Comemorado pelo presidente americano Donald Trump e recebido na segunda-feira 28 de julho com críticas por parte de empresários e alguns líderes europeus, o acordo comercial entre Estados Unidos e União Europeia, anunciado na noite anterior, teve um claro perdedor: o Brasil.
Fortalecido com mais um acordo comercial que, além de cobrar tarifas de 15%, ainda obteve concessões do bloco europeu sem praticamente dar nada em troca, Trump deixou claro que vai cumprir a ameaça de cobrar tarifas de 50% do País a partir de 1º de agosto – mesmo porque o governo americano, até agora, não deu brecha para uma negociação.
"O 1º de agosto é para todos", declarou Trump no domingo, num recado indireto ao Brasil. A pressão sobre o governo brasileiro tende a ficar ainda maior porque o presidente americano ainda conseguiu indiretamente dificultar a ratificação do acordo UE-Mercosul, que estava praticamente encaminhado.
Isso foi obtido ao eliminar todas as barreiras do bloco europeu à carne bovina e etanol exportados dos EUA – que passariam a concorrer com eventuais exportações brasileiras desses produtos, que estariam submetidas a taxas, caso o acordo com o Mercosul vier a ser assinado.
Trump também obteve dos europeus a promessa de comprar US$ 750 bilhões em energia, sobretudo gás natural liquefeito (GNL), o que poderá reduzir a demanda europeia de biocombustíveis do Mercosul.
As concessões do bloco europeu devem fortalecer a pressão de agricultores da França, Irlanda e Polônia à entrada de carne e açúcar do Mercosul, e atrasar ainda mais a implementação do acordo.
Com o acordo EUA-UE amplamente favorável a Trump, o governo brasileiro tem poucas alternativas para evitar a cobrança do tarifaço americano de 50%, que pode causar um impacto imediato de R$ 19,2 bilhões na economia brasileira, com redução de R$ 52 bilhões de exportações e ameaça de 110 mil empregos no curto prazo.
Com a ausência da opção diplomática, resta ao governo brasileiro apostar na pressão de grupos empresariais brasileiros e americanos afetados pela sobretaxa de 50% para que a Casa Branca adie o início da cobrança.
Um exemplo é a fabricante de aviões comerciais Embraer, que tem cerca de 25% de sua receita proveniente de exportações para os EUA. A empresa, sediada em São José dos Campos (SP), também monta jatos na Flórida e adquire cerca de 40% de seus componentes nos EUA.
O presidente da empresa, Francisco Gomes Neto, afirmou que teve encontros nos últimos dias com os secretários americanos do Comércio, Howard Lutnick, do Tesouro, Scott Bessent, e dos Transportes, Sean Duffy, além do representante comercial Jamieson Greer.
De acordo com Gomes Neto, há “espaço para negociação”, uma vez que 2,5 mil dos 3 mil postos da Embraer no exterior ficam nos EUA. Além disso, fornecedores locais da empresa brasileira geram outros 10 mil empregos.
A XP Investimentos estima um custo adicional anual de US$ 80 milhões a 90 milhões para cada 10 pontos percentuais de tarifa para a Embraer, o que pode representar um impacto de 5 a 6 pontos percentuais na margem Ebtida, no cenário mais adverso.
Os setores de café e de suco de laranja também apostam na pressão da cadeia de suprimentos americana para convencer Trump a recuar – os EUA importam do Brasil 70% do suco e 30% do café que consomem.
Além ameaça de perda do mercado europeu, o agronegócio brasileiro ainda corre o risco de sofrer um prejuízo com as sobretaxas de 50% prometidas por Trump, o que deve levar um recuo de 11% de suas exportações para os EUA.
Sem resistência
A facilidade com que os europeus se dobraram às exigências americanas surpreendeu analistas. A reunião com Trump a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em seu resort de golfe Turnberry, na Escócia, durou apenas uma hora.
Os EUA, que ameaçavam impor tarifas de 30%, aceitaram reduzir a taxa mínima para 15%, sem alterar os impostos cobrados dos EUA sobre aço e alumínio, de 25%.
Trump anunciou ainda que a UE se comprometeu a importar US$ 750 bilhões em produtos energéticos nos próximos três anos, investir US$ 600 bilhões em plantas nos EUA e comprar “centenas de bilhões de dólares” em armamento americano.
“Com este acordo, estamos garantindo acesso ao nosso maior mercado de exportação, criando certeza em tempos incertos para cidadãos e empresas de ambos os lados do Atlântico”, disse von der Leyen, numa reação que gerou críticas de países do bloco.
O ministro francês de Assuntos Europeus, Benjamin Haddad, disse que o acordo traria "estabilidade temporária" e isentaria setores franceses importantes de tarifas, mas o chamou de "desequilibrado". “A situação atual não é satisfatória e não pode ser sustentável”, disse ele em uma postagem no X.
Wolfgang Niedermark, membro do conselho da Federação das Indústrias Alemãs, chamou o acordo de "um compromisso inadequado", com a UE "aceitando tarifas dolorosas". "Uma tarifa americana de 15% terá um enorme impacto negativo na indústria exportadora da Alemanha”, disse ele.
O chanceler alemão Friedrich Merz saudou o acordo por “evitar uma escalada desnecessária nas relações comerciais transatlânticas”. A primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, também comemorou o resultado.
Von der Leyen concordou que o superávit comercial da UE em bens com os EUA, que atingiu quase € 200 bilhões no ano passado, precisava ser reduzido. "Tínhamos que reequilibrá-lo", disse ela, com uma ponta de resignação.