Em meados de 2019, o comitê executivo do banco de atacado do Itaú Unibanco, que reúne o Itaú BBA, o Itaú Private, o Itaú Asset, além de todas as operações internacionais do Itaú, fez uma viagem exploratória aos Estados Unidos, onde visitou diversos bancos americanos. O objetivo era entender como eles estavam organizados em termos de corporate venture.
Quando voltou ao Brasil, o grupo resolveu colocar em prática uma série de iniciativas. E uma dessas estratégias está prestes a sair do papel. O Itaú Unibanco vai se lançar no mundo do venture capital através da Kinea, sua gestora de recursos. O banco será o cotista único de um fundo de corporate venture, cujo objetivo é comprar fatias minoritárias de fintechs.
Os detalhes ainda são guardados a sete chaves e devem ser divulgados em novembro. A frente da iniciativa está Philippe Schlumpf, que desde janeiro deste ano cuida do fundo. Procurada, a Kinea não quis fornecer mais detalhes.
O fundo de corporate venture que será gerido pela Kinea, no entanto, é apenas uma das faces de uma série de iniciativas para se aproximar de startups e de empresas de tecnologia que estão sendo capitaneadas pelo banco de atacado do Itaú Unibanco.
“Queremos ser o banco que vai conseguir acelerar e apoiar a maior gama possível de startups ao longo de todo o seu ciclo de vida”, diz Christian Egan, diretor executivo responsável pelas áreas de mercados globais e tesouraria e membro do comitê executivo do Banco de Atacado do Itaú, um dos executivos presentes naquela viagem aos Estados Unidos. “Queremos estar desde o começo para que, quando elas estiverem grandes, possamos continuar com elas.”
Parece conversa fiada. E não faltam outros bancos de investimentos querendo se aproximar de startups desde seus estágios mais iniciais. Mas o fato é que o Itaú, principalmente através do BBA, está se mexendo para que isso não se transforme apenas em discurso feito para a plateia.
Nesse ano, o banco já forneceu mais de R$ 2 bilhões de crédito para startups e companhias de tecnologia. Além disso, a equipe comercial do banco de atacado já faz uma cobertura de mais de 1,1 mil empresas iniciantes. Tudo isso para se aproximar desse universo que compreende companhias inovadoras.
Quer um exemplo? Atualmente, o Itaú BBA está por trás de três aberturas de capital de empresas tecnológicas no Brasil. Ele é o banco líder do IPO da startup de cashback e de cupons de descontos Méliuz e faz parte do pool que pretende levar o site de comércio eletrônico Wine e a Mosaico, dona do Buscapé, Zoom e Bondfaro, para a bolsa.
A abertura de capital é algo que faz parte do dia a dia do BBA há muito tempo. Mas até pouco tempo atrás o foco era em grandes empresas da economia tradicional, donas de faturamentos bilionários. Elas seguem sendo importantes. Mas o alvo não são só esses “peixes graúdos” do mercado.
O IPO da Locaweb, no qual o BBA foi o coordenador-líder, exemplifica essa nova postura. A abertura de capital, realizada em fevereiro deste ano, é uma das bem-sucedidas de 2020, com os papéis valorizando-se mais de 280% desde então. A companhia, é verdade, surfa o vento favorável das empresas de tecnologia, que se beneficiaram da aceleração do processo de digitalização dos negócios por conta da pandemia.
A atuação do banco, porém, vai muito além dos IPOs. O BBA, por exemplo, está ajudando as startups na captação de aportes com fundos de venture capital e estruturando diversos produtos para que essas empresas possam levantar recursos.
O banco assessorou, por exemplo, a Acesso Digital em duas captações de recursos. A primeira delas foi quando a e.bricks ventures (rebatizada de Igah Ventures depois de se unir a Joá) fez um aporte de R$ 40 milhões na startup em janeiro. Nove meses depois, o BBA trouxe o Softbank e a General Atlantic para a base de acionistas da startup que atua no mercado de identidade digital. Os dois investiram R$ 580 milhões na companhia.
O BBA também esteve por trás de diversas outras operações que estão longe dos holofotes e do glamour de uma captação de recursos com fundos de venture capital. É o caso do Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) de R$ 80 milhões captado em janeiro deste ano pelo agtech Solinftec para sua expansão internacional.
Itaú e Rede também fizeram parceria com o aplicativo de delivery iFood para antecipar o repasse das vendas feitas no app para bares e restaurante durante a pandemia. No total R$ 2,5 bilhões das vendas seriam pagas em até sete dias para os donos dos estabelecimentos – antes, o prazo chegava até 30 dias.
Em julho deste ano, o BBA estruturou um fundo imobiliário que captou R$ 200 milhões para a Loft, startup de reforma e venda de imóveis avaliada em mais de US$ 1 bilhão. “Começamos com uma parceria de originação de crédito imobiliário e evoluímos para o processo de captação”, diz Kristian Huber, cofundador e head de finanças da Loft.
A forma que o Itaú BBA se aproximou da Loft ilustra bem a maneira como o banco está trabalhando com as startups. O relacionamento foi todo feito através de um executivo de atendimento, responsável por ligar todas as pontas com outras áreas do Itaú. “Eles começam a apostar cedo em empresas que acreditam que podem ter um sucesso acelerado”, afirma Huber.
Na Loft, o relacionamento começou com a parte de caixa e evoluiu para toda a operação de folha de pagamento. Depois, a startup criou junto com o banco de varejo, o Itaú, um produto de compra e financiamento de imóvel. Até chegar ao fundo imobiliário. “É uma relação de forma holística”, diz Huber.
Essa visão integrada foi estruturada a partir da criação de um Núcleo Tech dentro do banco de atacado. Mas, ao contrário de outras áreas, esse núcleo não conta com um diretor responsável, pois foi organizado na forma de um squad, que reúne diversas pessoas de diversos departamentos e áreas do banco.
“A ideia foi colocar na mesma sala, agora na mesma videoconferência, todo mundo que toma decisões para que elas sejam mais fluidas”, afirma Thiago Maceira, head de tecnologia do Itaú BBA.
Participam desses encontros, que são, em geral, semanais, 15 pessoas. São representantes do banco de investimento, da equipe de equity e das áreas de comunicação, marketing, crédito e comercial. As discussões se dividem em tópicos, que vão de investimentos públicos (bolsa), investimentos privados, comunicação e conteúdo, e eventos.
“Pelo lado do banco de investimento, o BBA está bastante ativo como todo mundo no segmento”, diz o fundador de uma startup que não quer se identificar pois tem relacionamento com vários bancos. “Mas o Itaú, como um grupo, parece que entendeu a sua nova posição na cadeia alimentar.”
Todos de olhos nas startups
Não se trata de ironia desse empreendedor. Ao contrário. O surgimento de fintechs fez os grandes bancos se mexerem ao se sentirem ameaçados por pequenas empresas inovadoras que desafiaram modelos de negócios estabelecidos. A reação veio em forma de aproximação para entender as transformações que estavam em curso.
“É preciso mudar o core do negócio. Entendo o ponto de quem quer criar (a inovação) fora do negócio principal para (depois) tentar ‘disruptar’ a nave-mãe. Mas se não mexer na nave-mãe não adianta nada”, afirmou Pedro Moreira Salles, copresidente do conselho de administração do Itaú Unibanco, durante uma conversa online com o empresário Jorge Paulo Lemann, em evento que comemorava os cinco anos do Cubo, outra iniciativa capitaneada pelo Itaú para se aproximar de startups. “O caminho pode ser mais longo e mais árduo, mas é preciso enfrentar o legado.”
Essa é uma lição que tem sido enfrentada não só pelo Itaú, mas por todos os grandes bancos que, de alguma forma, desenvolveram estratégias para capturar a atenção, o coração e os bolsos das startups. O BTG Pactual, por exemplo, criou o boostLAB, um programa de potencialização e de mentoria de startups.
“A grande maioria das startups está crescendo e continuando o relacionamento com a gente. Fizemos do boostLAB a nossa interação com o mundo de venture capital, de fintechs e de inovação”, disse Roberto Sallouti, CEO do BTG Pactual, em reportagem publicada pelo NeoFeed, em dezembro do ano passado.
O BTG Pactual não fica restrito a potencializar e dar mentoria às startups. Ele também está investindo nelas. São exemplos de empresas iniciantes que receberam aportes do banco de investimento a Agronow, que faz mapeamento por satélites de áreas agrícolas; a Digesto, uma legal tech; a Finpass, uma espécie de Tinder do crédito, que dá match entre empresa e quem quer tomar crédito; a Liber Capital, um marketplace de antecipação de recebíveis de crédito; e a Resale, uma plataforma de compra de imóveis retornados.
A XP também quer uma fatia das empresas desse ecossistema. Além de participar da estruturação de produtos financeiros (lembra do fundo imobiliário da Loft? A XP estava ao lado do BBA na captação), a companhia fundada por Guilherme Benchimol criou um braço dedicado para firmar parcerias estratégicas com empresas iniciantes, fundos de venture capital e hubs de inovação.
É a XP Ventures, comandada por Marcos Sterenkrantz, que, recentemente, anunciou a aquisição das startups Antecipa, fintech que atua como plataforma digital de antecipação de recebíveis, e Fliper, plataforma de consolidação automatizada de investimentos.
O Bradesco também está nessa disputa. O banco da Cidade de Deus tem o Inovabra Habitat, um espaço de inovação que abriga startups em São Paulo. Além disso, a instituição conta com o Inovabra Ventures, que já investiu em oito startups.
Entre elas, está a Beep Saúde, empresa que faz vacinação em domicílio; a Semantix, de inteligência artificial; a Cuponeria, de cupons; a MarketUp, um sistema de gestão online para pequenas empresas; e a Agrosmart, que usa internet das coisas e big data para fazer previsão do tempo e irrigação.
O interesse dos bancos de investimentos pelas startups é fácil de ser entendido. Até setembro deste ano, o volume de aportes em startups brasileiras somou US$ 2,2 bilhões, em 322 rodadas, de acordo com dados do estudo Inside Venture Capital Brasil, do Distrito Dataminer. O volume de recursos investidos nos nove primeiros meses de 2020 ficou atrás apenas de 2019, quando foram aportados US$ 2,3 bilhões nas startups.
Todos eles estão atrás de encontrar a empresa que pode ser o próximo Mercado Livre, marketplace criado na Argentina, que hoje é a empresa mais valiosa da América Latina, com valor de mercado de US$ 63 bilhões, mais do que Petrobras (US$ 45,8 bilhões), Itaú Unibanco (US$ 39,6 bilhões) e Bradesco (US$ 31,8 bilhões).
Nos Estados Unidos, Apple, Amazon, Microsoft, Alphabet (Google) e Facebook são as maiores em valor do mercado. O Brasil não conta com nenhuma empresa de tecnologia no top 10. Mas a avaliação é de que isso é apenas uma questão de tempo.
“Muitas dessas empresas no futuro vão dar certo e farão um IPO. E algumas captações privadas são maiores do que uma abertura de capital”, diz Huber, da Loft. “Esse é um processo que pode ser muito lucrativo para os bancos.”