O anúncio que o Banco Central fez na última quinta-feira, 26 de janeiro, admitindo ter revisado a série histórica do fluxo cambial de 2022, ou seja, a quantidade de dólares que entrou e saiu do país no ano passado, chamou a atenção por dois motivos.

Um deles foi a justificativa alegada para a revisão -- um erro banal de programação no código que registra, no sistema do banco, os valores em dólares de importações.

O outro foi a diferença contábil gerada pelo erro, nada menos que US$ 14,5 bilhões no total.

A boa notícia é que a falha contábil, que teve início em outubro de 2021 (quando o código de importações em dólares foi introduzido de forma errada no sistema) e só foi detectada em dezembro de 2022, não causou prejuízos ou lucros ao BC nem às empresas e corretoras envolvidas com importações no período. E tampouco afetou outras operações, como a cotação do dólar.

Mas seguramente causou mal-estar ao BC, reconhecido pelo rigor técnico e preparo de seus profissionais.

"Por falha na rotina de compilação, nem todos os códigos de natureza cambial que entraram em vigor em outubro de 2021 foram incluídos no processo de apuração das estatísticas de câmbio contratado. Assim, algumas naturezas cambiais foram indevidamente desconsideradas", informou o BC em nota na quinta-feira, 26 de janeiro.

A discrepância entre os valores de entrada e saída de dólares divulgados anteriormente e corrigidos expõe o alcance do erro contábil.

Em 2022, o volume contratado em importações foi de US$ 250,9 bilhões, muito acima dos US$ 238,1 bilhões anunciados - uma diferença de US$ 12,8 bilhões.

Somando-se ao US$ 1,7 bilhão, valor corrigido nos registros entre outubro e dezembro de 2021, chega-se à diferença contábil de US$ 14,5 bilhões causada pela falha.

Após a revisão, o BC informou que, em 2022, o Brasil registrou uma saída de US$ 3,233 bilhões em vez de uma entrada líquida de US$ 9,574 bilhões, informados anteriormente.

Com isso, o fluxo cambial apresentou um erro contábil de mais de US$ 1 bilhão por mês.

Contratos de câmbio

De acordo com o economista Rodolfo Olivo, professor da FIA Business School, todas as empresas que importam ou exportam produtos em dólares precisam registrar os contratos de câmbio no BC.

Essas empresas geralmente fecham a taxa de câmbio com uma corretora, banco ou agente autorizado, que registra a operação no sistema do Banco Central.

“Os agentes lançavam os valores corretos no código correspondente no sistema do BC que, por algum bug ou erro de programação, não reconhecia alguns contratos de importação”, diz.

Por isso, a falha era apenas contábil do sistema do BC, sem interferir nos pagamentos negociados pelas empresas.

O acadêmico, porém, elogiou a transparência do BC em admitir o erro.

“O fluxo comercial do Brasil em 2022, a soma de importações e exportações, totalizou US$ 605,6 bilhões, sendo que a falha contábil no ano representou apenas 2% desse total, o que explica por que não chamou a atenção do mercado antes”, diz Olivo.

Após o episódio, o BC anunciou alterações na divulgação do fluxo cambial.

A partir de agora, o resultado referente ao último dia de cada mês passará a ser informado na terceira semana do mês posterior.

Os dados parciais do mercado de câmbio continuarão sendo divulgados todas as quartas-feiras, mas os números serão defasados.

Isso porque uma nova lei cambial permitiu que operações abaixo de US$ 50 mil sejam comunicadas apenas no dia 5 do mês seguinte. Essas operações representam cerca de 3% do valor total movimentado.