Em 1968, pouco depois de se formar na escola de negócios da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, Hap Klopp comprou, por US$ 60 mil, duas pequenas lojas de artigos para escalada em São Francisco, na Califórnia. O negócio fora fundado dois anos antes pelo alpinista Doug Tompkins, que o batizou The North Face. Aos 26 anos, Klopp era um jovem inexperiente — como costuma brincar, tinha apenas o NCAA, not clue at all (não faço ideia, em uma tradução livre).
Mas, sob seu comando, ao longo de 22 anos, a The North Face cresceu e hoje fatura US$ 4 bilhões. Mais do que isso, revolucionou o mercado global de equipamentos esportivos outdoor. Não só por suas inovações, mas também por seu propósito. Em uma época em que ninguém falava em ESG, Klopp e alguns raros empresários já discutiam a importância da preservação do meio ambiente, da produção sustentável, do respeito aos limites do planeta, da diversidade de gênero, raça e orientação sexual.
“Fomos chamados de ‘abraçadores de árvores’ e ‘amantes de granola’. Investidores chegavam a dizer que estávamos focando em um público sem poder aquisitivo, e que deveríamos vender para pessoas mais ricas”, diz Klopp, em entrevista ao NeoFeed. “Mas eu acreditava no que estava acontecendo e no que poderia acontecer.”
Em 1988, ele vendeu a The North Face para uma companhia de Hong Kong de materiais esportivos, a Odyssey Intenational. Desde 2000, a The North Face pertence ao grupo VF Corporation, dono também da Vans e da Timberland, entre outras marcas. Como conta Klopp, de vez em quando, ele é chamado para as reuniões de conselho.
Depois de se afastar da The North Face, Klopp lançou uma empresa internacional de consultoria de gestão, a HK Consulting, escreveu dois livros sobre sucesso e fracasso e, aos 82 anos, roda o mundo em busca de empresas disruptivas. Uma delas é a chilena Spora Biotech, da qual ele faz parte do conselho. A startup pesquisa o uso de micélio, os organismos vivos que alimentam os fungos, na produção de alternativas vegetais ao couro de animal.
De Santiago, Klopp conversou com o NeoFeed. Ele estará no Brasil na primeira semana de setembro a convite de Franco Torres, da Prana Capital, para eventos exclusivos com investidores, e também palestrará na Expert XP. Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Além da Spora, em quais outras inovações você tem investido?
Acredito na disrupção. E esse sempre foi um dos princípios da The North Face. A maioria prefere fazer o mesmo que todo mundo. Além de não ser muito divertido, você estará apenas competindo contra todos. O objetivo não é fazer um produto melhor, mas sim criar algo único. Além da Spora Biotech, também estou envolvido com uma empresa, a Reviv, que pretende democratizar o acesso à saúde. A Reviv foca em testes genéticos. Os cuidados com saúde são muito caros. Nos Estados Unidos, representam 17,9% do PIB; na Europa, cerca de 10%. Isso é insustentável. Quando você faz testes genéticos, eles indicam quais alimentos você pode comer e quais medicamentos usar, por exemplo, e isso vai mudar o jeito que nos relacionamos com a saúde.
Como você avalia a nova geração de empreendedores?
Vejo os mais jovens se preocupando mais com o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Eu admiro isso e acho saudável, mas não é a melhor base para construir algo único.
Por quê?
Porque, ao mudar o mundo com um serviço ou produto, ele ganha vida própria, e você precisa se dedicar para fazê-lo ter sucesso. Alguns desses negócios podem estar em maior risco do que se imagina, pois o ambiente, em constante transformação, traz concorrentes inesperados. As ferramentas de inteligência artificial, por exemplo, vão eliminar negócios básicos. Acredito que se você quer realmente fazer a diferença tem de dedicar uma quantidade extraordinária de energia, tempo e paixão. Encontre um negócio que você ame. Se você ama o que faz, o trabalho não será um sacrifício.
Como consultor, qual é o principal conselho que você tem dado às empresas?
O que eu mais vejo é empresas tentando fazer demais. Elas querem se tornar unicórnios da noite para o dia. A realidade é que você não constrói um negócio para vendê-lo. Você constrói um negócio para ser excelente e, depois, faz o IPO ou vende para outra empresa. Muitos negócios começam com grandes aspirações e depois tentam ser tudo para todos. Façam menos, priorizem o que que faz sentido e façam isso da melhor maneira possível.
O que fez de você um homem de negócios de sucesso?
Eu nunca tive medo de falhar. Sempre vi o erro como uma oportunidade de aprendizado. Conheço pessoas muito brilhantes que podem explicar por que algo não funcionará, mas isso nunca as levará a lançar um negócio. Acredito que havia muitos visionários na época, mas apenas alguns de nós tiveram a audácia e a crença para lançar algo, enfrentando o medo e desafiando o status quo.
"Apenas alguns de nós tiveram a audácia e a crença para lançar algo, enfrentando o medo e desafiando o status quo"
Você se considera um dos pioneiros do ESG?
Na época, eu não pensava em ESG. Eu achava apenas que estávamos fazendo a coisa certa. Era uma filosofia profundamente enraizada que chamávamos de "triple bottom line" (ou resultado triplo), um compromisso com as pessoas, com o planeta e com o lucro. Pagávamos às mulheres o mesmo que aos homens, o que naquela época era incomum, contratávamos pessoas de qualquer lugar, de qualquer orientação sexual. Falávamos 14 idiomas no escritório. Assim, podíamos contratar os melhores.
Como você define os melhores?
No início, nunca contratei alguém apenas por suas habilidades empresariais. Eu contratava pessoas porque eram apaixonadas por duas coisas: pela vida na natureza, e por mudar o mundo. Eu sabia que podia ensinar negócios. Mas paixão não se ensina. Isso se relaciona com a minha teoria sobre como motivar as pessoas: é simples, contrate pessoas motivadas. Não há esquema de pagamento ou qualquer outra coisa que substitua isso.
E qual foi o impacto dessa filosofia na marca?
Nosso compromisso era criar um produto de qualidade, que durasse para sempre. Colocamos até uma garantia vitalícia. As pessoas disseram que era loucura. Mas eu pensava duas coisas. A primeira: se o produto falhasse na natureza, a vida da pessoa estaria em risco. E tinha também a mensagem ambiental: se dura para sempre, nunca acabará em um aterro sanitário.
A relação que a The North Face construiu com seus consumidores era o que você desejava?
Sempre acreditei na importância de ser consistente com os valores da marca ao longo do tempo. É uma pirâmide. No início, era um nicho de alpinistas, esquiadores e ambientalistas. Com o tempo, eles passaram a influenciar pessoas que gostavam, casualmente, de atividades ao ar livre. Elas, por sua vez, influenciaram outras que gostavam apenas de esportes. E, por fim, há o mercado de massa.
É o que hoje chamam de influenciadores.
O que entendemos é que nesse esquema piramidal todos sabem onde estão e olham para as pessoas acima deles em busca de validação do produto. Nossos influenciadores eram os usuários genuínos de nossos produtos que acreditavam nos valores que defendíamos. E chegamos a um mercado de massa, — afinal, a The North Face fatura US$ 4 bilhões, anualmente.
Mas parece uma estratégia bem demorada.
Sim, e eu tenho muita paciência. É uma de minhas virtudes. A descrição que costumo usar é que construir uma marca é como um coral. Ele cresce muito devagar, de forma quase imperceptível, mas vai se tornando cada vez mais complexo, mais bonito, até que, em algum momento, se torna algo incrivelmente único, diferente de tudo o que há no mercado. Isso é uma marca.
O que você pretendia quando comprou a The North Face?
Eu tinha o sonho de criar uma maneira completamente diferente para as pessoas explorarem a natureza. Eu acreditava que, se conseguisse levar as pessoas para o interior da natureza, elas voltariam como melhores defensoras e protetoras do planeta Terra. Mas o equipamento era muito pesado. Então, pegamos materiais usados na guerra do Vietnã, como alumínio aeronáutico para fazer as hastes das barracas e as armações das mochilas ou tecido de paraquedas para fazer sacos de dormir e barracas. E conseguimos, reduzir o peso em cerca de 50%, permitindo que mais pessoas fossem para o interior da natureza. E assim, inventamos o bag packing.
Mas por que aquelas duas lojas?
As pessoas acharam que eu era louco. Eram lojas que faturavam US$ 300 mil e vendiam equipamentos de esqui. Eu não tinha intenção de entrar neste mercado, mas a marca The North Face já era reconhecida e eu achava o nome muito bom. A face norte é o lado mais difícil de escalar a montanha porque é onde o gelo se acumula. Mas também é um nome muito simples, que qualquer pessoa poderia entender. E a loja tinha muitos produtos diferentes para atividades ao ar livre. Achei que a combinação de bons produtos com um nome forte era valiosa.
Como o aquecimento global impacta um negócio como o da The North Face, baseado em atividades ao ar livre?
É um desafio. Está mudando a época do ano que as pessoas vão fazer trilhas e outras atividades na natureza. E o clima está muito mais volátil. Mas essa volatilidade funciona bem para empresas como The North Face e Patagonia. Nós fabricamos roupas que funcionam em camadas, que podem ser usadas de várias maneiras. Certamente, a camada intermediária, chamada fleece, se tornou um mercado muito grande porque a peça pode ser usada em condições mais moderadas. Além disso, estamos vendo são novos materiais surgindo para se adaptar a essas mudanças.