A inflação de fevereiro sai na sexta-feira, 10 de março, e deve desacelerar. Pelo quarto mês consecutivo, o índice estará abaixo de 6%, mas ainda acima de 5%. Essa resistência sugere que nada mudou na prateleira de indicadores que orientam a política monetária.

A Selic deve permanecer em 13,75% por longo período como reza o Comitê de Política Monetária (Copom) e o cenário conspira para novos embates entre o governo e o Banco Central (BC).

Como reafirmou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante o relançamento de um robusto Bolsa Família, na quinta-feira, 2 de março, o desafio imposto ao governo é fazer a economia crescer. Os bancos públicos, insistiu, vão voltar a financiar investimentos e, portanto, o crescimento.

Lula não falou da taxa de juro. O assunto parece esgotado. Está dado que o presidente pretende conter a todo custo o desaquecimento da atividade escancarado pelo Produto Interno Bruto (PIB) do 4º trimestre.

Embora a economia tenha crescido 2,9% em 2022, o ano terminou com o PIB em queda de 0,2%, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na quinta-feira, 2 de março.

Está claro que após o ápice das entregas de política social, representado pelo Bolsa Família, o governo voltará suas baterias para a economia. E o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não tem dúvida sobre o que deve ser atacado. Em entrevista ao UOL, na quarta-feira, 1º de março, ele não hesitou em apontar a taxa de juro como “o principal problema econômico do país”.

Otimista, o ministro demonstrou contar com a redução do juro como contrapartida do BC à reoneração parcial da gasolina e do etanol, anunciada em 28 de fevereiro, baseando-se numa avaliação favorável à decisão citada na ata do Copom.

Se Haddad for “pé quente” e o BC baixar a guarda, Roberto Campos Neto terá muito a explicar, porque as expectativas do mercado para o IPCA mal saíram do lugar. Ao contrário, elas amparam o posicionamento do Copom que tem reafirmado a intenção de levar a inflação para a meta.

Na pesquisa Focus, edição de 27 de fevereiro, a projeção para o indicador é de 5,89% para este ano, ante meta de 3,25% e a caminho de 3% em 2024.

Se o BC não reduzir a Selic – decisão mais provável para a reunião de 21 e 22 de março – ou for discreto quanto ao esforço do governo em reonerar os combustíveis, aumenta a chance de a instituição voltar à “linha de tiro”.

Se o BC não reduzir a Selic ou for discreto quanto ao esforço do governo em reonerar os combustíveis, aumenta a chance de a instituição voltar à “linha de tiro”

Nessa circunstância, a harmonização entre as políticas fiscal e monetária defendida por Haddad não sai do discurso, o que enfraquece o ministro e impõe limites à sua tolerância quanto ao posicionamento do BC, ainda que a instituição não seja mais subordinada ao Ministério da Fazenda.

A reoneração dos combustíveis – com vigência a partir de 1º de março e por quatro meses – foi recebida como fortalecimento da ala econômica sobre a ala política do governo, representada pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que se posicionou fortemente contra a volta da tributação.

É exagero, porém, supor que o episódio selou uma vitória inconteste de Haddad e que a vocalização de demandas do PT pela presidente do partido é dispensável ao presidente Lula, reconhecido por seu pragmatismo e por historicamente arbitrar conflitos.

Haddad venceu o “round” a favor do reequilíbrio fiscal, mas ficou devendo a contrapartida monetária ou o início do processo de redução da taxa de juro, o que agradaria diretamente Lula e o PT.

É fato que a reoneração dos combustíveis, combinada à redução de preços da gasolina e diesel pela Petrobras e à taxação das exportações de petróleo cru em 9,2%, é positiva por evitar comprometer a popularidade de Lula, mas não faz milagre. Apenas torna menos árdua a tarefa fiscal assumida por Haddad para este ano.

As decisões anunciadas têm efeito discreto na inflação, trazem R$ 28,9 bilhões ao caixa do governo e asseguram, por ora, o plano anunciado pelo ministro em janeiro e que prevê a redução do déficit orçamentário de R$ 231,5 bilhões previsto para 2023, para R$ 100 bilhões.

As decisões não avançam, porém, em direção à proposta do novo arcabouço fiscal que, segundo Haddad, será anunciada em março. O interesse e a expectativa de investidores quanto à âncora fiscal que substituirá o teto de gastos não diminuem pela reoneração da gasolina e do etanol.

Inclusive, a reoneração tende a perder relevância nas próximas semanas de foco crescente na proposta do novo arcabouço fiscal; atenção à movimentação do Congresso que deve chancelar medidas provisórias de medidas anunciadas pelo atual governo; e contagem regressiva para a reunião do Copom que Haddad colocou no ringue.

Ao afirmar que juro é “o principal problema econômico” do país, deliberadamente ou não, o ministro alinhou seu discurso ao de Gleisi Hoffmann e abriu a temporada de críticas ao BC de Campos Neto, mas em um novo contexto.

Lula tem poderosa arma na mão que poderá ser disparada a qualquer momento: a escolha do novo diretor de Política Monetária que ocupará a vaga de Bruno Serra, cujo mandato expirou em 28 de fevereiro.

Não há pressa para a decisão. Serra ficará no cargo até a chegada do sucessor, o que dá tempo para uma “seleção” cuidadosa do diretor que, a essa altura do calendário e do juro, deverá representar o governo no BC.

Nos últimos dias circularam com insistência nas redes sociais e na imprensa os nomes de Luiz Awazu Pereira da Silva e Tony Volpon – ex-diretores do BC na gestão Dilma Rousseff – como alternativas.

Dois experientes executivos do mercado financeiro, com passagem pelo setor público, em conversa com a Coluna na condição de anonimato, consideram a informação “cortina de fumaça” para eventual lançamento do economista André Lara Resende para o posto.

Um dos “pais do Plano Real”, como Lara Resende é frequentemente apontado, é visto como o candidato ideal para a construção de uma política econômica mais alinhada ao ideário do PT que não priorize a ferro e fogo metas fiscais ou monetárias e mire crescimento econômico e distribuição mais justa de renda.

Lara Resende, declinou de convites para ocupar ministérios no governo Lula, mas tornou-se coordenador do núcleo de Estudos Estratégicos do BNDES, instituição presidida pelo ex-ministro Aloysio Mercadante – petista histórico e homem de confiança de Lula.

Embora não seja afeito a cargos, Lara Resende não foge de desafios e de um bom debate. E, caso alocado futuramente na diretoria do BC em cargo que inclusive já ocupou em meados da década de 1980, não terá papel secundário.

Ao contrário, o economista pode se tornar o “reserva” de Lula para presidir a instituição a partir de janeiro de 2025. O mandato de Campos Neto termina em dezembro de 2024. Lula enxerga longe. Não fosse assim, não estaria em seu 3º mandato.