André Maciel tinha o que poderia ser qualificado como o emprego dos sonhos para quem atua no mercado de venture capital. Ele era um dos managing partners do fundo de US$ 5 bilhões do Softbank para a América Latina, anunciado em março de 2019.
Liderando diversos investimentos, ele fez parte do time que ajudou a “criar’ 15 unicórnios na região, como são chamadas as empresas que são avaliadas em mais de US$ 1 bilhão. No portfólio do Softbank estão startups como QuintoAndar, Rappi, Mercado Bitcoin, Loggi, Loft e MadeiraMadeira.
Mas, no fim do ano passado, Maciel resolveu sair do Softbank para criar a sua própria gestora de venture capital: a Volpe Capital. Em pouco tempo, ele conseguiu levantar US$ 100 milhões e atraiu dois investidores âncoras de peso (o próprio Softbank e o BTG Pactual).
“Vi que tinha espaço para fazer tíquetes menores e por conta própria. E, hoje, você consegue se mover muito rápido”, diz Maciel ao NeoFeed. “A nossa estratégia é oferecer um mix de investimentos em startups early stages com coisas mais maduras.”
Em março de 2021, a Volpe Capital fez seu primeiro investimento. E, desde então, está em um ritmo frenético. Até agora, a gestora já soma seis investimentos em empresas como UOL EdTech, SaltPay (empresa de pagamentos de André Street e Eduardo Pontes, que atua na Europa), Caju, VTEX (entrou no IPO da empresa), CRM Bônus e Seedz.
A Volpe Capital faz parte de uma nova geração de gestoras de venture capital que surgiram desde 2020 no Brasil, aproveitando-se de um momento em que essa classe de ativos emergiu, impulsionada pela queda de juros e pelo apetite de diversos family offices e investidores locais, que passaram a olhar para esse tipo de investimento como uma forma de diversificar seus portfólios.
Essa nova geração inclui casas como Alexia Ventures, de Patrick Arippol e Wolff Klabin; Fuse Capital, de João Zecchin; Latitud, de Brian Requarth; Bridge One, de João Brandão; e a São Pedro Capital, de Alex Dias – esta última uma gestora de private equity.
Todas essas novas gestoras se beneficiam da alta liquidez para investimentos de risco, em geral, e para startups, em particular, um mercado que está em patamares recordes no Brasil. De janeiro a setembro de 2021, por exemplo, as startups brasileiras receberam US$ 6,9 bilhões em aportes, um resultado 89% maior do que todo o ano de 2020, segundo pesquisa do Distrito.
Mais: a América Latina ultrapassou o sudeste asiático como destino de investimento para startups no primeiro semestre de 2021, segundo dados da Global Private Capital Association.
“O nascimento do primeiro unicórnio no Brasil mudou o ecossistema”, diz João Zecchin, cofundador da Fuse Capital, que foi fundada no começo de 2020 em conjunto com Guilherme Hug, Alexis Terrin e Dan Yamamura e está levantando um fundo de US$ 25 milhões. “Com isso, os investidores começam a ver que tem mais saídas e que existe um retorno sobre o capital.”
O primeiro unicórnio brasileiro foi o aplicativo de transporte 99, comprado pela chinesa Didi Chuxing em janeiro de 2018. Desde então, esse ser mítico deixou de ser raro na região latino-americana, que já coleciona mais de 25 startups bilionárias. A maior delas é o Nubank, avaliado em US$ 30 bilhões, que está perto de abrir o capital, buscando uma avaliação superior a US$ 50 bilhões.
Do mercado financeiro ao venture capital
Não há um perfil único para quem resolveu criar sua gestora nesse ambiente extremamente aquecido de investimentos em startups, a ponto de o jornal britânico Financial Times, em recente reportagem sobre a região, chamar a América Latina de “a próxima fronteira tecnológica.”
Em geral, as novas gestoras nascem com o expertise de empreendedores que venderam suas startups ou de profissionais que passaram anos no mercado financeiro ou em outras casas de venture capital e que resolveram trilhar seus próprios caminhos.
É caso de Patrick Arippol, cofundador da Alexia Ventures, que passou 10 anos na gestora DGF, onde foi um dos primeiros investidores da RD Station, startup de marketing digital comprada pela Totvs por R$ 1,8 bilhão, em março deste ano.
Agora, à frente da Alexia Ventures, fundada em conjunto com Wolff Klabin, da tradicional família Klabin, Arippol pretende dar um toque mais “autoral” aos seus investimentos, buscando teses não óbvias em SaaS (Software as a Service), área na qual ele se transformou em uma referência no Brasil.
“Queria fazer algo com a minha cara e com um viés global”, diz Arippol, que está concluindo a captação de seu primeiro fundo de US$ 100 milhões e fez o primeiro investimento em dezembro do ano passado na empresa americana FounderNest, uma plataforma que conecta empreendedores e investidores por meio de inteligência artificial.
Com uma tese focada em dados e inteligência artificial, Arippol busca investimentos que não seguem o modismo. Um exemplo é a LogComex, que traz dados e inteligência para o comércio exterior, na qual a Alexia Ventures liderou a rodada séria A de US$ 10,3 milhões em agosto deste ano. “Não existem muitos players globais fazendo em escala o que eles fazem. É um mercado ainda virgem.”
A especialização marca também a Bridge One, de João Brandão, que trabalhou na Pacific Investments, de Veronica Serra. A gestora está à “caça” de startups B2B, que já tenham um produto maduro e que seja uma das líderes de seu segmento de atuação.
“Tinha acesso a empreendedores que não conseguiam alguém que iiderasse uma rodada com valores entre R$ 30 milhões e R$ 60 milhões”, afirma Brandão, que captou R$ 200 milhões. "Observei que não havia um fundo B2B com cheques nesses valores e havia um espaço para criar uma gestora.”
Um dos investimentos de Brandão foi na argentina VU Security, que recebeu um cheque de R$ 60 milhões, em rodada liderada pela Bridge One, com a participação de Globant e Telefónica. Com os recursos, a startup, dona de uma solução de proteção de identidade e de prevenção de fraudes, começou a operar no mercado brasileiro com a ajuda de Brandão.
De empreendedor a investidor
Um caminho tradicional para criar uma gestora de venture capital está também representada nessa nova safra: empreendedores que viraram investidores, como o caso do americano Brian Requarth, fundador da Viva Real, vendida por R$ 2,9 bilhões para a OLX, no ano passado.
Requarth está por trás do Latitud. Nessa nova empreitada, ele leva sua experiência não só de empreendedor, mas também de investidor-anjo, dono de um extenso portfólio composto de 50 startups, como o unicórnio QuintoAndar e o EmCasa, ambos do setor de real estate, e a edtech QueroEducação.
Com o Latitud, que também tem um braço de educação, Requarth já fez 29 investimentos desde março deste ano. O foco são rodadas pré-seed, em startups em estágios bem iniciais. “O meu objetivo não é ser o próximo grande fundo de venture capital”, afirma Requarth.
Um exemplo de como trabalha o Latitud é o investimento feito na fintech argentina Pomelo. “Eles nasceram na Latitud. Vimos o negócio quando era uma ideia e ajudamos a conectá-los com outros fundos com cheques maiores”, diz Requarth.
Um dos fundos foi o brasileiro Monashees, que participou de uma rodada seed de US$ 8 milhões. Depois, a Pomelo foi a primeira startup a receber dinheiro do Sequoia Capital, que voltou a investir na América Latina, em julho deste ano.
Para dar agilidade à captação, Requarth apostou no que é conhecido como um “rolling fund”. Nesta modalidade, a captação é trimestre a trimestre. Se alguém quer investir US$ 400 mil, por exemplo, pode fazer com valores de US$ 40 mil por dez trimestres. E, sem demora, os gestores passam a investir os recursos.
Quem também está buscando uma forma que foge da tradicional abordagem de levantar um fundo é a São Pedro Capital, que nasceu em 2020 e é liderada por Alex Dias, ex-CEO do Google e da Anhanguera.
A estratégia da gestora é investir em um único ativo através de um PIPE (private investment in public equity) ou em companhias em estágios pré-IPOs, no melhor estilo de um private equity.
Desde então, a gestora já tem posições minoritárias em duas empresas abertas, Eletromídia e Positivo, e em uma fechada, a americana Magnopus, um estúdio que utiliza realidade virtual e aumentada para conectar o mundo digital e físico e que tem o brasileiro Marcelo Lacerda como um dos fundadores.
No momento, a São Pedro Capital está concluindo a captação de seu quarto fundo – o alvo não foi revelado ainda. Com isso, passará a ter entre R$ 400 milhões e R$ 450 milhões de ativos sob gestão.
A tese da São Pedro Capital é encontrar ativos que têm um enorme valor a ser destravado, influenciando na gestão da companhia, mesmo sem ser controlador. A novidade, nesse caso, é quem está com Dias: investidores brasileiros.
“São famílias com cheques que vão de R$ 5 milhões a R$ 40 milhões”, afirma Dias. “Eles estão submetidos ao mesmo cenário dos investidores internacionais: juros baixos e a desintermediação dos serviços financeiros.”
O desafio das atuais gestoras, agora, é começar a mostrar resultados. Seria prematuro cobrar isso nesse momento. Até porque os investimentos nessa classe de ativos é de longo prazo, de cinco a dez anos, no mínimo.
E, ao que tudo indica, novas gestoras locais devem surgir nos próximos anos, surfando a onda de liquidez e o fato de os investidores começarem a alocar recursos para essa classe de ativos. “É um mercado sub-atendido de fundos locais”, diz Maciel, da Volpe Capital. “Falta ter mais fundos”.
Maciel acredita que a região passa por um círculo virtuoso. O aumento de capital fez surgir mais startups, com empreendedores mais preparados que precisam de mais capital. “Precisávamos ter mais Monashees”, diz Maciel.
A Monashees, com 16 anos de estrada, é uma das pioneiras do mercado de venture capital no Brasil. Depois dela, vários outros fundos locais surgiram, como a Astella Investimentos, Igah (ex-Ebricks eventures), Domo Invest, ONEVC e Canary e tantos outros. Agora, uma nova geração chega ao mercado para aumentar o número de caçadores de unicórnios no Brasil.