Na primeira semana de 2020, a Loft recebeu um aporte de US$ 175 milhões, liderado pelos fundos Andreessen Horowitz e Vulcan Capital. Já no apagar das luzes do ano, em meados de dezembro, foi a vez da Creditas anunciar um investimento de US$ 255 milhões, capitaneado pelo fundo LGT Lighstone.

As rodadas foram o passaporte para que as duas empresas passassem a integrar a lista de unicórnios brasileiros. Mais do que os cheques milionários e a entrada nesse clube ainda seleto, a dupla simbolizou o início e o fim de um ano marcante para todo o ecossistema de startups do País.

É o que mostra o estudo Inside Venture Capital Brasil, realizado pelo hub de inovação Distrito e antecipado com exclusividade ao NeoFeed. Segundo o levantamento, as startups brasileiras captaram mais de US$ 3,5 bilhões (R$ 18,1 bilhões) em 2020.

O montante foi 17% superior ao volume apurado em 2019, de US$ 2,97 bilhões (R$ 11,9 bilhões). E representou a maior cifra desde 2011, quando o Distrito começou a produzir o levantamento. Outro recorde foi o número de 469 rodadas, ante os 408 aportes de 2018, até então, o melhor ano da série.

Esses números ganham ainda mais dimensão pelo fato de terem sido gerados em um cenário desafiador. No fim de fevereiro, quando a Covid-19 desembarcou no País, o otimismo do início de 2020 foi substituído pela perspectiva de um ano com investimentos mais escassos e seletivos.

“Eu diria que 2020 foi o ano da resiliência e da consolidação do mercado de venture capital no Brasil”, diz Gustavo Gierun, cofundador do Distrito, ao NeoFeed. “Muitos esperavam pelo pior. Mas a resposta de todo o ecossistema foi surpreendente.”

Ele ressalta que, passado os primeiros impactos e o foco inicial na preservação das operações, essa recuperação teve a aceleração da digitalização da economia como um dos seus principais motores. E o papel desempenhado por muitas startups nesse contexto só deu mais fôlego a esse processo.

“Os investidores foram se sentindo confortáveis e voltaram com tudo”, afirma Gierun, apontando outro aspecto que favoreceu a reação. “Os fundos estão capitalizados e a própria condição macroeconômica do País tem levado investidores tradicionais a buscar ativos com mais risco e potencial de retorno.”

Entre os fundos mais atuantes em 2020, a liderança ficou com a Bossa Nova, com 27 rodadas, seguida pelo Canary e a Domo Invest, com 23 e 20 aportes, respectivamente. No ano, a Domo, por exemplo, investiu em startups como a Rede Vistorias (R$ 5,5 milhões) e a fintech Meu Tudo (R$ 12 milhões).

Sergio Furio, fundador e CEO da Creditas, fintech que captou US$ 255 milhões em dezembro

Os investimentos nos estágios anjo, pré-seed e seed são justamente um dos componentes destacados no estudo. Em 2020, foram fechados 337 aportes nesses perfis. Esses acordos somaram US$ 172 milhões, com destaque para as 200 rodadas de seed.

“Existem mais fundos cobrindo essa lacuna de growth, o que, até 2019, era pouco usual no Brasil”, afirma. “Há uma nova safra de startups surgindo e conseguindo fácil acesso a recursos.” Já as rodadas Series C lideraram o volume de recursos, com mais de US$ 800 milhões captados no período.

Nessa esfera, um dos representantes foi a VTEX. Em setembro, a companhia recebeu um aporte de US$ 225 milhões, que avaliou a operação em US$ 1,7 bilhão e fechou a trinca de novos unicórnios brasileiros no ano.

Fintechs na ponta

Setembro foi justamente um dos meses mais fortes em termos de volume de investimentos. Ao lado da VTEX, quem contribuiu para engordar essa conta foi o Neon, que captou US$ 300 milhões em uma rodada liderada pela General Atlantic.

O Neon também ajudou a reforçar o saldo de um segmento que, mais uma vez, foi o maior alvo dos investimentos entre as startups do País: as fintechs, que levantaram um total de US$ 1,7 bilhão em 2020, em 90 acordos.

“Muitos dizem que esse espaço já está saturado. Mas o PIX, o open banking e o cadastro positivo trazem muitas oportunidades na mesa”, diz Gierun. “Esse mercado terá um recomeço, com condições semelhantes para todos. Das fintechs aos grandes bancos. E há capital para financiar essa competição.”

As fintechs levantaram um total de US$ 1,7 bilhão em 2020, em 90 acordos

Em um estágio bem menos maduro, mas com grande potencial, ele faz uma menção especial às healthtechs, que atraíram US$ 104 milhões, em 49 acordos, o segundo maior número de aportes. Entre eles, os R$ 84 milhões captados pela Sami em outubro, junto a fundos como Valor Capital e Monashees.

“Boa parte das transações ainda é de early stage, mas a perspectiva é de muitos acordos de maior porte nos próximos anos”, afirma. “É um setor cuja regulação evoluiu muito por conta da pandemia, com mais abertura para inovação.”

Já em termos da soma dos cheques, a segunda posição no ranking ficou com o segmento de varejo, com 40 investimentos, que totalizaram US$ 360 milhões. O setor também se destacou em outra vertente: as fusões e aquisições, com 19 transações envolvendo retailtechs no período.

Ao mesmo tempo, nesse espaço, as redes varejistas também se sobressaíram. O Magazine Luiza ficou no topo do ranking entre as grandes empresas que compraram startups em 2020, com 11 acordos no ano. O maior deles, em dezembro, com a aquisição da Hub Fintech, por R$ 290 milhões.

Outras redes também apostaram nessa vertente. A Via Varejo, por exemplo, arrebatou a Asap Log, de logística; a i9XP, de software para comércio eletrônico; e a conta digital BanQi. Nas fusões e aquisições, as fintechs também ficaram na dianteira, ao lado da tecnologia da informação (TI), com 22 transações cada.

Entre os compradores, a tecnologia ficou com a segunda colocação, por meio da Locaweb, que adquiriu cinco startups depois de levantar R$ 1,3 bilhão em seu IPO, em fevereiro. Seu pacote incluiu o quinteto formado por Social Miner, Etus, Vindi, Ideris e Melhor Envio.

“Esse movimento das grandes empresas na direção das startups é mais um sinal de amadurecimento do mercado”, afirma Gierun. “Elas finalmente entenderam que essa é uma alternativa e vão começar, de fato, a jogar esse jogo e disputar as rodadas com os fundos de venture capital.”

No ano, ao todo, foram 163 fusões e aquisições envolvendo startups, o que representou um crescimento de 154% sobre o volume de 2019. Do total de negócios, 117 ocorreram no segundo semestre.

Em mais uma tendência que mostra outra evolução do mercado, parte desses números foi consolidada pelas próprias startups. Entre outros exemplos, a Loft comprou novatas como a Uotel, de locação de imóveis, e a fintech InvestMais.

No ano, foram 163 fusões e aquisições envolvendo startups, o que representou um crescimento de 154% sobre o volume de 2019

Após captar R$ 310 milhões em novembro, em rodada liderada pelo Softbank, a olist comprou a Clickspace, de social commerce, e a PAX, de logística. Já a Intelipost anunciou um aporte de R$ 130 milhões em dezembro, do Riverwood Capital, e a fusão com a AgileProcess, também de logística.

“As próprias startups estão capitalizadas e com apetite por rivais ou soluções complementares”, observa Gierun. “O mercado mostrou um potencial de longo prazo absurdo em 2020. E temos, tranquilamente, 4 ou 5 anos de crescimento intenso de todo esse ecossistema pela frente.”

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