que já tinham intenção de comprar um imóvel decidiram acelerar esse plano”, afirma o copresidente da MRV. “Não acredito que seja algo passageiro, é um desejo que veio para ficar. As pessoas vão gastar cada vez mais com habitação, seja com a compra ou com a reforma.”
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