O documentarista Nathan Grossman foi a primeiro a seguir os passos da adolescente sueca que boicotava as aulas para protestar contra as mudanças climáticas. Até agosto de 2018, ninguém ainda tinha ouvido falar de Greta Thunberg, a ativista ambiental que ganhou status de celebridade.

O que se vê nas primeiras cenas de I Am Greta é uma menina de tranças no cabelo aparentemente tímida, sentada no chão. Ela está em frente ao Parlamento sueco, em Estocolmo, ao lado de um cartaz, onde escreveu a mão, “Skolstrejk för klimatet” (Greve escolar pelo clima).

“Inicialmente, a ideia era retratar a relação das crianças com a crise climática”, afirmou o cineasta, durante evento online que teve cobertura do NeoFeed. “E o assunto estaria relacionado com as eleições gerais suecas (que seriam realizadas em setembro de 2018).”

Do escritório de sua produtora, em Estocolmo, Grossman contou como o documentário tomou outro rumo rapidamente, concentrando-se na adolescente, agora com 17 anos. I Am Greta é uma das atrações desta 45ª edição do TIFF, o Festival Internacional de Cinema de Toronto, que será encerrado nesta sábado, 19 de setembro, após projeções virtuais e com público presente.

“O próprio documentário registra como a mídia local logo se interessou por Greta, por ela ser muito articulada ao falar do assunto”, disse Grossman. Ao conceder entrevistas, suas respostas contundentes e carregadas de informações científicas não eram típicas de uma menina da sua idade.

Assim que Grossman prestou mais atenção em Greta, que não tem medo de falar exatamente o que pensa, o cineasta percebeu estar diante da protagonista de seu filme. Isso explica a sua escolha narrativa, a de apresentar um retrato da jovem ativista, seguida por mais de 4 milhões de pessoas no Twitter.

Tudo é filtrado pela perspectiva da menina, que fundou o Fridays for Future (Sextas-feiras para o Futuro). O movimento inspirou milhões de jovens, de mais de 100 países, a exigirem, por meio da greve estudantil, medidas sérias para combater as alterações climáticas.

“Queria entender o monólogo interno de Greta, aquele barulho que fica girando em nossa cabeça. É ele que dá forma às palavras que saem da nossa boca ou dos nossos dedos, quando escrevemos”, afirmou o diretor.

Ainda sem data de estreia no Brasil, o longa-metragem não traz as tradicionais entrevistas com familiares e amigos para tentar entender quem é a personagem. O que serviu de alicerce foi o próprio diário da ativista, dando ao espectador a sensação de estar no mundo de Greta.

A garota foi diagnosticada com Síndrome de Asperger, um transtorno do espectro do autismo, aos 12 anos. Greta aborda o assunto naturalmente no filme. Dá a entender que a sua forma particular de ver o mundo talvez explique o foco fervoroso que ela põe na questão climática. É comum o portador da síndrome ter uma fixação por certa área de interesse.

Antes de abraçar a campanha para salvar o mundo, Greta admite no documentário que não tinha amigos e não falava com ninguém

Antes de abraçar a campanha para salvar o mundo, Greta admite no documentário que não tinha amigos e não falava com ninguém. “Só ficava sozinha em casa, com um distúrbio alimentar”, contou a menina, que chegou a emagrecer 10 quilos em dois meses.

Ainda que a Síndrome de Asperger seja uma forma mais branda de autismo, isso não impede a ativista de apresentar até hoje crises nervosas. Algumas sobrecargas emocionais, que o portador da síndrome geralmente não controla, são vistas no filme. A adolescente tem uma situação de estresse ao falar da responsabilidade que carrega nos ombros, dizendo que o fardo nem deveria ser dela.

“Tive acesso a momentos mais íntimos por ter ficado próximo da menina e de sua família, antes de Greta se tornar uma espécie de estrela do ativismo ambiental. Mesmo assim, tínhamos um acordo: Greta sempre me avisaria se não quisesse ser filmada em determinada situação”, afirmou o diretor.

O documentarista seguiu Greta por mais de um ano, incluindo nos seus trajetos de carro elétrico e nas viagens de trem ou mesmo de barco. Ele registrou a jornada de 15 dias em que a garota cruzou o Atlântico a bordo de um veleiro de regata, partindo do Reino Unido rumo a Nova York, para participar da Assembleia Geral das Nações Unidas.

A ativista se recusa a viajar de avião e mantém uma alimentação vegana – até convenceu os pais a não comerem mais carne. O fato de Greta seguir à risca o que ela prega, em sua luta contra o aquecimento global, é outro fator que encoraja a mídia a manter o foco nela.

“Greta tem noção de como o seu histórico familiar privilegiado (por ser filha de um ator e de uma cantora de ópera) torna as coisas mais fáceis para ela”, disse Grossman, lembrando que Greta deixa claro que justiça climática se faz com justiça social. “Ela fala em nome das pessoas que não recebem a mesma atenção.”

Se, por um lado, a ativista é recebida por personalidades como o Papa Francisco e o presidente da França Emmanuel Macron, em encontros registrados no filme, há um preço a pagar por tanta visibilidade. O ódio por Greta também é grande.

Governantes como Jair Bolsonaro, o russo Vladimir Putin e o americano Donald Trump figuram no documentário como seus oponentes. “Greta já falou que os índios morreram porque estão defendendo a Amazônia. É impressionante a imprensa dar espaço para uma pirralha dessa aí. Uma pirralha!”, afirmou Bolsonaro, em trecho reproduzido no filme.

Eleita a Pessoa do Ano de 2019 pela “Revista Time”, Greta aparentemente não se intimida com a oposição. “Talvez o mundo precise de mais pessoas com Asperger”, resumiu ela.

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