Brasília - Mesmo com a demora do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em anunciar a reforma ministerial, os petistas dão como certa a ida de Gleisi Hoffmann, atual chefe do PT, para a Esplanada. A movimentação levará o senador Humberto Costa para o comando da legenda no pior momento de popularidade do governo federal.

Pesquisas Quaest e Datafolha divulgadas nos últimos cinco dias identificaram queda na avaliação positiva do presidente, o que abriu a temporada de fogo-amigo entre aliados, incluindo os próprios petistas. Um bate-cabeça poucas vezes visto durante os mandatos anteriores de Lula.

Entre parlamentares petistas e até mesmo ministros, há críticas nos bastidores sobre o centralismo de Lula e sobre um isolamento do presidente no Palácio da Alvorada com a primeira-dama Janja da Silva, também alvo de ataques dos próprios aliados.

Uma das expressões usadas para o controle de Janja sobre a agenda de Lula é a “hora da sopa”, uma alusão ao momento em que a primeira-dama “protege” o presidente de reuniões com aliados, principalmente nos finais de semana.

Assim, ministros e líderes não têm conseguido imprimir uma agenda própria de trabalho, por falta de uma maior coordenação, que caberia no primeiro momento ao próprio Lula.

Em meio ao tiroteio de aliados, que começam a ler as pesquisas de opinião como uma eventual e futura derrota em 2026, Humberto Costa deve assumir interinamente o comando no lugar de Gleisi, que já criticou medidas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegando mesmo a dizer que a crise fiscal era “inexistente”. Aliada de primeira hora de Lula, Gleisi tem bônus com o presidente a ponto de levá-la para o ministério, encurtando o mandato dela à frente da legenda em quatro meses.

E aí é que entra Humberto Costa, que ficará na presidência do PT até julho deste ano. Uma das bandeiras do senador é que a eleição seja direta, o que deve garantir a vitória do ex-prefeito de Araraquara (SP), Edinho Silva, aliado de Costa.

“Qualquer pessoa que vai ficar no mandato-tampão tem como principal preocupação a questão de conduzir o processo de eleição direta até as suas últimas consequências, terminando em julho”, disse Costa em entrevista ao NeoFeed.

Atual vice-presidente do Senado, Costa defende também uma coordenação mais efetiva do governo. “A gente precisa ter uma coordenação de ação de governo que atue no sentido de dar as diretrizes, de como todo mundo deve se comportar. E aí eu não falo do ministério tal, mas todo mundo que tá ali na base do governo, que está no Parlamento, nas lideranças, que está no movimento social.”

Mesmo depois da crise do PIX, quando o governo perdeu a narrativa diante dos ataques da oposição e foi obrigado a recuar na norma da Receita Federal sobre movimentações financeiras, Costa acredita que a comunicação vai melhorar.

“Não estou falando já dos resultados, mas eu digo, a gente tem alguém [o ministro Sidônio Palmeira} que realmente tem experiência nessa coisa e que eu acho que tem de ajudar o governo a se fazer ouvir pelas pessoas. Eu acho que a gente não estava conseguindo”, disse Costa, sem citar o ex-ministro Paulo Pimenta, que foi secretário de Comunicação Social até meados de janeiro.

Nesta entrevista, que você lê a seguir, Costa comenta sobre isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil (que ele acredita que vai ser aprovada) e sobre a taxação aos super-ricos (que ele não acredita passe no Congresso Nacional). Ele também fala da relação do governo federal com o presidente do Senado, David Alcolumbre, e responde a críticas de aliados de que falta uma marca no governo, que está num looping de programas recauchutados.

Confira os principais trechos da entrevista ao NeoFeed separados por tópicos:

COMUNICAÇÃO E POLÍTICA
Agora eu acho que o nosso problema é ainda a comunicação mas está melhorando sensivelmente. Mas também tem um problema político, a gente precisa ter uma coordenação de ação de governo que atue no sentido de dar as diretrizes, de como todo mundo deve se comportar. E aí eu não falo do ministério tal, mas todo mundo que tá ali na base do governo, que está no Parlamento, nas lideranças, que está no movimento social. Para a gente poder caminhar numa determinada linha. Mas acho que essas coisas são coisas superáveis e por isso está prevista essa reforma ministerial. Eu espero que resolva, não é? Eu acho que houve um salto muito grande que foi dado nessa questão da comunicação. Não estou falando já dos resultados, mas eu digo, a gente tem alguém que realmente tem experiência nessa coisa e que eu acho que tem de ajudar o governo a se fazer ouvir pelas pessoas. Eu acho que a gente não estava conseguindo.

"Acredito que nesse campo econômico, a tendência é que haja muito mais identidades, ações em comum do que posições diferentes"

PAUTAS ECONÔMICAS
No dia que a gente teve lá na reunião com o Fernando Haddad, ele comentou que o governo foi eleito para governar e, como tal, o Congresso deveria ajudar no sentido de efetivar aqueles que eram os propósitos do governo. E eu acredito que nesse campo econômico, a tendência é que haja muito mais identidades, ações em comum do que posições diferentes. Qual é a grande bandeira do governo para esse ano? É a questão da desoneração do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil. E uma compensação pelo aumento do IR para quem recebe salários altos, têm renda mais alta. Eu acho que a isenção de R$ 5 mil o Congresso deve aprovar. Agora, eu não tenho tanta certeza de que a fonte para isso vai ser o aumento do imposto para alguns.

COMANDO DO CONGRESSO
Nós conversamos com Alcolumbre quando ele apresentou a candidatura dele. E naquele momento nós fizemos vários questionamentos. Até porque uma das bases para uma avaliação era a questão da Comissão de Constituição e Justiça, da qual ele foi presidente. E que ele lá em vários momentos pautou projetos que eram realmente francamente favoráveis à oposição e eram contrários ao que o governo queria. É verdade que nem tudo isso chegou a ser votado. Mas aconteceu. É importante que a gente tenha aqui no Congresso Nacional, no Senado, alguém com algum nível de diálogo e de reconhecimento político aqui de que o governo foi eleito para governar. Perguntamos para ele a opinião sobre a anistia? Aí ele disse: ‘Olha, não está no meu radar’. Perguntamos pelo impeachment de ministro Supremo. ‘Não, isso aí não tem a mínima possibilidade de passar.’

INFLAÇÃO
Em que pese estar um pouco acima do teto da meta, é um registro muito pequeno. Se você comparar com o que foi a inflação no tempo de Temer, no tempo de Bolsonaro, a gente pode dizer que a inflação está sob controle. Mas é um governo que também não vai fugir da sua responsabilidade se precisar tomar medidas de contenção, mexer com coisas como a taxa de juros, mostrando que não terá nenhuma condição de descontrole. É importante dizer que, de um lado, o fenômeno do preço do petróleo é um fenômeno internacional, que nós terminamos sendo duplamente atingidos, porque nós tivemos uma enorme desvalorização do Real e isso acaba impactando para a população. Mas também é verdade também que houve um aumento dado em conjunto pelos governadores, na questão do ICMS para compensar perdas anteriores. É um somatório de coisas.

"É um governo que também não vai fugir da sua responsabilidade se precisar tomar medidas de contenção, mexer com coisas como a taxa de juros"

PROGRAMAS REPETIDOS
O governo retomou todos os grandes projetos e programas que fizeram a diferença tanto do ponto de vista estrutural do país quanto do ponto de vista da população. Os programas sociais, todas as áreas foram recompostas, alguns foram criados. Talvez um dos problemas que a gente tenha seja esse de que é um governo que, eu não diria que não tem novidades, mas que não tem talvez trabalhado bem, não é?

POPULARIDADE EM QUEDA
Eu acho que as perspectivas são positivas, porque de um modo geral eu faço uma avaliação de que esse é um bom governo. Hoje nós temos uma situação econômica, que apesar de todo o discurso que é feito, é uma situação econômica sólida. Nós temos hoje alguns indicadores extremamente importantes. O Banco Central fechou uma avaliação prévia de que o crescimento pode ter chegado a 3,8% no ano passado. São poucos países do mundo que tem um crescimento como esse. Paralelamente a isso, a população que está empregada em termos de comparação histórica. As pessoas estão ocupadas.

OPOSIÇÃO LEGISLATIVA
Mas tem outras coisas da pauta da extrema direita que ele [David Alcolumbre] pode deixar tramitar. Alguns pontos aí da pauta da extrema direita nós vamos ter dificuldades, enfim, na relação com ele, porque afinal de contas ele foi eleito por unanimidade, quase, não é? E isso significa que ele fez acordos à direita também que nós não sabemos. E acho que do lado de lá, na Câmara, também tem uma mudança expressiva, né? Que praticamente nós saímos de um presidente que era hostil ao governo. Que trabalhava muito mais como um um porta-voz dos interesses dos parlamentares do que propriamente como chefe de um de uma Casa importante, como é a Câmara dos Deputados. Hoje tem alguém com quem se tem um diálogo, um debate, enfim, embora tenha manifestado algumas posições que representaram arranhões, mas também de algumas delas teve um recuo.

PRESIDÊNCIA DO PT
Qualquer pessoa que vai ficar no mandato-tampão tem como principal qual preocupação a questão de conduzir o processo de eleição direta até as suas últimas consequências, terminando em julho, não é? Então, fazer uma reflexão sobre o que é que o PT precisa de um modo geral é uma discussão que eu vou fazer como militante. E como qualquer militante vai discutir o que pensa sobre o que o PT precisa. Esse debate vai se fazer, tem um calendário já definido.