Quando anunciou seu fundo de US$ 5 bilhões para investir na América Latina, em março de 2019, o Softbank provocou um verdadeiro abalo sísmico no ecossistema de empreendedorismo na região.
Era, sob qualquer régua, muito dinheiro. Nunca, até então, um fundo de venture capital tinha chegado com tanto dinheiro para apostar em empresas iniciantes inovadoras da região.
Depois de 18 meses e 20 investimentos em startups, o Softbank ainda tem muito dinheiro para desembolsar: US$ 3 bilhões. Metade desses recursos vai para novas empresas. A outra fatia será gasta em follow ons no atual portfólio.
É o que conta Paulo Passoni, sócio do Softbank na América Latina, ao CAFÉ COM INVESTIDOR, programa que entrevista os principais gestores de venture capital do NeoFeed.
“Havia muitas empresas boas que faltava capital para elas. O primeiro ano foi relativamente simples de se fazer as apostas. Obviamente não pegamos todas”, afirmou Passoni.
O dinheiro do Softbank foi fundamental para “criar” diversos unicórnios na região. São os casos de Gympass, QuintoAndar, Loft, Rappi e Loggi. Isso sem contar o Banco Inter, que tem capital aberto, e vale R$ 13,2 bilhões.
Em 2020, no entanto, o Softbank terá mais trabalho. Passoni reconhece que agora as apostas não são as mais óbvias e que o desafio da equipe, que é composta de 40 pessoas na região, é encontrar as joias brutas que precisam ser lapidadas. E quais são?
Embora diga que o Softbank está de olho em todos os setores e em busca de empresas que possam ser grandes e dominar uma área, o fundo criado pelo japonês Masayoshi Son está de olho em empresas de educação e healthtechs. “A chance de vocês verem investimentos nesses setores é alta”, afirmou Passoni.
Do atual portfólio, o Softbank tem apenas uma empresa de healthtech: é a iClinic, uma plataforma de gestão para médicos que recebeu um aporte não revelado do fundo em julho deste ano.
Nesta entrevista, que você assiste na íntegra no vídeo acima, Passoni comenta ainda as lições do WeWork para o Softbank e para a indústria de venture capital e conta o que mudou na filosofia do fundo por conta de prejuízos bilionários recentes do Vision Fund.
Confira alguns trechos da conversa:
Por que o Softbank criou um fundo para a América Latina
“Quando você tem uma oportunidade na América Latina, ela sempre parece menor e pior do que o resto do mundo. Quando você compara o grau de crescimento e a qualidade da tecnologia, fica aquela sensação de que esse negócio na América Latina é muito pior do que as coisas que a gente está acostumado a ver. Mas isso está errado. Por quê? O importante é qual o grau de evolução dessa empresa na América Latina vis-à-vis os competidores dela na América Latina. E esse grau normalmente é muito maior do que em outras regiões do mundo e permite que essas empresas na região cresçam e criem posições dominantes de mercado mais facilmente.”
Sobre a dificuldade de encontrar bons negócios na América Latina
“Havia muitas empresas boas em que faltavam capital para elas. O primeiro ano foi relativamente simples de se fazer as apostas. Obviamente não pegamos todas. Daqui para frente, temos de deixar as empresas maturarem para chegar mais ou menos no que é ideal para a gente investir. Temos feito algumas apostas mais cedo nas empresas que a gente acha que são excepcionais e têm um grande potencial. Essas apostas têm mais risco. Mas se a gente acertar nos times, elas tendem a ser muito boas para nós.”
Sobre qual é o “sweet spot” do Softbank
“O mais legal do nosso fundo é ser flexível. A gente não tem um sweet spot. A gente olha especialmente para o time e fala assim: ‘esse time vai revolucionar o setor’. De vez em quando, a gente encontra esse time num estágio mais late (avançado). E, de vez em quando, num estágio mais early (cedo). A gente não quer perder a oportunidade de investir em gente boa, não importa qual é o estágio. Tendo dito isso, o nosso sweet spot começa sendo séries C e D. Mas temos feito séries B. O que não temos feito são séries A."
Sobre o investimento no Banco Inter, quando a empresa já estava listada na B3
“O objetivo não é a forma. É o conteúdo. Não importa muito se a empresa é privada ou listada. O que importa é quanto ela tem ainda para crescer e qual é o potencial de mercado dela. Se a gente tivesse entrado na América Latina antes e o ecossistema fosse maior em 2017 e 2018, provavelmente o Banco Inter ainda seria privado. Ele teria tido rounds privados e a empresa nem teria ido à Bolsa. Mas ir à Bolsa para eles foi bom. Trouxe um grau de maturidade grande, uma disciplina de fluxo de caixa e de tomada de risco.”
Sobre a necessidade de fazer novos investimentos
“Os primeiros investimentos eram meio que óbvios. E agora vem a segunda fase que é tentar identificar as ‘rough gems’ (joias brutas) que ainda não foram identificadas. Estamos constantemente olhando para isso. E vão ter alguns bons investimentos anunciados logo. Mas o objetivo aqui não é anunciar investimento ou coletar logos. Não é nada disso. O objetivo é: achou um bom negócio? Faz. Não achou? Não faz. Simples assim. Não tem essa pressão de ter de investir “xis” para o mercado achar que estamos investindo. Isso é uma bobagem.”
Sobre os setores em que o Softbank deve investir a partir de agora
"A gente olha todos os setores. Se a gente ainda não investiu em um setor é porque não achamos ainda o cavalo para investir. A grande dificuldade é imaginar empresas que vão ser realmente muito grandes no futuro, porque há setores que são muito pequenos e nichados. Tendo dito isso, a gente continua olhando muita coisa interessante no setor de software e SaaS (software as a service). A gente continua olhando muito coisa bacana no setor de educação e no setor de saúde. Esses setores, de educação e saúde, por muito tempo, era difícil você imaginar como as empresas seriam grandes e como seria a adoção dos serviços delas. E a Covid mudou isso completamente. Deu uma acelerada gigante e diminuiu muito as barreiras regulatórias. Telemedicina é um exemplo disso. Existia um lobby muito grande contra a telemedicina. E agora que todo mundo viu que funciona, por que não fazer? A chance de vocês verem investimentos nesses setores é alta."
Efeito Alibaba
"Já tiveram situações ao Covid na Ásia no passado, como o SARS e outros tipos de epidemias. E isso teve um efeito muito positivo para a penetração do e-commerce. Antes da Covid, a penetração do e-commerce na China era muito superior a dos EUA. Esse mesmo efeito é óbvio agora. É só olhar o crescimento dos marketplaces, o crescimento de logística para e-commerce e a mudança de hábito dos cidadãos. Agora, todo mundo faz e-commerce, até meus pais. Isso tudo mudou rapidamente e é muito positivo para as empresas que estão nesse setor."
Sobre as empresas do portfólio do Softbank que estão se beneficiando com a pandemia
“O portfólio como um todo está se beneficiando. Alguns setores estão impedidos de operar por causa da Covid. Mesmo assim, uma empresa como a Gympass criou um marketplace de apps digitais de exercícios. Se você é um membro da Gympass e não pode ir para a academia, porque ela está fechada, você tem várias opções para se exercitar em casa. Esse é um exemplo de uma empresa que criou um produto rapidamente em resposta a Covid. Mas empresas que estão indo muito bem são as óbvias. Todas as de e-commerce, as empresas de software que integram o e-commerce (VTEX e Olist), as empresas de entrega logística (Rappi e Loggi)."
Sobre as lições do WeWork para o Softbank e para a indústria de venture capital
"Tem pêndulo de risco que vai e volta durante o tempo. Todos os negócios que são de network effect (efeito de rede), vamos dizer assim, não adianta muito você focar no unit economics (são todos os custos e as receitas que estão associadas a um determinado modelo de negócio) no curto prazo e perder a posição dominante do setor. Daí alguém ganha essa posição dominante. O setor de tecnologia, há 10 anos, era bem conservador em unit economics e vieram casos de sucesso, principalmente de marketplaces, que são business de network effect. O maior deles é o Alibaba, que por muito tempo não dava dinheiro e de um dia para o outro jorrou dinheiro. E todo mundo falou assim: temos que ser igual ao Alibaba. E aí o pêndulo foi para o outro lado. Inclusive para várias empresas e setores que não têm nada a ver com network effect.
Todo mundo achou que (o WeWork) era um business de network effect. E não era. E quando você foca tanto em crescimento e esquece o custo e o unit economics, você vai replicando algo ruim. E um dia, você vai ter de corrigir isso. E para corrigir algo gigante, dá muito trabalho. A grande lição para as startups do mundo inteiro é que quando você está escalando uma empresa, você precisa escalar com unit economics positivo. Esse é o ponto chave. Com algumas exceções de negócios de network effect, que podem se dar ao luxo de esperar um pouco. Mas esses são as exceções. Não são a regra.
Dar muito dinheiro ao empreendedor é ruim para todo mundo. Você começa a fazer decisões que não fazem sentido nenhum e alocar dinheiro com novos produtos que não param de pé. Tem também aquela síndrome do super-homem, em que você acha que faz qualquer coisa. Isso tudo é muito negativo para a cultura da empresa. E acho que isso aconteceu muito no WeWork. No WeWork, tiveram várias iniciativas que não faziam sentido nenhum. Tinha uma escola chamada WeGrow. Até cheguei a olhar para os meus filhos. E era uma viagem. Realmente, não faz sentido nenhum algumas coisas que foram tentadas ali e muito disso foi pela abundância de capital e o perfil do empreendedor."
Sobre a filosofia de crescimento do Softbank
"O lucro contábil não quer dizer criação de valor. Isso a gente não mudou. Inclusive, se a empresa está maximizando crescimento, mas com unit economics positivo, provavelmente a empresa está com cash flow negativo. Isso não mudou de forma alguma. O que mudou é a tolerância por unit economics negativo, que não existe mais. Isso mudou. No nosso grupo da América Latina, isso sempre foi uma preocupação básica. Mas isso mudou globalmente também. Eu diria para você, por mais que você mencionou essas perdas do Vision Fund, a minha impressão é que isso vai se reverter rapidamente. Tiveram vários "home runs" recentemente e tem algumas empresas ali que têm muito valor e o mercado não compreendeu isso."
Sobre saída dos investimentos
“Se a gente acertar, e estamos investindo nos players dominantes do futuro, a saída em bolsa sempre é uma opção. E o mercado de capitais está cada vez mais evoluído, especialmente no Brasil, e vai dar muita oportunidade. O segundo ponto é que o nosso dinheiro é do Softbank. E a grande vantagem do Softbank é o conceito de time arbitrage. O que é isso? Se a empresa está indo bem e continua gerando valor, a gente não vende a empresa. O Softbank está onde está porque nunca vendeu o Alibaba. A Naspers está onde está porque nunca vendeu Tencent. E assim por diante. A grande vantagem do Softbank é essa paciência por ficar com um investimento, especialmente os que estão indo bem."
Sobre a valuation das startups que o Softbank investiu
“No fundo, a pandemia foi uma sorte para nós. Quem investe nesse setor e entende o que aconteceu com a pandemia vai entender o que estou falando. A pandemia veio, na verdade, para ajudar o setor de venture capital. É um grande fator positivo. E sorte e azar faz parte da vida. E a gente deu sorte. Eu tenho certeza que os investimentos hoje valem muito mais do que quando a gente colocou. E vão ter vários rounds de várias empresas nossas com investidores novos que vão provar isso para todo mundo nos próximos meses. Estou tranquilo em relação fato de que a gente não “overpaid” (pagou acima do preço). É difícil dizer se a gente "overpaid ou não porque veio o Covid. E o Covid mudou tudo.”