Investir na América Latina não é para os fracos. Afinal, as turbulências econômicas e políticas da região devem deixar zonzo os investidores acostumados a mercados mais estáveis, como a Europa e os Estados Unidos.
Mas a gestora Compass, fundada em 1995 em Nova York, se acostumou com os solavancos da América Latina, onde está presente desde 1997 e está presente em oito países da região. Entre eles, o Brasil.
“Não podemos cair em exageros na região, como ‘Ah, agora o Brasil vai virar a Suíça’ ou ‘agora o Brasil vai virar a Venezuela.’ Não é nem um nem o outro”, diz George Kerr, head da operação da gestora Compass no Brasil, que tem US$ 41 bilhões sob gestão globalmente, em entrevista ao NeoFeed.
O México é um exemplo desse comportamento da Compass. Lá, o presidente é Andrés Manuel López Obrador, eleito em 2018, pelo partido de esquerda Movimento de Regeneração Nacional. Mas a Compass investiu na empresa de cimentos Chihuahua.
“Gostamos porque é uma boa empresa, com uma boa gestão e que pode se beneficiar do pacote de infraestrutura nos EUA”, afirma Kerr. “E é um setor que, geralmente, é bem concentrado em termos de participantes.”
Para Kerr, o grande desafio da região é voltar com o protagonismo de crescimento econômico sustentável. “Turbulências econômicas e políticas existem em vários lugares”, diz o head da operação da Compass no Brasil.
No fim de dezembro do ano passado, a Compass lançou um fundo novo de ações brasileiras, o Long Biased Brasil. De lá até julho, a rentabilidade é de 3,44%, enquanto o benchmark (IPCA + Yield IMA-B) avançou 7,53%.
Na entrevista a seguir, Kerr falou sobre as investidas pela Compass na América Latina, que inclui ainda as brasileiras Omega, a Track&Field, a Sequoia e a argentina Mercado Livre, as oportunidades de investimentos alinhados aos princípios ESG na Europa e o cenário para investir nos EUA, que sofre com pressões inflacionárias.
Quais são os maiores desafios, hoje, para investir na América Latina?
A Argentina, onde temos escritório desde 1997, passou, há dois anos, por um processo de reversão de uma normalização de política econômica mais pró-mercado, que foi traumática. Você tem também uma situação complicada no Chile, que sempre foi um oásis na América Latina e vai culminar em uma nova Constituinte, que surpreendeu o mercado. O Peru teve uma eleição bem polarizada. Mas isso também temos visto em outros países. As eleições no mundo inteiro estão sendo polarizadas: nos EUA, no Reino Unido, na França, na Alemanha. O maior desafio, para nós, como região, nos últimos 10 anos, é que não temos crescido. Em 2007, a participação do Brasil no índice MSCI Emerging Markets (índice calculado pela MSCI que simula uma carteira de investimentos em países emergentes) era de 17%, enquanto a China era 30% e a Ásia, 50%. Hoje a Ásia é 80% e o Brasil é 6% ou 7%. Nosso desafio é voltar com o protagonismo de crescimento econômico sustentável. Turbulências econômicas e políticas existem em vários lugares.
E o que falta para que a região cresça mais?
O que falta, na visão do investidor institucional, é um pouco de estabilidade política e clareza sobre políticas econômicas, que apontem um caminho de crescimento e normalização de políticas macro e microeconômicas. Todos os gringos amam a região, adoram vir e visitar. Mas a volatilidade da região acaba atrapalhando.
"Nosso desafio é voltar com o protagonismo de crescimento econômico sustentável. Turbulências econômicas e políticas existem em vários lugares"
Ainda assim, há oportunidades para investir?
Sim. O México, por exemplo. Nós ficamos bem pessimistas quando o novo presidente (Andrés Manuel López Obrador, eleito em 2018, pelo partido de esquerda Movimento de Regeneração Nacional) assumiu, mas, dependendo do tipo de empresa, é possível se aproveitar da proximidade com os EUA e da mão de obra barata. Não podemos cair em exageros na região, como “Ah, agora o Brasil vai virar a Suíça” ou “agora o Brasil vai virar a Venezuela.” Não é nem um nem o outro.
Quais são essas oportunidades no México?
Nós lançamos recentemente um fundo de ações brasileiras, o Long Biased Brasil, que tem foco em Brasil, mas pode também investir na região. Nós adicionamos recentemente três ações mexicanas e uma delas é uma empresa de cimentos chamada Chihuahua, que nós gostamos porque é uma boa empresa, com uma boa gestão, e que pode se beneficiar do pacote de infraestrutura nos EUA. E é um setor que, geralmente, é bem concentrado em termos de participantes.
México e Brasil ainda são os favoritos na América Latina ou há outros que despontam?
Depende da classe de ativos. Mas, sem dúvida, são os dois maiores em termos de risco. Em bolsa, o Brasil é maior do que os outros quase 100 mercados. Podem ocorrer momentos em que o portfólio pode ter de 55% a 80% de Brasil. Em crédito, é mais balanceado. O Brasil tem de 33% a 35%. México e Brasil são os maiores não só pelo tamanho das economias, mas também pela liquidez dos mercados. O Peru quase não tem liquidez. A Argentina negocia US$ 4 milhões por dia, não é muita coisa. Mas há boas empresas. Uma das empresas mais inovadoras da América Latina é o Mercado Livre, da Argentina, no qual investimentos. Temos também que nos orgulhar de coisas que acontecem nesses países, a despeito da volatilidade.
Que outras empresas da região estão entre as que vocês mais gostam?
No Brasil, gostamos da Omega. Temos perto de 8% deles. É uma empresa fantástica, bem gerida, de energia renovável, super ESG, que faz parte da nossa filosofia de investimentos desde sempre. Temos também 10% da Sequoia, que é uma empresa que está consolidando a parte de logística e de e-commerce. A penetração de e-commerce ainda é baixa na região e vem crescendo muito rápido, impulsionada pela pandemia em alguns lugares.
A penetração de e-commerce ainda é baixa na região e vem crescendo muito rápido
A Compass tem preferência por alguns setores?
Obviamente gostamos de e-commerce. Mas tem a questão do preço. No nosso fundo de small caps, somos investidores da Magazine Luiza há muito tempo, desde quando a ação valia só um dígito em reais. Estava esquecida, fazendo a transformação. O time gostou da história e acreditou na capacidade da gestão. A Track & Field é outra. Entramos no IPO como um dos maiores investidores. Eles eram uma empresa de lojas físicas e, com a pandemia, conseguiram transformar o negócio para o online. Para nós, o importante é identificar as boas empresas com bons gestores, fundadores e executivos alinhados, para crescermos com eles.
Fica mais difícil caçar boas oportunidades em cenário de crescimento baixo na região?
Sim. Mas, por exemplo, a XP, que faz parte do nosso portfólio, cresceu muito, mesmo com o PIB despencando em 2015 e 2016. Mas veja: na China, muitos investidores se machucaram com a intervenção da China no segmento de reforço escolar, que chegou a quase 10%, em algumas cidades, da renda familiar. Esse tipo de intervenção a gente tem menos aqui. De qualquer forma, você tem as empresas vencedoras, as que vão se beneficiar desses choques do governo.
Na China, tivemos também casos de intervenção envolvendo empresas como a Didi e a Ant Financial, fintech do Alibaba. A Ásia tem exigido mais cautela?
Da mesma maneira que a gente não pode generalizar a América Latina, também não podemos generalizar a Ásia. Sim, tem que ter cautela quando você vai para um mercado novo, mas o brasileiro também investe pouco em ações americanas. O mercado doméstico chinês é mais volátil que o Brasil. Tem 25% a 30% de volatilidade, enquanto aqui é perto de 20%. Na China, são 4 mil empresas e 80% do volume negociado é investidor de varejo doméstico. O risco regulatório chinês é sabido de todos. No caso da Ant, disseram que o Jack Ma falou besteira. Mas não é. Trata-se de uma agenda mais ampla para nivelar a competição do setor de internet. Há desafios, mas o que mais me deixa animado é que a gestão ativa nunca foi tão importante quanto hoje. Nunca houve tanta divergência e oportunidades como hoje.
Qual o cenário para os países europeus em meio à reabertura da economia?
A bolsa europeia ficou bem de lado nos últimos 10 anos. Tem um pouco do DNA, do histórico, do tipo de empresa que tem lá. Enquanto há 30% de empresas tech no S&P 500, na bolsa europeia há 8%. É muito setor financeiro, saúde e industrial. Mas tem muitas empresas boas, globais, com boa governança, presentes na Europa, como a Nestlé, que tem uma disciplina muito grande e consegue expandir globalmente, reinvestindo o capital para crescer na Ásia e em países emergentes. Mas, de maneira geral, achamos que a Europa, no curto prazo, de três a seis meses, vai surpreender positivamente em relação à expectativa do mercado.
Por conta de uma reabertura mais rápida ou por outros fatores?
Um pouco de reabertura mais rápida e também normalização da vacinação, que também foi complicada lá, porque são vários países. Além disso, os ativos, historicamente, estão baratos em relação a outros mercados. E, finalmente, você tem estímulos monetário e fiscal significativos, ao mesmo tempo.
"A Europa está bem à frente em termos de práticas de ESG"
As apostas são nesses setores que você citou: financeiro, saúde e industrial?
Gostamos deles. Tem empresas que vão se beneficiar e a Europa está bem à frente em termos de práticas de ESG, em relação a americanos, asiáticos e Brasil.
O ESG tem sido o caminho para a Europa se contrapor à pujança industrial asiática?
Quem manda na agenda ESG ou é o consumidor ou é o dono do dinheiro, que acaba sendo a mesma coisa. O consumidor pode parar de comprar porque a empresa não é ESG ou o investidor não vai investir porque a empresa está destruindo o meio ambiente ou é corrupta. A agenda de investimentos mais responsáveis é muito mais forte na Europa há mais tempo, com pautas como equiparação de salários.
Tem algum exemplo?
A Alfa Laval, que é uma empresa que trabalha para indústrias pesadas, ajudando a melhorar o consumo de energia e de água. É um setor mais chato, mas é uma agenda super importante. Não quer dizer que China e EUA não possam acompanhar. Mas as empresas europeias fazem isso há bastante tempo e os gestores que nós representamos lá gostam dessa tese.
E em relação aos EUA, qual o cenário para investimentos em meio a esse ambiente de inflação mais alta?
Com os juros perto de zero e com uma possível normalização da política monetária americana, a expectativa é que os títulos públicos rendam pouco. Com isso, ações são um melhor caminho, focando em empresas que consigam repassar preço ao consumidor, com balanços saudáveis e que não dependem de crescimento pela alavancagem. A economia americana segue forte e liderando com grandes empresas, como Apple e Amazon. O que preocupa é o lado político, com o contrato social sendo questionado pela sociedade. Além disso, preocupa a política expansionista de gastos do presidente Joe Biden e até quanto isso é sustentável.