Na segunda-feira, 15 de junho, mensagem que mais circulou de telefone em telefone, de WhatsApp em WhatsApp, foi justamente uma notícia sobre o próprio WhatsApp. O tão esperado anúncio de que o App atuaria no setor de meio de pagamentos no Brasil deixou o mercado em ebulição.

Afinal, uma big tech, com poder de fogo global, e 120 milhões de usuários no Brasil está entrando no jogo do mercado financeiro. O serviço incluiu Banco do Brasil, Nubank e Sicredi. Além deles, a Cielo, responsável pelo processamento, e as bandeiras Visa e Mastercard.

Pelo serviço, pessoas físicas e empresas poderão transferir dinheiro pelo WhatsApp. Para isso, é preciso ter um cartão de débito ou crédito. As pessoas podem transferir até R$ 1.000 por vez e receber até 20 transações por dia com um limite de R$ 5.000 por mês. Apenas transações dentro do Brasil e na moeda local são autorizadas.

No anúncio da empresa, o que chamou a atenção foi a ausência dos grandes bancos privados no projeto. Nem Itaú, Bradesco ou Santander embarcaram no negócio capitaneado pela rede social do polêmico bilionário Mark Zuckerberg. Na verdade, eles saíram do grupo.

O NeoFeed apurou com profissionais de mercado e de tecnologia que, na verdade, os três bancões disseram que não participariam faltando cerca de um mês para o lançamento do produto. Aliás, coincidentemente, os três teriam comunicado à plataforma na mesma época.

Na ocasião, a justificativa teria sido a de que as equipes de TI dos bancos estavam sobrecarregadas por conta do coronavírus e não conseguiriam dar conta da integração com a plataforma do Facebook. Os bancos também alegaram preocupação com a questão da segurança.

Nos bastidores do mercado, a conversa é outra, é a de que as grandes instituições financeiras não querem dar munição ao WhatsApp e já estão pedindo que o Banco Central analise a solução à luz da lei de meios de pagamento. Outro ponto levantado é que os bancos devem se concentrar na PIX, plataforma de pagamento instantâneo do BC que entrará no ar em novembro.

Procurados, o Bradesco e Itaú disseram, por meio de suas assessorias de imprensa, que não se pronunciariam. O Santander negou que tenha participado do projeto do WhatsApp. Em nota, o banco presidido por Sergio Rial, disse que está “avaliando aderir à modalidade”. O WhatsApp não respondeu até o fechamento dessa reportagem. Já o Banco Central não quis comentar sobre a procura dos grandes bancos e, por meio de sua assessoria de imprensa, se limitou a mandar a seguinte nota.

“O BC está acompanhando a iniciativa do WhatsApp e avalia que há grande potencial para sua integração ao PIX. Entretanto, o BC considera prematura qualquer iniciativa que possa gerar fragmentação de mercado e concentração em agentes específicos. O BC vai ser vigilante a qualquer desenvolvimento fechado ou que tenha componentes que inibam a interoperabilidade e limite seu objetivo de ter um sistema rápido, seguro, transparente, aberto e barato.”

É sabido no mercado que o Bradesco está desenvolvendo a sua própria plataforma que será batizada de Bitz. Ela está, inclusive, em fase de testes e deve ser lançada dentro de dois meses. O Itaú, por sua vez, já tem a sua plataforma, a Iti, que, além de fazer transferências instantâneas entre pessoas, tem como objetivo ser um SuperApp.

Apesar de o WhatsApp ser uma potência em termos de penetração e uso entre a população brasileira, a força da plataforma no setor de meios de pagamento dependerá da adesão dos grandes bancos. “Se eles não derem respaldo, dificilmente isso vai tracionar”, diz um executivo do mercado financeiro.

Outro profissional que trabalha em uma das grandes instituições privadas diz que os bancos estão sendo muito pragmáticos. “Se der espaço para as big tech, elas podem atropelar. Começam com esse produto e vão avançando. E elas têm força para isso”, diz ele.

Caso entrem no projeto, o engajamento dos bancos com essa plataforma, diz esse profissional, seria igual ao visto com as carteiras digitais Apple Pay e Samsung Pay. “Todos dizem que trabalham com elas, fazem bastante RP dizendo que estão inovando e isso não representa nem 2% dos usuários”, diz ele.

“Se os riscos, o funding e os custos são dos bancos, você acha que eles vão ajudar uma big tech a entrar no meio da relação com os seus clientes?”, indaga o executivo. E prossegue. “É preciso olhar esse negócio com uma certa racionalidade. Não vai ser fácil para nenhuma big tech dominar o mercado brasileiro.”

Há também outras questões que precisam ser levadas em consideração. O impacto no mercado de adquirência será enorme. Por enquanto, só a Cielo, empresa do Banco do Brasil e do Bradesco, foi contratada pelo Facebook. As concorrentes poderão perder muito espaço.

Outro ponto crucial é que a plataforma pode levar a uma queda de receita dos grandes bancos no que diz respeito às TEDs bancárias. “Por que pagar uma TED se você pode fazer a transferência pelo WhatsApp?”, indaga um banqueiro.

Em recente entrevista ao NeoFeed, quando perguntado sobre o temor em relação ao avanço das big tech no mercado financeiro, Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco, disse que “o setor financeiro não é o mais interessante para a entrada delas.”

Bracher, em seguida, explicou. “Somos extremamente regulados porque lidamos com poupança pública e os múltiplos do setor são modestos. São dez vezes ou onze vezes o lucro anual. Acho que, na escala desses gigantes, de onde pretendem entrar, o mundo financeiro não figura entre os primeiros. Eles competirão conosco em produtos isolados, em atividades específicas.”

No fim do ano passado, o NeoFeed fez a mesma pergunta para Octavio de Lazari Junior, presidente do Bradesco, e ele não economizou nas palavras. “Eu tenho preocupação com as big tech. Elas têm uma massa de dados, uma quantidade de informações do seu negócio de origem, que dá a elas uma vantagem competitiva muito grande para operar nesse mundo de banking com informações que elas possam gerar base de dados, aprovações de crédito de produtos e serviços de uma maneira muito contundente”, disse na época.

Lazari continuou na sua análise. “Que elas tenham de seguir os mesmos padrões de rigor, legislação e capital para que não haja nenhum risco sistêmico no mercado. Elas são muito grandes, têm muita informação e muito cliente. Agora, apesar disso, não é fácil ser banco. Se fosse fácil, você teria mais de três mil bancos no Brasil. É um negócio de capital intensivo, muito regulado, exige muita segurança. Elas também vão ter muita dificuldade para navegar nesse mercado financeiro brasileiro ou mundial.”

Não há dúvida que não é fácil entrar no mercado, comer pelas beiradas e ganhar o espaço já ocupado pelos gigantes do setor financeiro. Mas também não há dúvida de que uma inovação como essa, sobretudo em um aplicativo que faz parte do dia-a-dia de metade da população brasileira, é difícil de ser freada. E isso, definitivamente, não é uma fake news do WhatsApp.

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