Sediada nos Estados Unidos e com cerca de US$ 500 bilhões sob gestão, a Western Asset é uma gestora que tem uma visão global. Afinal de contas, está presente fisicamente em outros sete países, com escritórios espalhados por quatro continentes: Brasil, Inglaterra, Suíça, Cingapura, Japão, Hong Kong e Austrália.
No Brasil, onde administra cerca de R$ 50 bilhões em mais de 200 fundos, o escritório da Western é chefiado pelo gestor Marc Forster, que, entre as suas rotinas, compartilha com o time global as visões do mercado brasileiro.
Uma dessas trocas está viva na memória até hoje. Em maio de 2017, no dia seguinte ao Joesley Day, quando vazou uma conversa entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer, a equipe brasileira foi surpreendida por uma ligação do chefe global de investimentos.
Na ocasião, ele avisou que iria aumentar a posição em Brasil, apesar de o chefe da mesa local ter explicado que o cenário exigia cautela.
“O chefe global, então, explicou: o que você me disse é que houve um solavanco, mas você também me disse que essa agenda não é deste governo. Ela só foi interrompida, mas em algum momento o Congresso deve voltar a falar disso”, recorda Forster, em entrevista ao NeoFeed.
Segundo ele, quatro anos depois, a visão segue a mesma, independentemente do resultado da eleição do ano que vem. “Nós estamos muito próximos do precipício para nos darmos o luxo de não fazer reformas”, disse o gestor. “Não resolve não fazer reformas e se transformar em um gastador, porque o dinheiro acaba.”
Por esse motivo, a Western Asset segue apostando no mercado brasileiro. Neste momento, a visão, em especial para a bolsa de valores, é de investir em empresas que se beneficiam da reabertura da economia.
"O que temos feito, nos últimos meses, é fazer a carteira ter mais empresas que se beneficiam do ciclo da reabertura e da recuperação econômica. São, basicamente, setores ligados ao consumo, como varejo e supermercados."
Na entrevista a seguir, Forster detalhou o cenário que a Western enxerga para o Brasil, disse quais são suas preocupações para a economia e apontou quais setores são os preferidos da gestora no momento. Confira:
Com a reabertura da economia, você está com uma visão otimista para o Brasil?
Eu não digo necessariamente otimista, mas sim construtiva para o fim dessa jornada que está sendo a pandemia. O que aconteceu é que ocorreram alguns eventos ao longo do ano que, se não nos levaram a mudar o cenário-base, nos levaram a reduzir a sua probabilidade, com consequente redução do tamanho das nossas posições. Estamos menos comprados em bolsa, menos aplicados em taxas longas, mas ainda com uma visão construtiva.
Que eventos foram esses?
Em primeiro lugar, tivemos a segunda onda da pandemia, que colocou em questão uma interrupção mais abrupta do movimento de recuperação da economia, que acabou não acontecendo, surpreendendo o mercado. A economia seguiu, mas com gargalos de oferta, como a falta de semicondutores para a indústria automobilística. Em segundo lugar, a questão fiscal segue no topo das preocupações, embora o crescimento econômico gere arrecadação para o governo. Em terceiro, tem a inflação, que ficou mais pressionada, com a aceleração da economia. Tudo isso, sempre rodeado pelos impactos da pandemia.
Dessas questões, o que mais te preocupa?
A grande discussão que permanece é a de inflação, tanto aqui quanto lá fora. Nos EUA, o banco central sinalizou que queria ver a inflação perto ou acima de 2% (ao ano) por bastante tempo, antes de tomar uma decisão de subir juros, mas o mercado passou por cima disso e vimos as taxas longas subindo com muita força. De um mês para cá, é o contrário. E o BC dos EUA passou a mensagem, na semana passada, de que os próximos seis meses serão de inflação mais alta e isso não muda a visão deles de que o juro é baixo por um tempo considerável. Essa é uma das espadas da qual o mercado tem se ocupado, da inflação, do ritmo de crescimento e se os BCs serão obrigados a reverter suas políticas monetárias bastante expansivas. Mas a gente acha que a situação está sob controle.
A inflação está sob controle também no Brasil?
É uma preocupação mais de curto prazo e que não põe a perder o compromisso do Banco Central (BC) com a inflação, ainda mais com o BC independente. Assim, a gente não cai na armadilha, que caímos um tempo atrás, de que um pouco de inflação não faz mal. Não existe tolerância a um pouco de inflação. E o BC está imune a esse tipo de postura. As pressões de curto prazo são reais, como as commodities e a recuperação da economia, e vão acontecer. O importante é que no longo prazo não vemos condições para que se perca esse norte. Nossas projeções para o IPCA são de 6,1% em 2021 e de 3,8% para o ano que vem, um pouco acima do centro da meta.
"Não existe tolerância a um pouco de inflação. E o BC está imune a esse tipo de postura"
Com a Selic mais alta, pressionada pela inflação, a Western está voltando a apostar mais em renda fixa?
O investidor pode voltar a se sentir mais confortável em ter maiores alocações em renda fixa. Mas aqui fazemos gestão ativa. Então, independentemente dos juros, nós vamos decidir se vamos ter mais pré-fixado ou mais NTN-B. Nas nossas carteiras em que temos opção de decidir, a gente continua comprado em Bolsa. O investidor, sem dúvida, pode readquirir o conforto em ter mais renda fixa. Mas a jornada ainda está acontecendo. O juro veio muito rápido de 6,5% para 2% e deve voltar para 6,5% razoavelmente rápido. O investidor não fez o movimento completo. Se ficasse em 2%, poderia ter mais risco para ele tomar. O que não podemos esquecer é que o juro real continua muito baixo, com a inflação indo a 6% este ano. Não paga a conta.
Durante a pandemia, a Western mudou o perfil das empresas nas quais investe?
O que temos feito, nos últimos meses, é fazer a carteira ter mais empresas que se beneficiam do ciclo da reabertura e da recuperação econômica. São, basicamente, setores ligados ao consumo, como varejo e supermercados.
Poderia citar algumas?
O Magazine Luiza, que não é mais só uma varejista e agora tem uma atuação bem mais diversificada. Temos Multiplan, de shoppings; Lojas Renner, que é mais consumo; Natura, Klabin, que é papel, para embalagens e outras coisas do tipo. Também temos posição em Vale, pois as commodities têm se beneficiado desse ciclo de recuperação e foi um dos setores que geraram inflação aqui e no resto do mundo.
"Por que vender as ações da Zoom quando acabar a pandemia? Os hábitos de consumo não voltam a ser o que eram antes"
Há também uma maior exposição para aquelas que foram beneficiadas pela pandemia, como as de tecnologia?
Na verdade, nós tivemos uma postura de não mudança. Temos um fundo que investe em BDRs, os recibos de ações estrangeiras negociadas no Brasil. Esse fundo já vem, historicamente, com uma exposição bastante grande em tecnologia, como Apple, Facebook e Google. Em algum momento deste ano, no fim do primeiro trimestre, ouvimos muito sobre a rotação de portfólio que investidores globais estavam fazendo, saindo dos setores ligados a tecnologia e migrando para consumo e commodities, setores que se beneficiariam com a reabertura, às custas das empresas de tecnologia, que deixariam de ser a menina dos olhos com a economia de volta ao normal. O nosso fundo sofreu com isso naquele período, mas não mudamos nossa carteira de forma significativa, porque não achamos que tecnologia é uma questão de pandemia. Por que vender as ações da Zoom quando acabar a pandemia? Os hábitos de consumo não voltam a ser o que eram antes. Reuniões online vão continuar acontecendo.
Você acredita que o Brasil vive uma janela curta para investir em Bolsa, uma vez que o cenário vai ficando mais incerto com a aproximação da eleição?
A eleição sempre traz volatilidade e parece que vamos entrar de novo em um ciclo eleitoral bastante polarizado. É cedo para falar ainda e as pesquisas não são indicadores perfeitos. Mas a única certeza que temos é que, quando a eleição entrar na pauta, vai aumentar a volatilidade. Se isso vai significar uma necessidade de reduzir ou mudar posição, vai ser mais em função de quando nós teremos maior certeza do desfecho. Historicamente, independentemente se é eleição, covid-19, greve dos caminhoneiros ou Joesley Day, esses eventos muito agudos e que não te dão certeza sobre o fim da jornada, nós não operamos no curto prazo.
E como vocês se comportam?
Muitas vezes, se a convicção para o nosso cenário não mudou, seguramos o fio desencapado por um tempo e nos posicionamos mais à frente, à medida que o desfecho se torna mais claro. Por exemplo, em 2014, no segundo turno entre Dilma (Rousseff) e Aécio (Neves), eles chegaram à antevéspera empatados. E o mercado tinha uma visão binária do que seria a reação na segunda-feira, dependendo de quem ganhasse. Naquele momento de absoluta incerteza, zeramos as posições de todos os portfólios, colapsando para os benchmarks das carteiras, sem fazer aposta ativa. A eleição será um ponto de atenção, mas sem mudanças radicais e frequentes de posição.
"Muitas vezes, se a convicção para o nosso cenário não mudou, seguramos o fio desencapado por um tempo e nos posicionamos mais à frente"
E como os seus colegas estrangeiros da Western estão vendo o Brasil?
A visão que a Western lá fora tem de Brasil é a mesma que nós temos aqui, construtiva, mas entendendo os dilemas de curto prazo. A diferença está na utilidade da alocação. A utilidade de Brasil em um portfólio global é diferente de um NTN-B longa no portfólio doméstico. E é muito claro que países emergentes pagam um prêmio maior no longo prazo porque são emergentes e têm todas essas incertezas que temos aqui.
Que incertezas, por exemplo?
No Joesley Day, por exemplo. A gente brinca que os mercados abriram fechados no dia seguinte, porque todos os mercados bateram nas barreiras de stop e não tinha negociação. O nosso chefe de investimentos local ligou para o global, chefe dele, e deu o panorama. Explicou que o presidente Michel Temer vinha com uma agenda de reformas, que isso seria postergado e que o cenário exigia cuidado. No dia seguinte, o chefe global liga para avisar que está comprando Brasil. E o local brincou: será que meu inglês não está legal e eles não me entenderam? O global, então, explicou: o que você me disse é que houve um solavanco, mas você também me disse que essa agenda não é deste governo. Ela só foi interrompida, mas em algum momento o Congresso deve voltar a falar disso. O destino da jornada não parece ter mudado. E se emergente não chacoalhasse tanto, eu não teria essas oportunidades para comprar nesse momento.
A visão é que a agenda de reformas segue a mesma e que continuará independentemente de governo?
A natureza do nosso político é de que tem muito de instinto de sobrevivência. Mesmo para o mais populista dos políticos, não resolve não fazer reformas e se transformar em um gastador, porque o dinheiro acaba. Com a Dilma, acabou o dinheiro. O Temer entrou e botou na mesa uma reforma da Previdência, que foi aprovada no governo Bolsonaro e muito empurrada pelo Congresso. Isso acontece porque os políticos são reformistas e têm um espírito cívico? Talvez, mas também porque eles precisam de um orçamento que dê espaço para gastar, investir nas bases eleitorais e se reeleger. Nós estamos muito próximos do precipício para nos darmos o luxo de não fazer reforma. Não que o governo não faça diferença. Faz diferença no ritmo, na intensidade, na confiança do mercado. Mas é uma necessidade que o país tem, independentemente de quem governe.
Agora temos em pauta uma reforma tributária. Te agrada?
O fator positivo mais forte é que finalmente a reforma está na mesa. Claro que há imperfeições, como a questão da tributação dos dividendos e como as empresas vão se preparar para isso. Mas a reforma tem seu valor por ter sido jogada na mesa. Voltamos a falar de reforma, sendo que ficamos até abril para aprovar o Orçamento. É bom voltar a uma pauta positiva, porque ano que vem tem eleição. E nós não vamos discutir reformas durante o ciclo eleitoral.
Mas você vê tempo hábil para avançar com algo antes da eleição?
Tempo dá. Claro que vai demandar uma dedicação grande e seria leviano dizer se vai acontecer ou não. Este ano ainda temos cinco meses pela frente. É difícil saber quando a eleição entra na pauta para valer. Em 2018, a eleição começou a dominar a pauta em março, mais cedo que a média. Se acontecer de novo, temos mais oito meses e meio.