Dias atrás, a revista americana Forbes divulgou que a cantora Rihanna havia atingido uma fortuna pessoal de US$ 1,7 bilhão. Mas o mais impressionante nessa conta é que, desse total, os ganhos com a música são quase periféricos.

A maior parte de seu patrimônio, mais precisamente US$ 1,4 bilhão, vem de sua participação na Fenty Beauty, marca de cosméticos criada em sociedade com o conglomerado Louis Vuitton Moët Hennessy (LVMH). Em vez de ser uma mera garota-propaganda, ela tem 50% do negócio.

O caso de Rihanna é mais um entre tantos que saltam aos olhos no mercado internacional. O lutador de MMA, Connor McGregor, por exemplo, foi o esportista mais bem pago do mundo, superando Messi e Cristiano Ronaldo. Motivo: vendeu sua participação na marca de uísque Proper Twelve, que ele promovia, por US$ 150 milhões.

No Brasil, aos poucos, esse movimento começa a ganhar corpo: artistas recebendo equity em startups para promovê-las junto ao grande público e investidores, ajudá-las no desenvolvimento de produtos e, até mesmo, participar do board dessas companhias.

O casal de atores Giovana Ewbank e Bruno Gagliasso, que até pouco tempo atrás eram sócios da fintech CredPago, agora são acionistas da Loft, depois que a proptech pagou R$ 1,4 bilhão na participação de 49% do BTG Pactual na empresa.

A mais recente estrela a jogar luz a esse negócio foi a cantora Anitta, anunciada, em junho, como acionista e membro do conselho de administração do Nubank, fintech com uma avaliação privada de US$ 30 bilhões e que se prepara para abrir capital na Nasdaq até o fim do ano.

Ao lado de Anitta nas negociações que culminaram na sua participação no maior banco digital do mundo, estava Pedro Tourinho, sócio da empresa de gerenciamento de carreira de artistas MAP Brasil, da agência de engajamento Soko, do site BuzzFeed e investidor da plataforma de podcasts Orelo e da grife de camisetas Milk Supply.

Além de gerenciar os contratos de Anitta, sua agência cuida da carreira de artistas como Fernanda Paes Leme, Regina Casé, Bruno Mazzeo e Astrid Fontenelle, entre outros. E Tourinho, um publicitário baiano de 41 anos, tem percebido um movimento cada vez maior de startups buscando o mesmo modelo de negócio fechado com Anitta.

“Muitas startups têm procurado artistas”, diz Tourinho ao NeoFeed. “Do setor imobiliário, do setor de educação, do setor de cosméticos. O mercado vinha tateando sem ninguém executar. Agora, com Anitta fazendo, abriu alguns caminhos. Vejo, nos próximos meses, algumas empresas anunciando mais relações desse tipo.”

Mas, afinal, o que uma empresa ganha com isso? Não seria melhor pagar apenas por publicidade em vez de pagar com equity? E os riscos de colocar uma personalidade no cap table da companhia? Nesta entrevista que segue, Tourinho responde a essas e outras questões. Acompanhe:

Nos Estados Unidos, o mercado de gerenciamento de carreiras é muito profissionalizado. Como é aqui no Brasil?
No Brasil, você tem uma estrutura de agências de publicidade muito organizada e cada vez mais consolidada, uma estrutura de veículos de distribuição cada vez mais organizada e produtoras de vídeo consolidadas como a O2, Conspiração, Estúdios Globo e estúdios da Record. Mas a área de talentos, da economia criativa, ainda é um caos. É completamente desorganizada, ao mesmo tempo em que é uma área superimportante porque tem muita influência. Historicamente, celebridades sempre tiveram muita influência. Minha estratégia como empreendedor vai da ideia de montar um ecossistema de valor ao redor dos talentos e da criatividade.

Como a criatividade tem se inserido na economia?
O papel do criador de conteúdo, do artista, no mercado econômico cresceu muito. Isso vai desde um cliente pagar por um post de um influenciador, passando por marcas que buscam ter embaixadores, empresas que querem que o influenciador seja parte do negócio, até empresas que querem que o artista seja sócio do negócio. Isso vem crescendo muito.

Mas ainda não é muito comum...
O desafio é tornar isso mais comum. Muitas empresas têm me procurado para montar esse tipo de negócio. Mas a marca tem que ter uma relação simbiótica com o artista. Isso é muito interessante porque o processo desse tipo de relacionamento parte da perspectiva do indivíduo. Não é um acordo entre empresas. Não posso ter um vegano para uma empresa alimentícia, isso vai dar errado. Não posso ter uma pessoa que faça um acordo com a Samsung e que não use Samsung.

“Para ter equity numa empresa, para trabalhar num formato de conselho ou para estar mais no dia a dia, o artista tem que ter espírito empreendedor”

Como saber se o artista tem aderência para ter equity?
Primeiro, para ter equity numa empresa, para trabalhar num formato de conselho ou para estar mais no dia a dia, o artista tem que ter espírito empreendedor. Senão, não vai dar certo. Imagina uma pessoa que tem de se preocupar em compor música, se maquiar, fazer show, subir no palco, descer do palco, entrar numa reunião de conselho para ver as planilhas financeiras, ou dar uma opinião sobre uma embalagem do produto. Se não tiver uma verve empreendedora, de correr atrás e ter muito prazer de realização, não funciona.

E os artistas têm essa veia?
Alguns têm e outros não têm.

Quais têm?
Para mim, os dois grandes casos são Anitta e Bruno Gagliasso. Eles têm isso de fazer mil coisas, de ter uma visão do negócio, de querer entender e aprender sobre cada negócio.

O Luciano Huck tem isso...
Sim, lá atrás ele foi precursor nisso. Quando esse mercado aqueceu, ele já estava com o fundo dele (Luciano Huck é sócio do Igah Ventures). O Felipe Neto também tem isso. Esse espírito empreendedor é muito importante.

Mas você sente um aumento de procura das empresas buscando artistas e oferecendo equity?
Sim. Esse mercado de equity começou lá atrás com o Ashton Kutcher, em 2010. As startups procuram mais do que as empresas grandes. Normalmente, as startups procuram oferecendo equity e as empresas grandes procuram para ser embaixador. Não tem como ser sócio da Ambev, da Nestlé, da Unilever, é um baita processo. No caso das startups é mais simples. E, como não elas têm muito dinheiro ainda, é perfeito. É um momento em que um precisa do outro. O artista empresta a imagem, recebe um percentual e lá na frente ganha. O Bruno Gagliasso ganhou milhões com a venda da CredPago para a Loft. Esse é um case em que aconteceu exatamente isso.

“Não tem como ser sócio da Ambev, da Nestlé, da Unilever, é um baita processo. No caso das startups é mais simples. E, como não elas têm muito dinheiro ainda, é perfeito”

Como surgiu a entrada da Anitta no Nubank?
Foi um convite do Nubank. A Cristina (Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank) procurou a gente para entender se haveria interesse da Anitta e se teria o perfil. Se você pensar bem, que outra mulher latino-americana, no mundo, tem tanto domínio, na palma da mão, do público do Nubank quanto a Anitta? Não tem.

Por que você diz isso?
Ela é uma mulher jovem, que já esteve fora do sistema financeiro e que entrou no sistema financeiro. Ela tem 52 milhões de seguidores, provavelmente no target do Nubank, conectados com as redes sociais dela. Ela leva as redes sociais dela, tem o termômetro muito quente do que essa geração quer. E não só no Brasil, que é a maior base, como na Argentina, em Porto Rico, na Colômbia, no México, na Flórida, na Califórnia. Além disso, ela é empreendedora e tem tesão para aprender e para mexer o ponteiro. E tem uma imagem muito forte. Olhando de trás para frente, mesmo com a surpresa do mercado na época, me parece muito óbvio ter uma mulher com essas características de trazer o conhecimento e o engajamento de uma audiência, literalmente, na palma da mão.

Ao mesmo tempo em que gerou uma repercussão positiva, criou-se também uma reação negativa. Muita gente no mercado financeiro torceu o nariz, disse não tinha nada a ver ela no conselho de administração em um banco. Além disso, nas redes sociais, vieram hashtags jocosas chamando o Nubank de Cúbank. Como você encara isso? Não há perigo também para uma empresa de se associar com uma pessoa?
O ecossistema de mídia mudou muito. Se você quer estar inserido nos diálogos digitais dessa geração, você não vai ter só biscoito positivo. Onde tem lover, tem hater; onde tem hater, tem lover. Isso vale para tudo. Qualquer pessoa influente hoje tem uma carga de hater gigantesca, como também tem de lover. Uma hashtag negativa grande, uma hashtag positiva grande. Isso é uma condição do nosso tempo. Digo para as marcas com as quais trabalho que elas têm de aprender a lidar com haters. Se você faz sucesso, você tem hater. Às vezes, por ter estado tão distante desses diálogos nos últimos anos, o mercado financeiro e empresas tradicionais não estão acostumadas a lidar com haters. Para Anitta e para muitas celebridades que lidam com milhões de pessoas todos os dias, hater é uma grande paisagem, não afeta em nada.

“Se você quer estar inserido nos diálogos digitais dessa geração, você não vai ter só biscoito positivo. Onde tem lover, tem hater; onde tem hater, tem lover. Isso vale para tudo”

No caso específico de Anitta, não atrapalha?
Da minha experiência com Anitta, que tem hater desde o dia um até hoje, como também tem uma base de fã clube gigantesca, não é um problema. Temos contratos com marcas, no mínimo, com três anos para trás e mais três ou quatro anos para frente. São marcas que já entenderam que é assim que funciona o mercado hoje e como lidar com ele. Não dá para ficar chateado com hater. Hater é sinal de sucesso. Mas o CMO (Chief Marketing Officer) fica louco porque o post da campanha tem 500 comentários negativos. Mas tem mil e quinhentos positivos.

Depois do contrato da Anitta com Nubank, aumentou a busca de empresas por esse tipo de contrato com equity?
Aumentou muito. Para a Anitta continua chegando, mas estamos dando uma segurada nisso. Muitas startups têm procurado artistas.

De que áreas?
Do setor imobiliário, do setor de educação, do setor de cosméticos. O mercado vinha tateando sem ninguém executar. Agora, com Anitta fazendo, abriu alguns caminhos. Vejo, nos próximos meses, algumas empresas anunciando mais relações desse tipo.

A cantora Anitta (centro) entre Cristina Junqueira e David Vélez, os cofundadores do Nubank

O que uma startup busca nesses artistas?
A primeira coisa é uma calibragem de posicionamento, uma personalidade que tenha fit com o mercado que a companhia atua e que explique o que ela faz. O segundo ponto é atenção na mídia. Trazer atenção para aquela startup que busca investidores e consumidores. Se você botar uma estrelinha dourada em cima da sua startup com uma notícia de uma celebridade que tenha credibilidade e público, você avança algumas casas nessa corrida pela próxima série de investimento, pelo próximo round. E, em terceiro lugar, esse contato com o público. Não só uma rede de audiência, mas uma rede de negócios, de influência dos artistas. Isso é muito importante para quem está chegando, uma relevância social que abre portas que, muitas vezes, o fundador não tem.

Em média, quanto que as empresas oferecem de equity?
Isso varia. A equação que a gente faz é valorar o quanto seria o trabalho de cessão de imagem, as entregas, a credibilidade do artista e a presença dele na empresa. Com isso, fazemos a valoração da empresa, entendemos esse match de valores no round atual e travamos isso por um tempo.

Tem uma trava de permanência?
No mínimo dois ou três anos.

Você já imaginou um IPO de um artista?
Eu penso no IPO da obra de um artista. Um IPO de um artista é muito complicado porque é um indivíduo. Pode estar sujeito a atravessar a rua e um caminhão te atropelar, aí acabou o IPO. Sou muito pragmático em relação ao mercado financeiro com conteúdo e propriedade intelectual. Só dá para comprar o que dá para vender. Quando vejo anúncios de que um determinado fundo comprou dois anos de shows de um determinado artista, fico curioso para saber como foi esse negócio.