A B3 está atenta às transformações no mercado de capitais. No começo desta semana, lançou o Índice de Debêntures Ultra Qualidade IPCA B3 (IDEB Ultra IPCA B3), o segundo indicador criado este ano voltado para o crédito privado. Em um momento em que a renda fixa está em alta, a bolsa ajusta o seu portfólio de benchmarks. E há quem queira uma mudança no seu carro-chefe de ações.

O Ibovespa, criado em 1968, virou sinônimo da bolsa de valores no Brasil. Ele é o termômetro diário das altas e baixas do mercado. Mas um estudo da TAG Investimentos, que detém R$ 14 bilhões sob gestão, sugere que o principal índice do mercado brasileiro está ultrapassado. A análise teve como objetivo identificar formas mais eficientes de alocação passiva na bolsa brasileira, buscando alternativas que pudessem ser replicadas por ETFs.

“O Ibovespa tem volatilidade, risco, mas o resultado de médio e longo prazo é pífio", afirma André Leite, CIO da TAG Investimentos e autor do estudo compartilhado com exclusividade com o NeoFeed.

Apesar das constantes mudanças feitas pela B3 (hoje o indicador engloba 87 papéis), o índice ainda se mostra ineficiente para a alocação de investimentos em ações e potencialmente prejudicial para o desenvolvimento do mercado local, na visão da TAG Investimentos.

A TAG comparou o desempenho histórico do Ibovespa com diferentes índices do mercado brasileiro, como CDI, IFIX e IMA-B5 (todos de renda fixa), além de outros índices de ações, como o IMAT (Índice de Materiais Básicos), o IDIV (Índice de Dividendos) e o IEE (Índice de Energia Elétrica). A conclusão foi que o Ibovespa rendeu menos em períodos de 15 e 20 anos, como também apresentou maior volatilidade.

Desde 2010, o Ibovespa rendeu 82%, com uma volatilidade anualizada de 23,56%. Nesse mesmo período, o melhor desempenho foi o do IMA-B5, que rendeu 336% com apenas 2,91% de volatilidade.

A relação entre risco e retorno também se mostrou ineficiente quando comparada a outros índices de ações. Desde 2005, o Ibovespa teve um retorno de 276,5%, com uma volatilidade anualizada de 26,34%, enquanto o IDIV rendeu 812% com uma volatilidade anualizada de 23,85%.

Para Leite, o estudo indica que, especialmente no mercado brasileiro, é mais vantajoso investir em empresas com menor volatilidade. "O Brasil tem um macro complicado, como a gente está cansado de saber. Quando você tem um país com macro complicado, não adianta jogar com atacante. Você tem que jogar com defensor."

Por esse motivo, a proposta é de criação do que foi chamado de índice ideal pelo estudo. Ele seria uma mescla do IDIV com o Índice de Baixa Volatilidade (IBVL) da B3. "Colocamos dois analistas para descobrirem sozinhos como seria esse índice e os dois chegaram exatamente na mesma resposta", afirma Leite.

Em 20 anos, aponta o estudo, um índice composto 50% pelo IDIV e 50% pelo IBVL teria gerado um retorno de 720%, contra 276,5% do Ibovespa. E com uma volatilidade anualizada cinco pontos percentuais abaixo do benchmark do mercado brasileiro.

Reforma do Ibov

A inclusão no Ibovespa é determinada pelo Índice de Negociabilidade, baseado no volume negociado e na quantidade de transações em um determinado período. "É um índice de popularidade e não de qualidade das empresas", diz o CIO da TAG.

Devido ao risco de que essa regra favoreça ações especulativas, em 2013, o Ibovespa passou por uma reforma, adotando o critério de valor de mercado do free float. Essa mudança foi motivada especialmente pela derrocada da OGX, que tinha um peso significativo no índice, apesar de suas ações estarem na casa dos centavos.

Hoje, empresas em recuperação judicial não são admitidas e há regras que determinam o grupamento de ações que ficarem 30 pregões cotadas na casa dos centavos. Por isso, empresas como a Oi não conseguem mais entrar no índice. Mas há desequilíbrios. Um exemplo é a participação do IRB Brasil no índice, que supera a de empresas como São Martinho e SLC Agrícola, embora tenha cerca da metade do valor de mercado dessas companhias.

"A OGX tinha um peso grande, empresas de construção como a PDG também tinham um peso grande. Vendo que isso estava causando problemas no índice, eles mudaram a metodologia", relembra Fernando Siqueira, estrategista-chefe da Eleven Research, casa de análise voltada para investidores institucionais.

Siqueira aponta que, devido às suas características, o Ibovespa tende a ter um desempenho melhor que índices baseados em valor de mercado, como o IBX-50 e o IBX-100, em momentos de alta.

Mas o oposto também ocorre em períodos de baixa, com o principal índice da bolsa sofrendo mais que seus pares. "Mas esse não é só um problema do Brasil", diz ele.

Nos Estados Unidos, os principais índices de ações também têm metodologias questionáveis, com a inclusão no S&P 500 dependendo da avaliação de um comitê e o Dow Jones dando peso significativo ao preço das ações, e não ao valor de mercado.

Por serem mais conhecidos, tanto o Ibovespa, no Brasil, como o S&P 500, nos Estados Unidos, são os principais índices de referência para o mercado de ETFs. O maior ETF do mundo, o SPDR, da State Street, segue o S&P 500 e tem US$ 607 bilhões sob gestão. Na B3, o maior é o BOVA11, que segue o Ibovespa e tem R$ 11,9 bilhões.

"Os ETFs acabam indo muito mais nesses índices que as pessoas conhecem melhor, como é o caso do S&P ou do Ibovespa, mas grandes gestores de fundos globais preferem os índices do MSCI", diz Siqueira.

Segundo ele, a preferência se dá pela metodologia mais clara da MSCI, que considera apenas o valor de mercado do free float das empresas listadas.

Debate aberto

Os debates sobre melhores índices para alocação são frequentes na gestora de abordagem sistemática Constância Investimentos. Para Gustavo Akamine, sócio e gestor da casa, os testes internos mostram que índices com pesos iguais costumam ter melhor retorno do que aqueles que dão maior peso à liquidez dos ativos, como o Ibovespa.

"Isso vale para índices do Brasil e de fora. Além disso, há grande concentração de algumas commodities e do setor bancário no Ibovespa, enquanto o setor de serviços e o agronegócio são sub-representados", diz Akamine.

Embora não veja a mudança de metodologia do índice como uma solução definitiva para o mercado brasileiro, o CIO da TAG pondera que seu atual formato atrapalha a indústria.

"Se tivéssemos um benchmark melhor, atrairia mais investimentos. Repensar o Ibovespa poderia ser uma maneira de estimular a indústria de renda variável no Brasil", diz Leite.

Em nota enviada ao NeoFeed, a B3 informou que o índice de negociabilidade (IN) não é utilizado como critério de ponderação na metodologia do Ibovespa B3 e ressaltou que é "natural que diferentes índices, como os citados no estudo, tenham retornos distintos, dada a especificidade dos critérios de seleção e ponderação de cada um".