Gonzalo Guzmán era enólogo-chefe da Viña El Principal desde 2004 e tinha situação confortável produzindo um dos mais premiados tintos chilenos, com base na Cabernet Sauvignon, da porção andina do vale do Maipo, em Pirque.
Durante a pandemia, o enólogo decidiu partir em voo solo e criou sua própria marca, a G2. No acordo de rescisão com a vinícola onde trabalhava incluiu o arrendamento de algumas parcelas do vinhedo de El Principal, não por acaso onde havia plantado, em 2008, a variedade branca da Galícia, a Albariño.
“Havia trabalhado na Espanha no começo dos anos 2000 e fiquei encantado com algumas variedades locais, como as brancas Verdejo e Albariño e as tintas Mencía e Graciano”, diz Gonzalo Guzmán, ao NeoFeed. “Os proprietários de El Principal disseram que apenas havia espaço para um branco no portfólio e escolhemos a Verdejo.”
Assim a parcela de vinhedo com cerca de um hectare de Albariño pôde ser arrendada para seu projeto pessoal. Porém, como em muitas etapas da produção do vinho, a história parece correr em câmera lenta. O Chile, por ser um país livre de diversas pragas agrícolas, tem regras bastante restritivas para o cultivo de novas espécies vegetais.
Ao assumir o risco da importação das mudas de Albariño, Gonzalo teve que manter as videiras em quarentena por cerca de dois anos, em uma área isolada, sob supervisão do departamento de agricultura do país andino e sem poder propagar as mudas. Após este período, foi autorizado a cultivar a variedade. Foram mais cinco anos para ter uma produção estável e começar os testes de vinificação.
A partir de 2015, o enólogo engarrafou pequenos lotes de vinhos, com fermentações espontâneas, com diferentes prensas e até um lote macerado com as cascas (no estilo dos ditos vinhos laranja). Foram produzidos apenas algumas centenas garrafas de cada experimento.
“Alguns restaurantes e lojas compraram os lotes e o feedback dos sommeliers era bastante positivo. Além de amortizar os custos de produção, tive um sinal que estava no caminho certo”, afirma o enólogo.
Assim, em abril deste ano, nasceu e foi batizado o estilo definitivo do primeiro Albariño chileno: o Alba de Andes 2019. Seu preço, convertido para reais, é na casa dos R$ 90. Mas quando for importado ao Brasil, incluído os impostos, deve custar o dobro.
“Como estou perto dos Andes, em uma zona de tintos, vinifiquei a Albariño, buscando uma expressão mais próxima de um tinto, com boa estrutura, criado por 16 meses em contato com as leveduras e capaz de evoluir por anos na garrafa.”
Claro que também há algo de estratégia no estilo do vinho, pois, neste ano, Gonzalo Guzmán plantou mais Albariño, mas no sul do país, em um clima mais frio e muito próximo do mar, com maior umidade. “Ali terei condições de produzir outro estilo de Albariño, mais fresco e aromático, como em Rías Baixas, na Espanha, minha referência.”
Como qualquer tendência que para se consolidar depende de uma massa crítica, a Albariño parece bem amparada. No Chile, a poderosa Viña Montes, a pioneira a exportar e apresentar ao mundo vinhos chilenos em uma categoria elevada de preço e qualidade, está cultivando a variedade desde 2018.
Aurelio Montes, fundador da vinícola e atual presidente do Wines of Chile (associação para promoção dos vinhos chilenos no exterior) escolheu a Albariño (a mesma Alvarinho portuguesa) como uma das cinco variedades a ser cultivada em seu jovem vinhedo, em Chiloé, em meio aos fiordes da patagônia chilena.
Outro caso chileno é da vinícola Garcés Silva, mais conhecida por sua linha Amayna. Um dos líderes no vale de Leyda, na costa chilena, plantou a Albariño nas ladeiras de solo granítico e de cerca de 11 quilômetros do mar. As videiras devem entrar em produção em 2022.
Ainda na América do Sul, o Uruguai, por ser o destino de muitos imigrantes galegos, a Albariño apresenta um cenário mais consolidado. A Bodega Bouza foi a primeira a colocar no mercado local um varietal de Albariño, em 2004. Hoje, a gigante Garzón também se notabiliza pelo trabalho com a casta, que vinifica desde 2015, assim como a Bodega Mataojo, da família do empresário brasileiro Benjamin Steinbruch.
A poderosa Bodega Trapiche, da Argentina, plantou em 2015 a variedade branca em um novo terroir, em Chapadmalal, na costa argentina e a seis quilômetros do mar, bem distante da tradicional zona andina de Mendoza. O vinho já está em produção e integra a linha Costa y Pampa.
O Brasil também vem trabalhando com a casta e aqui a onda vem sendo conduzida pela influência portuguesa. A vinícola Hermann, da família do importador de vinhos Adolar Hermann (Decanter), produz seu Alvarinho na serra do sudeste gaúcho, com consultoria do enólogo português Anselmo Mendes, informalmente apelidado de "Sr. Alvarinho" no mundo do vinho.
A vinícola Miolo quer aproveitar também a expertise do enólogo português Miguel Almeida, para conduzir o vinhedo localizado na campanha gaúcha (perto da fronteira com o Uruguai) e vinificá-la para sua linha Seival Single Vineyard.
A Albariño é conhecida por ser uma variedade com boa resistência a algumas doenças causadas por fungos, como o míldio e a botritis, além de suportar alguns extremos climáticos sem perder sua tipicidade.
Recentemente, uma das duas variedades brancas foi autorizada (janeiro de 2021) para cultivo em Bordeaux, uma solicitação feita em 2019 pelos produtores como forma de mitigar os efeitos das mudanças climáticas sem diluir ou distorcer o estilo dos vinhos locais.