O lançamento de uma nova versão do Deepseek, que no começo do ano já se aproximava dos modelos ocidentais de inteligência artificial, chamou atenção para o desenvolvimento da tecnologia na China. Mas é por trás dessas ferramentas que Estados Unidos e China travam seu maior embate: o mercado de chips.

Para a Kinea, gestora com patrimônio de R$ 130 bilhões, o país que tomar a dianteira nessa indústria levará grandes vantagens econômicas e geopolíticas. A discussão foi tema da carta mensal para seus investidores, antecipada com exclusividade para o NeoFeed.

“Com certeza, esse é o mercado que vai definir os próximos 20 a 50 anos. É a infraestrutura básica da inteligência artificial. No passado, o domínio sobre energia determinava o futuro de um país. Hoje, o futuro é a inteligência artificial. China e Estados Unidos não querem depender um do outro porque sabem que estão numa guerra fria”, diz Guilherme Amaral, analista da Kinea especialista em tecnologia.

No último capítulo dessa disputa, na semana passada, o presidente Donald Trump levantou novas barreiras para impedir a Nvidia de vender chips H20 para a China. Ainda que distante dos protótipos mais modernos da empresa, o modelo — concebido para driblar as sanções do governo Biden — foi peça crucial na criação do Deepseek.

Apesar das tentativas dos Estados Unidos de frear o avanço chinês, a Kinea vê a China se preparando para se tornar autossuficiente nesse mercado. Para a Kinea , restam apenas três anos até que o país domine a produção em massa de chips com mais de 14 nanômetros.

"Esses chips, apesar de não serem os mais avançados, são extremamente relevantes, representando cerca de 40% do total da indústria de fabricação de semicondutores e impactam diretamente as incumbentes desses produtos", informa um trecho da carta.

A consequência, prevê a gestora, deve ser uma enxurrada global desses produtos, tornando menos competitivas as empresas que dependem desse mercado. “São chips que atendem à indústria e ao setor automotivo, por exigirem menos complexidade e utilizarem tecnologias mais antigas, mas ainda relevantes”, diz Amaral.

A principal empresa chinesa nessa vertente é a SMIC, que corresponde a 11% da indústria de chips menos avançados, com seu crescimento ameaçando os negócios da Samsung e da GlobalFoundries, que também disputam esse mercado.

As apostas do governo chinês na SMIC não são de hoje. A empresa foi contemplada ainda em 2014, pelo Big Fund I, que injetou US$ 15 bilhões no setor por meio de fundos estatais. Desde então, o governo realizou outros dois grandes aportes, um em 2019 e outro em 2024, somando ao todo US$ 90 bilhões, de acordo com a carta da Kinea.

A expectativa de que a China domine esse mercado nos próximos anos se apoia nas compras de matérias-primas para a fabricação de chips. “Ao longo dos últimos três anos, a China se tornou uma compradora gigante desse mercado. Tradicionalmente, ela comprava entre 15% e 20% dos equipamentos para semicondutores — e, nos últimos três anos, esteve entre 30% e 40%”, afirma Amaral.

Ele compara os esforços chineses ao protagonismo que o país alcançou em outras áreas, baseando-se em escala e controle da cadeia de suprimentos. “É o playbook chinês: muitas vezes não é o primeiro a inventar a tecnologia, mas depois que entra, inunda o mercado. Foi assim com carros elétricos e painéis solares.”

O analista da Kinea afirma que segue atento às oportunidades no mercado de chips da China, mas, por ora, a disputa tarifária com os Estados Unidos dificulta investimentos na região. “Temos evitado essa geografia, apesar de termos uma visão positiva sobre o desenvolvimento de inteligência artificial e semicondutores.”

Nvidia e TSMC blindadas

Embora projete a China ganhando protagonismo no mercado de chips nos próximos anos, Amaral considera que o país ainda está cinco anos atrasado em relação aos chips mais modernos da Nvidia, com 3 e 4 nanômetros.

Essa diferença, afirma, deve garantir alguma vantagem para a empresa americana ao menos no médio prazo. Essa tese é a que sustenta as posições compradas da gestora em ações da Nvidia e da TSMC, que detém a melhor tecnologia de fabricação.

“Ao mesmo tempo que a China vem melhorando seus chips, principalmente da Huawei, a Nvidia também segue avançando, com lançamentos de novos modelos todos os anos.”

Amaral não descarta a possibilidade de, em algum momento, a China ter os melhores chips. Mas, pela distância atual, não espera que isso aconteça nos próximos anos. “Hoje me parece difícil, mas não dá para dizer que é impossível.”