Depois das debêntures de infraestrutura, título emitido por concessionárias de obras e serviços públicos e recém-aprovado pelo Congresso Nacional, o governo federal criou um novo papel, a Letra de Crédito do Desenvolvimento (LCD), destinado a captar recursos para o BNDES estimados em R$ 10 bilhões para impulsionar investimentos no País.
Na prática, a LCD servirá como instrumento de captação incentivada para bancos de desenvolvimento, com previsão de benefício tributário similar ao de Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e as debêntures de infraestrutura.
Como a LCD promete oferecer isenção de imposto de renda para a pessoa física, não deixa de ser mais uma opção para os investidores diversificarem sua carteira.
Enviado pelo governo ao Congresso Nacional na semana do Natal, o Projeto de Lei (PL) 6.235/2023, que institui a LCD, teve pouca repercussão no mercado financeiro, que está desmobilizado nesta época do ano.
Embora ressaltem eventuais atrativos, especialistas ouvidos pelo NeoFeed foram cautelosos em prever uma grande procura pelo papel, pelo menos num primeiro momento, devido à grande oferta de títulos disponíveis no mercado com benefícios semelhantes.
“O título é nominativo, transferível e de livre negociação”, explica Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos. “O prazo mínimo será de um ano e a taxa de juros poderá ser pós-fixada, referenciada ao CDI-Over, atrelada à variação de preços ou outra forma de remuneração.”
Os rendimentos serão tributados pelo imposto de renda com alíquota zero no caso de pessoa física residente no País. Para pessoa jurídica, a alíquota será de 15%.
Salto faz críticas pontuais ao novo papel. “Entendo que a emissão de LCDs em montantes significativos poderá concorrer com os títulos de emissão do Tesouro Nacional, dificultando sua gestão”, observa, embora admita que essa concorrência só preocuparia se o volume aumentasse, “o que não será o caso no momento inicial”.
Segundo ele, a LCD tem outro perfil em comparação com as debêntures de infraestrutura, por exemplo, também voltadas para financiamento de concessões e obras públicas.
“As debêntures estão associadas a projetos de investimento específicos”, afirma Salto. “As letras de crédito são como títulos públicos, vão ter remuneração própria, ainda não definida, inclusive podendo ser pós-fixada.”
Para Santiago Schmitt, especialista em renda fixa da Manchester Investimentos, é preciso aguardar a tramitação do PL 6.235/2023 para saber como será o formato definitivo do novo papel.
“A princípio, a LCD terá isenção de imposto de renda da pessoa física, o que é um atrativo para o investidor, mas a LCA, por exemplo, oferece isenção de IR e também de IOF”, diz Schmitt.
Mesmo assim, ele prevê vantagens da LCD em relação a títulos do Tesouro e da caderneta de poupança, pelo fato de o novo papel ser emitido por bancos, e não pelo próprio Tesouro. "Por não ter risco soberano, tende a oferecer taxas de retornos vantajosas ao longo de sua aceitação no mercado", observa.
Schmitt destaca outro atrativo. "As LCIs e as LCAs têm tido uma demanda bem grande pelo fato de a remuneração poder ser pós-fixada, o que é interessante num cenário de CDIs em dois dígitos”, diz. “Com isso, as LCDs, se oferecerem as mesmas vantagens, podem dar mais opções aos investidores.”
Reforço de caixa
Se para os investidores o novo papel ainda deixa dúvidas, para o BNDES será importante, pois deve acrescentar R$ 10 bilhões por ano ao banco em financiamentos destinados ao desenvolvimento, visando reduzir a taxa de juros aos tomadores de crédito.
Na mira, estão empréstimos do BNDES para obras do PAC, para projetos de transição energética e para a implementação da Nova Política Industrial, conduzida pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.
De acordo com o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o novo instrumento também permitirá uma “atuação mais atrativa para o fomento às micro, pequenas e médias empresas, gerando mais emprego e renda”.
O novo papel também contribuirá para diminuir a dependência do BNDES em relação aos recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) - que, juntamente com o Tesouro Nacional, respondem por mais de 60% da estrutura de funding do banco de fomento.
Isso porque no texto da MP foi incluído um artigo prevendo a diversificação das taxas de juros pagas pelo BNDES ao FAT. Essa diversificação tem como objetivo corrigir problemas identificados na Taxa de Longo Prazo (TLP) – que, desde 2018, é referência de custo para empréstimos do BNDES com recursos do FAT.
A TLP apresenta alta volatilidade por estar associada à taxa de inflação (IPCA) e ao custo do título da dívida pública (NTN-B de cinco anos).
Neste sentido, a proposta encaminhada ao Congresso prevê que a Selic (taxa pós-fixada base da economia) e taxas pré-fixadas também possam ser usadas pelo BNDES para remunerar o FAT, além da própria TLP.
“A medida não envolve custo fiscal e traria maior flexibilidade para os tomadores de crédito, que poderiam optar pelas diferentes taxas, de acordo com sua necessidade”, assegura o diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, Nelson Barbosa.
A taxa de juros, por sinal, é citada por Roberto Vianna do Rego Barros, sócio do escritório Campos Mello Advogados e especialista em projetos de financiamento em infraestrutura, como uma grande interrogação da LCD.
“Como é funding do BNDES, é possível que as taxas de juros não sejam tão atrativas”, observa, ressaltando que é uma impressão ainda inicial.
“O governo poderá ter dificuldades para tornar o papel atrativo para investidores só com o benefício tributário e o marketing de que servirá para projetos de desenvolvimento, pois há outros papeis com os mesmos benefícios no mercado e potenciais taxas de juros mais atrativas”, acrescenta Rego Barros.