Os fundos de crédito privado viveram a tempestade perfeita no primeiro quadrimestre, com os eventos Americanas e Light, além de problemas na Tok&Stok, Grupo Petrópolis, Marisa, entre outras empresas. Em menos de 120 dias, houve um resgate superior a R$ 120 bilhões.
A gestora Sparta ligou o sinal de alerta nesse período, ficou no zero a zero entre captação e resgates e agora se prepara para atrair novos investidores. “Começamos o ano com pouco mais de R$ 8 bilhões e estamos novamente nos R$ 8 bi. Projetamos no fim do ano chegar a R$ 10 bilhões”, afirma Ulisses Nehmi, CEO da Sparta.
Com 12 estratégias de fundos de crédito privado para o investidor, a confiança da Sparta para captar R$ 2 bilhões em pouco menos de seis meses está ligada ao comportamento histórico do poupador brasileiro.
Em um movimento de alta da taxa básica de juros, é natural uma transferência rápida dos ativos de risco para aqueles de maior liquidez. Mas, na queda, o deslocamento é lento: dos títulos públicos pós-fixados para CDB, depois para LCI e LCA, em seguida para fundos de crédito privado, imobiliários, multimercados e ações.
“Quando o juro está subindo, tem até um pouco mais de atração para a renda fixa. Mas se formos ver o que aconteceu no último movimento de queda da Selic, quando caiu de 14,25% [a partir de janeiro de 2017], foi uma captação acelerada dos fundos de crédito”, afirma Nehmi.
De acordo com dados da Anbima, os Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDC) tiveram resgate de R$ 6,4 bilhões em 2016 e uma captação de R$ 5,9 bilhões no ano seguinte. E os Fundos de Investimento em Participações (FIP) aceleraram de R$ 18,1 bilhões para R$ 28,4 bilhões em 2017.
Em maio e junho deste ano, os resgates dos FIDCs foram de R$ 11,8 bilhões e R$ 5,4 bilhões, respectivamente - os dados de julho ainda não estão disponíveis. O saldo do ano ainda está negativo em R$ 110 bilhões, segundo a plataforma TradeMap.
“Em julho, já vimos uma demanda maior dos investidores, retomando o ritmo de captação. E isso deve acelerar não apenas para a Sparta, mas para o mercado como um todo”, afirma Nehmi.
Em 17 de julho, o Sparta Debêntures Incentivadas, com aplicação mínima de R$ 1 mil e taxa de administração de 0,8%, foi reaberto para captação - ainda sem prazo de fechamento. Esse fundo aberto tem patrimônio líquido de R$ 373 milhões e prazo de resgate D+30.
Quatro dias antes, a gestora abriu uma rodada de captação para o Sparta Infra CDI, um fundo de renda fixa listado na B3. A ideia era conseguir R$ 40 milhões, mas foi preciso atender a alta procura com o lote adicional.
No encerramento, em 24 de julho, o total chegou a R$ 49,4 milhões, com a participação de três fundos de investimento e 622 investidores individuais. O patrimônio total desse fundo saltou para R$ 80 milhões.
“O que deixa um fundo de crédito privado mais sofisticado é um prazo de resgate maior. Por isso, um fundo listado em bolsa passa a ser incrível para o gestor, pois não há risco de resgate. Então, posso tomar mais risco de liquidez”, diz o CEO da Sparta.
Ao contrário dos fundos de investimento abertos, nos quais os resgates podem ser pedidos a qualquer momento pelo investidor - respeitando o tempo de cotização - e mexem com o total sob gestão, os fundos listados em bolsa são fechados e não mudam o montante que o gestor pode alocar em sua estratégia. O investidor só pode negociar sua cota no pregão, como uma ação.
Além do Sparta Debêntures Incentivadas, há outros dois listados em bolsa: o Sparta Infra FIC FI-Infra, que é composto por uma carteira de debêntures incentivadas e patrimônio líquido de R$ 470 milhões, e o Sparta Fiagro FI, que investe em certificado de recebíveis do agronegócio (CRA) e tem R$ 30 milhões de patrimônio líquido.
Com cerca de R$ 400 milhões (5% dos ativos sob gestão da gestora) em fundos listados, a ideia da Sparta é dobrar essa participação neste ano. Para isso, será preciso lançar novos produtos, algo que não está, neste momento, nos planos de Nehmi, ou reabrir os três já existentes para novas captações.
De acordo com relatório publicado em 25 de julho pela equipe de análise de fundos da Empiricus, formada pelos analistas Bruno Mérola, Alexandre Alvarenga e Pedro Claudino, a "gestora já está planejando novas captações para os próximos dois semestres, para investidores private e para o varejo".
"Assim como ocorreu na última oferta, é bastante provável que a Sparta venha a arcar com todos os custos, ou seja, taxa zero para o investidor, trazendo alinhamento e confiança à base de cotistas de longo prazo que desejam construir”, informa um trecho do relalório.
High grade ou morte?
A Sparta foi criada em 1993 pelo engenheiro agrônomo Victor Nehmi, pai de Ulisses. Inicialmente, começou com fundos multimercado. Hoje, 99% dos ativos sob gestão estão na renda fixa. E a preferência da casa são títulos high grade (aqueles com notas de crédito mais altas e menor risco de default, ao contrário do high yield, que paga um prêmio maior, proporcional ao risco).
“Costumamos brincar que gestora high grade é criada por engenheiro, que faz conta e analisa. Já high yield é gestora de advogado, porque tem de amarrar bem as garantias, saber fazer diligência profunda e entender se do outro lado há algo de boa índole, com governança adequada”, diz Nehmi.
Mas títulos high grade são bastante disputados, a não ser que haja uma bagunça e um mercado secundário em ebulição. Um exemplo de oportunidade para a Sparta aconteceu durante os eventos da Americanas e da Light.
No momento em que Sergio Rial, o ex-presidente da Americanas que revelou o problema contábil de R$ 20 bilhões, apresentava as explicações na sede do BTG, o CEO da Sparta conta que o time começou a vender alguns ativos para fazer caixa esperando um “caminhão de resgate”. No fim de janeiro, os pedidos foram menores do que eles haviam se preparado.
“Com Americanas foi fraude e em três dias os títulos estavam marcados a 10%. Em Light, foi bagunça. Ela contratou uma consultoria que costuma maltratar os debenturistas, mas continuava marcada a 100% nas carteiras dos fundos”, conta Nehmi.
Com um caixa acima de 20%, a Sparta aproveitou para abrir a “boca de jacaré” e comprar bons títulos para seus fundos. Um exemplo foi a debênture de uma empresa de linha de transmissão de energia, triplo A, que é o tipo de crédito de mais alta qualidade, pela previsibilidade de receita da companhia, pagando IPCA + 8%, isento de imposto de renda e com duration de quase uma década.
“Quando você comparava com o título público, tinham 200 basis points de diferença. Esses 2% ao ano a mais, em uma aplicação travada por oito, 10 anos, é um espetáculo. Nunca tinha visto isso acontecer antes”, diz Nehmi.
Naquele início de 2023, o mercado secundário foi chacoalhado. O volume de negociação mensal, que girava entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões, dobrou. O motivo era a obrigação dos gestores com fundos com resgate em D+1 terem de se desfazer de suas posições. Isso criou liquidez e oportunidade para quem estava com dinheiro em caixa.
“Um evento que pode não ter nada a ver com crédito pode gerar um monte de resgate. Preferimos não ser o gestor obrigado a vender a qualquer preço e sim aquele comprando esses ativos”, diz Nehmi.
Para o CEO da Sparta, o grande evento deste segundo semestre para a renda fixa é a queda da Selic. Segundo ele, para quem pensa que gestores gostam de juro alto, não entendem que por trás de altas taxas há uma piora na métrica das empresas e um desafio maior de análise.
“Gestor de renda fixa gosta de juro no lugar certo. Juro para baixo é bom, mas não pode voltar para 2%, né?”, afirma ele.
Assim como a Sparta, outras gestoras estão de olhos abertos às oportunidades da renda fixa privada. A Kinea, por exemplo, braço de investimentos alternativos do Itaú Unibanco, concentra R$ 17,8 bilhões em ativos sob gestão em renda fixa e quer dobrar de tamanho.