Black Mirror chega à sétima temporada com mais especulações sobre o impacto dos avanços tecnológicos nos relacionamentos humanos. E, mais uma vez, o time por trás da série britânica de ficção científica consegue acentuar o sentimento de desespero e desolação, quando o progresso parece ir longe demais, criando uma sociedade distópica.

E como explicar o fenômeno cultural em torno da série, criada por Charlie Brooker? Muitas vezes, o showrunner inglês é chamado de “gênio do mal” pelo modo como explora as obsessões, as ansiedades e os medos ligados a um mundo cada vez mais high-tech.

"Black Mirror vive e morre pelo seu tom. Sempre foi assim. Muitos da equipe, especialmente Charlie, estão de olho nisso o tempo todo”, contou a atriz e roteirista Rashida Jones, ao abordar a tendência sinistra que costuma predominar nas tramas da série. O mesmo se repete na nova temporada, de seis episódios, já disponível no catálogo da Netflix.

Jones é uma das protagonistas do primeiro episódio, Common People, na pele de professora que recebe um implante cerebral, após extrair tumor. O problema é que se trata de um serviço experimental, oferecido por uma startup, com funcionamento parecido com o de um celular. Ou seja, exigindo assinatura, plano de cobertura e manutenção.

Como os preços se revelam abusivos, a professora acaba virando uma garota propaganda ambulante. Sim, ela é obrigada a veicular anúncios para manter o serviço, pagando o mínimo possível. A situação não é muito diferente do que já acontece com o assinante das plataformas de streaming.

Além de atriz na série, Jones assinou o roteiro do episódio Nosedive, da terceira temporada, exibida em 2016.

Aqui Bryce Dallas Howard vivia em um mundo onde cada ação recebia uma nota no espaço virtual em tempo real, determinando a pontuação e, consequentemente, o estilo de vida das pessoas.

“As histórias de Black Mirror não podem ser sombrias demais. Nem secas ou monótonas. Mas também não podem seguir um arco narrativo típico de uma sitcom”, disse Jones, em painel virtual, do qual o NeoFeed participou.

Para a atriz e roteirista, a série funciona porque suas histórias se desenrolam em uma “realidade identificável’’, apesar dos exageros que costumam surgir ao longo da narrativa.

“No começo de Common People, o público acompanha a rotina de um casal como qualquer outro [com Jones contracenando com Chris O’Dowd]. Isso ajuda no choque de realidade tecnológica e na virada obscura", explicou.

Aí está a genialidade do trabalho de Charlie, na opinião da atriz: “Ele consegue manter as histórias pessoais, episódio após episódio, temporada após temporada. E é isso que diferencia Black Mirror de documentários que exploram o futuro da ciência, como isso vai nos afetar e se o avanço valerá a pena moralmente. Aqui você tem um gostinho de como será".

Muitas vezes, Charlie Brooker, o criador da série, é chamado “gênio do mal” pelo modo como explora as obsessões, as ansiedades e os medos ligados a um mundo cada vez mais high-tech (Foto: Nick Wall/Netflix)

"O que Charlie [o criador do programa] faz de forma brilhante é atingir o equilíbrio entre o horrível e o mundano", analisa Cristin Milioti, do elenco do episódio "USS Callister: Into Infinity" (Foto: Nick Wall/Netflix)

Para Tracee Ellis Ross, que contracena com Jones, como a representante da startup, a sétima temporada representa um “retorno às origens da série”. Embora nunca tenha perdido a sua relevância, Black Mirror enfrentou altos e baixos, sobretudo na quinta temporada, a que menos agradou – tanto o público quanto a crítica.

“O primeiro episódio [da nova safra] se aproxima muito da primeira temporada, nos levando de volta. Ele é um daqueles mais marcantes, por ser dos mais assustadores”, comentou ela.

Várias outras tecnologias tomam rumos perigosos nos novos episódios. Como a reconstituição artificial de um filme antigo, com a inserção de uma atriz contemporânea no elenco, em Hotel Reverie, ou o serviço que instiga a memória do usuário, mesmo que as lembranças sejam dolorosas, em Eulogy.

No episódio USS Callister: Into Infinity, que representa a primeira continuação já feita na série (ao dar sequência à ação de USS Callister, exibido em 2017), clones de humanos continuam presos em um videogame.

A trama do gênio da programação que roubou o DNA dos colegas, para se vingar dos mesmos no espaço virtual, merece mesmo ser revisitada. Sobretudo pelo humor, ao apresentar uma paródia de Star Trek. Essa é outra característica que favorece o sucesso de Black Mirror – ainda que alguns episódios sejam mais bem-sucedidos do que outros ao balancearem a visão desastrosa do futuro com a sátira.

“O que Charlie faz de forma brilhante é atingir o equilíbrio entre o horrível e o mundano. Mesmo presos em um mundo virtual, nós, os personagens, assistimos a Real Housewives na TV’’, contou, rindo, a atriz Cristin Milioti, do elenco de USS Callister: Into Infinity, que também participou do painel.

Para o ator Jimmi Simpson, outro nome do novo episódio inspirado no universo dos games, a série passou da fase de fazer previsões tecnológicas.

Como ele disse: “Com o mundo estranho do jeito que está, com todos nós temendo o que está por vir, onde quer que o humano esteja, seja no espaço, na internet ou no videogame, tudo o que ele quer é conexão. E é isso que as histórias de Black Mirror” refletem cada mais vez”.