O técnico de vôlei Bernardinho, duas vezes medalhista de ouro olímpico pela seleção brasileira masculina e medalhista de bronze e prata pela seleção feminina, caminhava no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, quando escutou um chamado do outro lado da rua: “Hey, coach!”. Tratava-se de seu amigo e empresário Rony Meisler, cofundador da grife Reserva e CEO da AR&Co.

Num papo rápido, em um encontro casual, ali mesmo no meio da rua, Meisler sondou se interessava a Bernardinho participar do Comitê de Pessoas, Cultura e Governança da Arezzo&Co, o grupo de moda comandado por seu sócio Alexandre Birman.

A conversa aconteceu há 15 dias e Bernardinho acaba de ser oficializado membro do comitê da companhia. A partir do dia 1 de junho, ele terá um cargo na empresa que conta com grifes como Arezzo, Reserva, Ana Capri, entre outras, possui 3.730 funcionários e vale R$ 8,55 bilhões na bolsa.

“Não foi nem namoro”, diz Bernardo Rezende, o Bernardinho, com exclusividade ao NeoFeed. “Foi amor à primeira vista”, afirma sobre o convite. Ele vai participar do comitê que se reportará diretamente ao conselho de administração da Arezzo&Co. Ao seu lado estão Alessandro Carlucci, José Ernesto Bolonha, Marco Vidal, o próprio Rony Meisler e mais um membro que ainda será definido.

O trabalho de Bernardinho envolverá conversas semanais em um grupo de WhatsApp com os outros membros do comitê e reuniões bimestrais para, como ele mesmo diz, identificar onde estão as aflições, os gargalos e definir onde concentrar esforços para a construção e o fortalecimento da gestão de pessoas. “Gastar energia de forma correta”, afirma.

Marco Vidal, diretor-executivo do grupo Arezzo&Co, conta que o comitê já existe desde 2011 e tem como meta municiar o conselho de administração com análises e informações. “Vamos discutir oportunidades de desenvolvimento de talentos, recrutamento e formação, avaliar a performance dos executivos”, diz ele.

A atuação nessa área é fundamental num momento em que a Arezzo tem crescido organicamente e inorganicamente, com aquisições como a da Reserva e outras que devem vir pela frente – há um mês a companhia fez uma oferta pela Hering, mas acabou perdendo para o grupo Soma.

“Quando você tem uma equipe de seis, dez ou quinze pessoas e trabalha junto, exercita a cultura diariamente. Mas, quando tem milhares de pessoas, como mantém uma cultura forte?”, indaga Bernardinho. E, em seguida, responde. “Esse é um dilema, crescimento e cultura, entendendo que gente é o principal.”

Alexandre Birman, CEO da Arezzo&Co, praticante de esportes, principalmente o triatlo, enxergou o casamento perfeito entre o grupo e o técnico vencedor. “Ele traz a experiência do esporte que tem muita sinergia com o espírito que cultivamos em nossos colaboradores”, disse Birman ao NeoFeed.

À primeira vista, para quem só conhece a faceta de Bernardinho como técnico esportivo, essa ligação com uma empresa pode soar estranha. Ainda mais porque ele continua como técnico da equipe feminina Sesc RJ e vai assumir a seleção masculina de vôlei da França, em agosto, logo depois da Olimpíada de Tóquio.

Mas engana-se quem enxerga apenas um Bernardinho gesticulando e perdendo as estribeiras próximo às linhas da quadra. O técnico é também investidor e empreendedor de faro apurado. Entre seus investimentos estão a edtech Eduk, a empresa de alimentação Haru’s, a de plant based NoMoo, a de entretenimento Final Level, a rede de academias BodyTech e os restaurantes Delírio Tropical.

“Sempre aposto em coisas que acredito. O primeiro elemento são as pessoas. Quando cheguei no Delírio Tropical, há 30 anos, vi o fundador no caixa e a esposa dele com uma toquinha servindo. Olhei e disse: vai dar certo. É barriga no balcão. Na época, havia só uma unidade. Hoje, temos nove.”

Além desses investimentos, ele tem participação acionária na empresa de food service Gastroservice e na startup MadeiraMadeira, que recebeu um aporte de US$ 190 milhões em janeiro deste ano e se tornou um unicórnio. Na MadeiraMadeira, Bernardinho faz um trabalho de cultura e recrutamento das posições-chave da companhia.

Recentemente, ele entrevistou uma profissional para entrar na startup. “Eu via a competência, a qualidade de lidar com várias áreas e tinha o brilho nos olhos”, afirma. Quando terminou a entrevista, Bernardinho ligou para os fundadores da startup e disparou: “Não sei para qual posição vocês vão escalá-la, mas têm de convocar.” Ela acabou contratada para a área de gestão de pessoas.

Outra gigante que “convocou” o técnico de vôlei para trabalhar foi a Stone, empresa de adquirência avaliada em US$ 20 bilhões na Nasdaq. No ano passado, Bernardinho coordenou a fase final do Recruta Stone, um programa que avaliou mais de 70 mil jovens e, deste total, apenas três foram contratados.

A ArcelorMittal, uma das maiores produtoras de aço do mundo, também tem uma ampla parceria com o técnico. Mas é um trabalho que envolve o uso da imagem de Bernardinho em campanhas publicitárias e a sua experiência fazendo mentoria com as principais lideranças da companhia no Brasil.

Estagiário de Jorge Paulo Lemann

Formado em economia na PUC do Rio de Janeiro, na década de 80, ele teve aulas com professores do quilate de André Lara Resende e Paulo Guedes. Chegou a trabalhar no Banco Garantia, de Jorge Paulo Lemann, mas o amor pelo vôlei falou mais alto. Jogou na seleção brasileira, foi medalhista de prata na Olimpíada de Los Angeles como atleta e acabou se tornando um dos técnicos mais vitoriosos do mundo.

Sua experiência liderando times acabou atraindo empresas interessadas em suas palestras e também a faculdade onde se formou. Atualmente, ele dá aulas de noções de liderança para jovens universitários na PUC do Rio de Janeiro. E, para administrar o tempo e tantos investimentos, conta com a ajuda de seus quatro irmãos.

Mas o que o esporte e a experiência de Bernardinho podem agregar ao mundo corporativo? “Minha indústria não produz nenhum produto ou serviço. Minha indústria é de gente. Esporte é gente, performance, cultura, disciplina, valor”, afirma. É conectar pessoas a um único propósito.

"Resiliência é o nome do jogo, consistência é o nome do jogo, é esporte na veia”, diz Bernardinho

Bernardinho ressalta a importância da consistência e lembra de quando chegou ao comando da seleção brasileira masculina, em 2001. O País era o quinto no ranking mundial, ganhava aqui, perdia ali. Pois, há 18 anos, o Brasil é o líder do ranking mundial. “Éramos a ‘quinta empresa’ e a ideia era chegar ao topo. Mas o desafio não é só chegar lá, é como se manter lá”, diz.

Na cartilha dele, há outros ensinamentos como a energia que se gasta no processo de trabalho. “Chegar no horário? Depende de você. Dar o seu máximo no treinamento? Depende de você. Mas fazer um ataque e saltar um metro e meio não depende tanto porque nem todos têm essa capacidade.” Ou seja, não dá para cobrar o mesmo desempenho de todos.

A resiliência é outro fator determinante no esporte e no mundo empresarial. “Se não for resiliente, esquece, não vai empreender. Quantas crises, certamente, a família Birman não enfrentou nessa longa trajetória? E está aí brilhando. Resiliência é o nome do jogo, consistência é o nome do jogo, é esporte na veia.”

Tudo isso é, de fato, crucial tanto em times vencedores no esporte como em empresas, mas em todos é preciso de uma pessoa que lidere pelo exemplo. “Quando os caras da Arezzo olham o Alexandre, com o gás dele, não dá para dar menos do que 100%”, afirma.

Bernardinho traz o exemplo da seleção e de seu capitão, o líbero Serginho, que foi um dos grandes jogadores da equipe nacional. “O Serginho entrava na quadra e dava 100%. E não permitia que as pessoas a sua volta não dessem 100%. Senão, o pau quebrava.”

Indagado pelo NeoFeed sobre seu estilo em quadra, por gritar com os atletas, ele explica o jeito tão marcante. “Eles sabem o quanto me dedico a eles. É desrespeitoso da minha parte não ser exigente com alguém que tenha potencial. Agora, há ambientes e ambientes. Não precisa andar no escritório e sair gritando. No ginásio, você não se ouve. Você não passa informação, você grita informação”, afirma.

Rony Meisler, CEO da AR&Co, fala de Bernardinho com muita admiração e traça um paralelo entre ele e Bill Campbell, o coach americano que influenciou Jeff Bezos, da Amazon; Steve Jobs, da Apple; Larry Page, do Google, entre outros grandes nomes do Vale do Silício.

Campbell foi técnico de futebol americano na universidade de Columbia e após encerrar sua carreira no esporte, na década de 1970, se dedicou a dar mentoria a algumas das mentes mais brilhantes da indústria de tecnologia.

Depois de morrer, em 2016, sua história virou livro: “O coach de um trilhão de dólares – O manual de liderança do Vale do Silício”, escrito por alguns de seus mentorados, entre eles, Eric Schmidt, que ocupou a presidência do Google.

“No exterior, é muito comum ver atletas e técnicos participando de conselhos ou investindo em empresas”, diz Meisler ao NeoFeed. “Eles têm muito a ensinar sobre ritual, superação, disciplina e entrega de metas”, afirma.