Depois de um 2021 histórico para ofertas públicas iniciais de ações (IPOs), com 46 operações que movimentaram um volume recorde de R$ 65,6 bilhões, a B3 registra uma seca pesada neste ano – nenhuma empresa ousou abrir capital no primeiro semestre. 

A combinação de juros e inflação em alta, mais eleições presidenciais, levou potenciais candidatos a novos membros da Bolsa de Valores a segurarem seus planos, a ponto de muitos analistas cravarem 2022 como perdido para o mercado de capitais como um todo. 

Mas para Roderick Greenlees, global head do Investment Banking do Itaú BBA, o ano pode acabar com um tom mais positivo, graças às operações de follow-ons. Com o fim do período eleitoral, ele acredita que companhias conhecidas pelo público podem se aventurar na Bolsa em busca de recursos. 

“A partir do quarto trimestre, acho que podemos ter follow ons e, eventualmente, alguns IPOs”, diz ele ao NeoFeed. “A gente pode terminar o ano com algo entre 20 a 30 operações, considerando todo o mercado.”

Para Greenlees, que comanda a área responsável por estruturar essas operações no Itaú BBA há seis anos, o follow-on é mais simples de estruturar, pelo fato de as empresas já serem conhecidas do mercado, e é mais fácil de vender aos investidores num momento de turbulência como o atual.

Até o momento, foram registradas 14 ofertas de follow-on na Bolsa brasileira, que movimentaram R$ 52 bilhões, com destaque para a privatização da Eletrobras, cuja operação totalizou R$ 33,7 bilhões.

O Itaú BBA participou de oito dessas operações, coordenando a oferta da PetroRecôncavo em junho, que movimentou R$ 1 bilhão, e atuando na oferta Eneva, também em junho, que totalizou R$ 4,2 bilhões.

"Podemos chegar a um total de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões no fim do ano, dependendo das operações no quarto trimestre", afirma. 

Greenlees não descarta a possibilidade de ocorrerem IPOs ainda nesse ano, mas considera que uma retomada consistente dessas operações dependerá de uma estabilização da situação macroeconômica. Principalmente de sinalizações de que a inflação começará a ceder e a taxa de juros começará a ser reduzida. 

"Na projeção do banco, indicamos que isso pode acontecer ao longo do segundo semestre do ano que vem. Como o mercado normalmente se antecipa às tendências, acho que tem uma boa chance de retomar as transações de IPO a partir deste momento", diz. 

Entre os potenciais candidatos para reiniciar as operações, Greenlees vê os setores de infraestrutura e commodities como os mais preparados para acessar o mercado de capitais. Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

A expectativa para este ano era de uma desaceleração na quantidade de IPOs e no começo do ano vimos um volume elevado de follow-ons, mas essas operações deram uma recuada agora. O que aconteceu? Não há mais interesse das empresas nesse tipo de operação?
Era esperada uma retração neste ano [em IPOs]. Nós já esperávamos uma inflação maior e uma taxa de juros maior afetando, por consequência, o mercado de capitais. E tem a eleição presidencial, que sempre traz mais volatilidade. A surpresa foi que a inflação veio mais forte e, por consequência, o ajuste na taxa de juros também foi maior do que nós esperávamos. Houve também um efeito global, gerado pela guerra, pelos contínuos lockdowns na China. Estamos vendo os bancos centrais na Europa e nos Estados Unidos correndo atrás da curva. Com uma taxa de juros maior, o efeito sobre o mercado de capitais foi mais forte do que esperávamos. Em relação ao follow-on, ele é mais fácil de levantar do que um IPO. O que aconteceu neste ano é que, até pela correção, várias companhias perderam muito valor, e daí não justifica ser diluído no preço atual. Mas não vamos esquecer que, nesse período, fizemos a privatização, através de um follow-on, da Eletrobras. Tivemos ainda outros grandes follow-ons, como foram as operações de PetroReconcavo, Eneva, BRF. Acho que o saldo acabou sendo bom. 

O primeiro semestre surpreendeu em termos de quantidade e volume de follow-ons?
O follow-on da Eletrobras era o evento mais importante do semestre, e não tínhamos certeza no começo do ano se teríamos mercado e todas as aprovações para realizar a operação. As duas coisas acabaram se materializando, o que acabou sendo muito bom e a operação foi executada. Em relação as demais operações, foi um bom momento e acho que poderíamos ter executado um pouco mais se o mercado não estivesse tão volátil nas últimas semanas do primeiro semestre. 

A reabertura do mercado de forma consistente depende de uma indicação de que a inflação está sob controle e os juros vão cair

Em termos de operações, podemos esperar algo a mais até o fim do ano? O calendário eleitoral vai prejudicar?
O calendário eleitoral era conhecido, então é natural que a gente não tenha um número relevante de operações no terceiro trimestre. Tem também as férias no hemisfério norte, que também têm efeito sobre nossa capacidade de executar transações. Não espero muita coisa para este período. A partir do quarto trimestre, acho que podemos ter follow-ons e, eventualmente, alguns IPOs. A gente pode terminar o ano com algo entre 20 a 30 operações. Provavelmente, a maioria [das operações no segundo semestre] será follow-ons, porque enquanto não tivermos uma indicação de que a inflação foi controlada e que a taxa de juros vai cair ao longo de 2023, não será tão fácil realizarmos IPOs este ano. Existem talvez algumas exceções, porque temos alguns setores, como infraestrutura, a parte de commodities, ainda em patamares bons de avaliação, talvez a gente consiga realizar IPOs nestes setores. O volume consolidado de operações em 2022 está em torno de R$ 50 bilhões e podemos chegar a R$ 70 bilhões ou R$ 80 bilhões no fim do ano, dependendo das operações no quarto trimestre. 

O que tem motivado as empresas a realizarem um follow on em um cenário volátil?
Essas empresas têm projetos orgânicos, projetos internos que demandam recursos, e acabam acessando o mercado para se financiarem. Pode haver também uma aquisição, uma transação inorgânica. São companhias que ainda têm perfil de crescimento e que, apesar de um crescimento menor do País em 2022 e 2023, ainda têm projetos de expansão. 

Vocês no Itaú BBA têm sentido essa demanda em conversas com companhias, de buscar follow-ons?
Temos conversas recorrentes. Várias companhias nos procuram apresentando seus projetos de negócios, perguntando como elas podem se financiar. Se já for uma empresa listada, cujas ações não sofreram tanto… Há algumas que sofreram bastante que não faz sentido diluir depois de uma correção tão grande. Mas existem outros setores que não foram tão afetados e nesse caso a gente pode sugerir um follow-on. Foi o caso da Eneva, da PetroRecôncavo, da BRF, da CBA, que foi um follow-on secundário, da Fras-Le.

No caso de M&As, como está o ritmo de operações? Acredita que o atual cenário pode abrir oportunidades para esse tipo de operação? Como está a demanda por assessoramento?
Em anos em que o mercado de capitais acaba sofrendo, a atividade de M&A cresce. Há vários fundos de private equity que estão bastante capitalizados e que podem ser uma alternativa, quase uma ponte entre a empresa privada e o momento do seu IPO. É uma operação que cresce nesse momento, temos várias conversas que envolvem eventuais vendas de participações para fundos. E tem empresas já listadas em Bolsa que podem usar suas ações como uma forma de pagamento, como foi a operação anunciada recentemente entre Hermes Pardini e Fleury, e a combinação de Rede D’Or e da SulAmerica. Isso mostra que tem um diálogo recorrente entre companhias do mesmo setor, que têm ações listadas e acreditam que seria interessante se juntarem nesse momento. Tem um número grande de operações de M&A em execução, transações mandatadas e que estão sendo executadas, e outras em discussão. 

Você vê algum setor mais aquecido em M&As, alguma característica que companhias alvo possuem?
São os setores que demandam muito capital e que estão em crescimento, como infraestrutura, a parte de saneamento, de aeroportos, de rodovias. Você tem o setor de saúde, que ainda cresce bastante no Brasil. Na parte de commodities, também tem empresas muito bem avaliadas, até pela desvalorização cambial, pelo preço de suas commodities.  

Quando poderemos ver uma retomada na quantidade de IPOs?
No ano passado, foram 46 IPOs realizados. Para voltar a esse patamar, acho que pode demorar um pouco. A reabertura do mercado de forma consistente depende de uma indicação ao mercado, aos investidores, de que a inflação está sob controle e que a taxa de juros pode vir a cair. Na projeção do banco, isso pode acontecer ao longo do segundo semestre do ano que vem. Como o mercado normalmente se antecipa às tendências, acho que tem uma boa chance de retomar as transações de IPO a partir desse momento. Pode ser ao longo do primeiro semestre do ano que vem, se o mercado entender que a inflação está sob controle, que vai haver uma redução da taxa de juros a partir do segundo trimestre ou semestre do ano que vem. Isso não quer dizer que não teremos IPOs até o ano que vem. A gente pode ter algumas operações pontuais. 

Em anos em que o mercado de capitais acaba sofrendo, o M&A cresce, Há vários fundos de capitalizados e que podem uma ponte entre a empresa e o IPO

Você enxerga esse cenário para IPOs com otimismo? 
Para 2022, se tivermos três, quatro, cinco IPOs, já será um bom número, dadas as perspectivas atuais. Acho que podemos ver um número maior a partir do ano que vem, se essa projeção se materializar. A gente pode voltar a ter 15 ou 20 IPOs no ano que vem, porque vai ter uma demanda reprimida. Quando o mercado piorou, a partir do terceiro trimestre do ano passado, havia mais de 30 empresas protocoladas, que pretendiam vir ao mercado. Não é por falta de candidatas. Vai depender do cenário macroeconômico. 

Quais riscos você enxerga para esse cenário?
Primeiro, taxa de juros. Se as condições não se mostrarem ideais para que o Banco Central reduza os juros, com uma inflação consistente, vai ter um efeito direto na viabilidade de IPOs. E o cenário global, com o qual temos uma preocupação muito grande. O cenário global passa pela guerra na Ucrânia e as taxas de juros, que ainda precisam chegar a um patamar adequado para conter essa inflação global. Isso já está precificado, as pessoas esperam um aumento importante das taxas nos Estados Unidos e na Europa. Se ficarem nesses patamares por muito mais tempo, ou irem para níveis mais altos do que a gente esperava, pode ter um efeito nas previsões. E também tem a situação na China. Tivemos notícias sobre novos lockdowns, isso também tem efeitos sobre a economia mundial. 

Como o Brasil iniciou o ciclo de aperto de juros antes que as economias desenvolvidas, você acredita que a retomada dos IPOs pode acontecer primeiro no País?
Possivelmente. Dado que temos um mercado de gestores institucionais muito forte aqui no Brasil, se realmente tivermos uma situação macroeconômica mais favorável no ano que vem, a gente pode ver uma retomada aqui e não necessariamente no exterior, que pode demorar um pouco mais. Óbvio, com a participação de investidores estrangeiros, porque a gente não vive somente de distribuir essas operações para investidores brasileiros. O melhor seria se todos os mercados estivessem em um bom momento, para viabilizar um número maior de operações. Mas se isso não estiver acontecendo no exterior e o mercado brasileiro com um novo governo, uma nova indicação na taxa de juros, é possível que o mercado aqui reabra antes do mercado americano. 

Houve muita discussão sobre empresas que entraram recentemente na Bolsa e tiveram desempenho ruim, com alegações de que elas não estavam prontas para virem ao mercado. Como você avalia essas análises?
Quando você tem 40 IPOs em um ano, é óbvio que havia companhias que não estavam bem preparadas, mas outras estavam muito bem preparadas e foram muito bem sucedidas durante um bom período. Agora, houve talvez um ajuste maior em função de uma taxa de desconto maior. É rico para o Brasil, é rico para o mercado você ter um número maior de empresas públicas. Quando você olha o quanto as empresas públicas representam em relação ao PIB, comparado com mercados desenvolvidos, a gente ainda está num patamar muito baixo. Um mercado desenvolvido tem empresas listadas em Bolsa, com acesso a capital de forma recorrente. É um movimento absolutamente correto, quanto mais companhias tivermos listadas em Bolsa, melhor para todos nós, para a economia brasileira.

Para 2022, se tivermos três, quatro, cinco IPOs, já será um bom número, dadas as perspectivas atuais.

Essa situação, e o momento atual, vai resultar numa maior seletividade por parte dos bancos de investimentos?
Sempre me pergunto qual será o perfil da companhia que vai reabrir o mercado. É óbvio que você não vai voltar ao mercado com uma empresa pequena, que era o que estava acontecendo no ano passado. Provavelmente os primeiros IPOs que acontecerão neste final de ano, eventualmente no ano que vem, serão de setores mais estabelecidos, e provavelmente serão operações maiores. A liquidez é muito importante do ponto de vista do investidor. Teremos alguma seletividade, as primeiras empresas que virão ao mercado serão de setores mais estabelecidos e serão transações maiores, de R$ 1 bilhão ou mais. 

Nos últimos anos também vimos muitas companhias brasileiras acessando o mercado no exterior. Veremos um aprofundamento desse movimento daqui em diante? O que teria de ser feito para evitar essa migração?
Se olharmos para os IPOs do ano passado, talvez 10% foram no exterior. É um número importante, mas a grande maioria das operações ainda estava acontecendo no Brasil. As empresas que optaram por fazer uma listagem nos Estados Unidos, ou uma dupla listagem, fizeram isso por uma questão setorial. Aquelas empresas tinham empresas comparáveis as suas listadas nos Estados Unidos, por isso muitas companhias de tecnologia, que não tinham comparáveis no Brasil ou na América Latina decidiram acessar o mercado americano. Não tinha empresa de varejo, consumo, commodities, era muito restrito a fintechs, de tecnologia, quase em sua maioria. Na volta, a gente deve continuar vendo 90% ou mais das companhias listando suas ações no Brasil, eu não acho que muda essa dinâmica. 

Muito se fala que a Bolsa americana possui alguns atrativos para empresas, como a questão do supervoto. Você acha que isso deve ser considerado para garantir que as listagens aconteçam no Brasil?
A Bolsa avalia esse tipo de faculdade, que no mercado americano é comum. Mas ela é muito comum em setores de tecnologia, onde o mercado entende que uma pessoa, ou um grupo de pessoas, tem um papel importante, pelo menos durante um período da companhia. Como essas empresas dependem de seus fundadores - que se forem diluídos e perderem o controle não poderão influenciar o crescimento da companhia- usam essa faculdade de duas classes de ações. É uma razão específica do setor de tecnologia. A B3 e a CVM podem considerar isso no Brasil, e isso pode levar algumas empresas de tecnologia a considerarem listar suas ações no Brasil. Mas esse não é o único motivo, nem o principal, pelo qual essas companhias optaram pelo mercado americano. É muito mais pelo conhecimento maior daquele mercado sobre empresas daquele setor. 

A Bolsa brasileira tem uma concentração muito elevada em nomes de commodities, bancos. Você vê esse perfil se diversificando mais para frente?
É claro. Não temos muitos bancos para vir ao mercado, muitas empresas de commodities. Acho que a tendência é de termos empresas de outros setores compondo o índice [Ibovespa] e isso deve se equilibrar ao longo do tempo. Esse é o objetivo, que o índice não seja reflexo de alguns setores, mas o reflexo da economia como um todo. Até pouco tempo atrás, não tínhamos empresas do setor de saúde listadas em Bolsa, e hoje temos mais de dez companhias, de serviços, hospitais, planos de saúde, diagnósticos. 

Você vê algum setor candidato a grande novidade, que possa crescer como o setor de saúde?
O setor de saúde é um setor recorrente, porque tem uma demanda reprimida no Brasil por serviços privados. Eu acho que ele continua sendo um grande candidato [para IPOs]. O agronegócio também, mas esse é um setor que tem gerado bons resultados, talvez não precise acessar o mercado. Mas é um setor em que temos vantagens competitivas importantes e é sub-representado. Acho que, com o passar do tempo, veremos companhias dessa área acessando o mercado de renda variável.