Existem certas coisas que fazem parte da vida de um país democrático. E uma delas é que, de quatro em quatro anos, há eleição presidencial. No Brasil, no entanto, isso é sinal de confusão.

Os mercados ficam nervosos ou eufóricos e o dólar vai às alturas ou desce ladeira abaixo dependendo do candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais. E, dada a polarização do debate político, não há nenhum indício de que a disputa em 2022 será diferente.

O gestor Luís Felipe Amaral, fundador da Equitas Investimentos, uma casa especializada em renda variável com R$ 5 bilhões de ativos sob gestão, criou uma estratégia para ficar longe da confusão brasileira: ele analisa as empresas em que investe no detalhe para identificar as companhias que estão em melhores condições de sobreviver às oscilações causadas por mudanças de governo.

“Dentro disso, escolhemos empresas que têm elementos de resiliência, de qualidade, de gestão, para passar por momentos difíceis”, afirma Amaral, em entrevista ao NeoFeed. “O que temos como premissa básica para investir no Brasil é que vai ter confusão.”

A carteira da Equitas conta com empresas como Via Varejo, BTG Pactual, Petz, Mater Dei e Oncoclínicas. Em comum, são empresas que se beneficiam de tendências de longo prazo e que, na visão da gestora, estão executando bem suas estratégias.

Tanto que o principal fundo da casa, o Selection, acumula retorno de 592,8% desde que foi criado, seis vezes o avanço do Ibovespa no período, que teve valorização de 96%.

Até mesmo setores em que Amaral acredita que há baixa barreira de entrada, baixa previsibilidade e são cíclicos, como o de construção civil, a Equitas consegue escolher ativos para investir.

É o caso da incorporadora Eztec, empresa que está há mais tempo na carteira da Equitas. “São executores primorosos e entregam resultados, mas o setor é horroroso”, afirma Amaral.

Nesta entrevista, Amaral falou sobre as perspectivas para a renda variável diante da alta da taxa Selic, da reforma tributária e do cenário de IPOs no Brasil. Confira:

A alta da Selic, que aumenta a atratividade da renda fixa, te deixa preocupado em relação ao cenário para oportunidades na renda variável?
Não estou preocupado. É preciso separar o movimento que é cíclico, de curto prazo, e outro que é estrutural, que é mais relevante. No cíclico, para algo de um a dois anos, a flutuação de taxa de juros serve para calibrar a demanda para que não haja pressão inflacionária. Isso acontece em ciclos de dois a três anos. Passamos por um ciclo de taxa baixa e agora há uma certa pressão inflacionária. A taxa de juros está aumentando em função disso. Quando vamos olhar a atratividade de renda variável e o desenvolvimento de mercados de capitais, temos de olhar o estrutural. Tínhamos uma taxa de juros que flutuava sempre acima de 10% e que passou para algo que será em torno de um dígito, de 5%, talvez indo para 7%. Ainda é um patamar alto, mas muito mais próximo do que é razoável em economias que não sejam disfuncionais. O aumento da renda variável na composição do portfólio dos investidores é algo inexorável. No Brasil, a participação, até pouco tempo atrás, era de 10%. O caminho para chegar a níveis de países desenvolvidos é muito grande. Tem países, como os Estados Unidos, com 40%, 50%, 60%.

O Brasil, enquanto mercado emergente, teria potencial para chegar a tanto?Dificilmente vamos chegar no curto prazo a esses patamares, o que implicaria um amadurecimento muito maior dos mercados e uma volatilidade menor. Por sermos um mercado emergente, com todos os ruídos que temos aqui, nossa Bolsa é muito volátil. É razoável esperar que a participação da renda variável nas carteiras se acomode num patamar menor do que lá fora, mas dá para multiplicar a participação de bolsa algumas vezes até chegar num patamar ainda inferior.

"Por sermos um mercado emergente, com todos os ruídos que temos aqui, nossa Bolsa é muito volátil"

A pandemia, com todas as tendências que vieram junto, gerou mudanças no portfólio da Equitas?
Fizemos algumas mudanças, sim. Sempre tentamos entender as tendências que impactam os setores nos quais atuamos e como as empresas estão posicionadas. As tendências dão sinais de longo prazo e vão se materializando aos poucos. A pandemia acelerou muito isso. O e-commerce, por exemplo, já vinha ganhando espaço no dia a dia das pessoas, mas era uma participação muito pequena. Durante a pandemia, todo mundo começou a usar muito mais. A gente acelerou algumas alterações que faríamos em alguns anos em função disso.

Em quais empresas a Equitas não estava antes e passou a investir durante a pandemia?
Entramos, por exemplo, em Via Varejo e Mercado Livre. Eram empresas que nós acompanhamos há bastante tempo. A Via Varejo é uma empresa que estava passando por uma reestruturação, que tinha ficado muito para trás na adoção de tecnologia para desenvolver seu marketplace, e estava em uma jornada de mudança de gestão ocorrida em 2019. Sempre somos meio céticos em movimentos de reestruturação. Esperamos as coisas começarem a aparecer para acreditar que serão implementadas de forma rápida. Na pandemia, tivemos alguns sinais de que estavam conseguindo avançar bem. Conseguiram rapidamente colocar a sua força de vendas para operar, mesmo com lojas fechadas, via ferramentas digitais, como o “Me chama no zap” (os vendedores anunciam no Facebook para que o cliente entre em contato pelo WhatsApp). Conseguiram se adaptar rapidamente ao e-commerce e se beneficiaram do movimento da pandemia. Com isso, aprofundamos mais nosso conhecimento e, dado que a ação tinha caído, faria sentido fazer uma posição.

E fora do e-commerce?
A gente tinha uma posição menor de BTG Pactual na carteira e aumentamos bastante durante a pandemia. Não só porque a ação tinha caído bastante, mas também por uma visão nossa de que o BTG teria muito para ganhar com tudo que está acontecendo com a transformação digital impactando o setor financeiro. É um banco que está conseguindo montar uma operação de varejo, em cima já de uma operação muito bem estruturada de atacado, com o lançamento do BTG+ (banco digital) e a aceleração do BTG digital (plataforma de investimentos).

Também viram oportunidades em IPOs?
Focamos muito nisso. Temos visto muito mais empresas tentando abrir capital, um movimento que acelerou bem em 2020 e 2021. Algumas dessas empresas com características de crescimento, de boa gestão, de rentabilidade, com boas perspectivas nos setores onde atuam. E nomes novos. Temos algumas posições novas que entraram na nossa carteira em IPOs que ocorreram já depois da pandemia.

Quais, por exemplo?
Entramos, por exemplo, em Petz, no ano passado, em Locaweb, no Grupo Soma - para este aumentamos agora a posição, com a queda da ação. Entramos este ano em Mater Dei e já aumentamos também a posição. Talvez sejamos o maior acionista fora da família (Salvador) de controladores. Entramos também em Oncoclínicas, ClearSale e Viveo. Em e-commerce, entramos em Westwing. São posições bem pequenas. Embora façamos um trabalho aprofundado de análise, são nomes novos. É diferente o tipo de convicção e entendimento que temos em relação a empresas que temos há muitos anos acompanhado.

A pandemia também gerou uma série de desistências para IPOs, em razão da incerteza para precificar. Continuaremos tendo muitos IPOs?
Acho que teremos, sim. E teremos ofertas também. Tem muita empresa boa com plano de crescimento e que faz sentido ter capital aberto. Até pouco tempo atrás, tínhamos menos de 200 empresas com liquidez para investir. Lá fora, são milhares de empresas. Há uma quantidade muito maior para crescer e ainda ser pouco representativo em relação ao PIB. Essas janelas de atratividade para o IPO, do ponto de vista do empresário, mudam muito, dado o humor do investidor. No começo do ano, até fevereiro, havia otimismo com o Brasil. Em um mês e meio, aconteceram coisas que jogaram o humor lá para baixo. Aí, em maio, voltou. Abriu de novo a janela e agora está mais difícil, por ser um período um pouco mais ruidoso. São flutuações que acontecem naturalmente e devem continuar. Mas a tendência para mais empresas e demanda (por IPO) está muito clara.

A Equitas tem setores preferidos para investir?
Nós preferiríamos estar em empresas que contam com setores que têm dinâmica favorável, que se destacam e acabam tendo uma competição não tão agressiva com novos players, o que corrói a rentabilidade. São setores onde a barreira de entrada é alta. Mas não nos restringimos a isso. Para nós, é mais importante identificar as empresas. Um exemplo que vai na contramão disso: a ação que está há mais tempo no nosso portfólio é uma incorporadora de São Paulo, a Eztec, porque eles são executores primorosos. Eles fazem o que se propõem a fazer com disciplina muito grande, de capital e execução. E entregam resultado. Mas o setor é horroroso, é o contrário do que buscamos. Tem baixa barreira de entrada, baixa previsibilidade e é cíclico. Idealmente gostaríamos de ter as duas coisas.

"O setor de saúde, por exemplo, tem um crescimento grande pela frente e não depende tanto da atividade econômica"

Qual setor está entre os preferidos?
O setor de saúde, por exemplo, tem um crescimento grande pela frente e não depende tanto da atividade econômica. O principal motor é a evolução demográfica. A população vai envelhecer ao longo do tempo. Eu não sei quem será o próximo presidente da República nem como será tratada a economia. Mas tenho certeza como vai caminhar o envelhecimento da população, que vai criar uma demanda muito grande no longo prazo para o setor de saúde.

Ele se encaixa nas características de barreira alta de entrada e competição não agressiva?
O setor é muito amplo e tem várias verticais. As barreiras não são altíssimas, mas em alguns segmentos são representativas. Os planos de saúde têm barreiras mais altas. Mesmo os prestadores de serviço, como hospitais, centros clínicos e laboratórios, precisam fazer grandes investimentos em unidades. Marca é algo também bem importante. As pessoas privilegiam aqueles que são conhecidos pela qualidade. Quanto à competição, não que seja baixa, mas permite que as empresas que atuam de forma destacada tenham rentabilidade muito alta.

Você mencionou que não sabe quem será o próximo presidente. A eleição é algo que não te preocupa?
Eu me preocupo como brasileiro e como investidor. Mas temos pouca capacidade de ter um diferencial na análise da eleição. Eu consigo ter um diferencial muito bom no entendimento da dinâmica dos setores, das empresas. A dinâmica eleitoral é pedir para errar. Acompanhamos há bastante tempo as eleições e as surpresas acontecem em quase todos os ciclos eleitorais. O que temos como premissa básica para investir no Brasil é que vai ter confusão. A cada três ou quatro anos, vamos ter confusão. E, se o pano de fundo é esse, temos de estar preparados para isso. Dentro disso, escolhemos empresas que têm elementos de resiliência, de qualidade, de gestão, para passar em momentos difíceis. É nisso que focamos mais.

"O que temos como premissa básica para investir no Brasil é que vai ter confusão. A cada três ou quatro anos, vamos ter confusão"

Você citou que os juros, do ponto de vista estrutural, estão mais razoáveis. Mas há uma preocupação maior do mercado com o lado fiscal, com o próximo governo, que se reflete em um juro de longo prazo mais alto. De onde vem a sua confiança?
Essa percepção de risco acaba se acentuando de tempos em tempos e, às vezes, também arrefecendo. No ano passado, o risco fiscal foi o que dominou a pauta de preocupações. Este ano, com o crescimento da atividade e um pouco de inflação, essa preocupação foi arrefecida por volta de maio. Agora voltou de novo, com ruído político e preocupação do lado fiscal. Hoje, está num nível alto. Dá para piorar muito? Dá. Mas, olhando o que está por trás, temos uma equipe econômica que entende o problema. Óbvio que o presidente (Jair Bolsonaro) tem outras prioridades, outras coisas no radar dele. No Congresso, temos uma Câmara dos Deputados muito mais alinhada a pautas de disciplina fiscal do que tivemos no passado. Não dá para contar que teremos grandes reformas de segurança fiscal, mas é uma composição que nos dá mais segurança do que deu no passado, ainda que o Senado seja um pouco mais populista. O que está por trás dos tomadores de decisão de políticas públicas nos dá alguma segurança de que a coisa não é tão preocupante para ir para um descalabro fiscal, que é o que às vezes está aflorado na percepção das pessoas.

André Esteves, do BTG Pactual, disse na semana passada que vê uma “falsa polarização” no Brasil, pois acredita que o vencedor da eleição, seja Jair Bolsonaro ou Luiz Inácio Lula da Silva, terá de compor com o centro. Você concorda ou vê uma grande diferença no rumo do país a depender do resultado?
Eu estou mais com ele. As coisas estão mais extremadas quando vemos o noticiário. Não que seja injustificável, mas os políticos, quando falam com sua audiência, não estão falando com um investidor ou falando de questões técnicas. Estão exaltando pautas com apelo popular, de costumes, preferências ideológicas. Isso acaba gerando uma percepção de polarização muito grande. São personagens com características pessoais muito diferentes. Mas, para o que é importante para o bom funcionamento da economia e dos mercados, eu diria que essa diferença é bem menor. O Brasil está bem mais evoluído do que esteve no passado, em arcabouço de governança, para que as coisas não escapem demais do prumo. Eu não vejo nem um lado nem o outro partindo para o extremo, para reinventar a roda, ou tentar uma nova matriz, ou um novo receituário que nos coloque em risco. As variações, no que é importante para o mercado, em disciplina fiscal, para a economia como um todo, não são tão diferentes quanto parece no noticiário.

A reforma tributária em discussão muda o cenário para investir em empresas?
A gente precisa ver o que vem. Uma reforma tributária no Brasil é necessária. A direção é no sentido de simplificação, o que é muito positivo, e de horizontalização do tratamento. Sair dos regimes especiais, que causam distorções inesperadas e acabam tendo impacto na produtividade. A discussão pode ter um impacto positivo para a produtividade. A questão é que o diabo está nos detalhes e, na legislação, ainda não temos essa clareza. Na análise que fazemos das empresas, o que sempre levamos em consideração é o quanto esta empresa depende de um benefício da regulação fiscal de hoje, e se faz sentido essa regulação fiscal. Se tem setor com dependência grande do benefício que foi dado, vemos isso como grande ponto de risco.

Por exemplo?
O setor siderúrgico. O setor de base no Brasil sempre foi protegido de competição externa. No varejo, há uma grande competição dos estados para trazer os varejistas, onde serão colocados centros de distribuição, com incentivos de ICMS. E até produtores de equipamentos, que têm dependência grande de créditos criados como os da Zona Franca. Tudo isso é risco na nossa visão.

A Equitas lançou no ano passado um fundo de venture capital. É possível dizer quais são os primeiros resultados?
O fundo é bem early stage. A ideia é ser o primeiro cheque institucional de fundadores que têm um viés tecnológico muito forte e a gente se propõe a ajudá-los, ou com contratação de equipe ou formação de máquina de vendas. O pessoal que tem uma bagagem tech forte e na formação de produtos, às vezes, não tem tudo resolvido na parte comercial. Temos nove investimentos e estamos bem animados. Em alguns anos, vemos algumas dessas empresas abrindo capital, seguindo a vida em outra fase.

Quais são as nove empresas?
Eu posso falar algumas delas. Temos a ElvenWorks, uma empresa de software as a service que ajuda empresas a monitorar como os seus sistemas estão operando em nuvem. Temos a Singular, que faz software também e é focada no setor de saúde. Temos a Lexter.Ai, que usa inteligência artificial para analisar contratos, com uma tecnologia embarcada muito relevante e que está disruptando o mercado de advogados que analisam contratos. Tem a R2U, que faz objetos virtuais para serem usados em e-commerce, em 3D, como móveis, que podem ser encaixados pelo consumidor final no site para ver como fica na casa dele.