A economia não vive sem crédito. A afirmação é verdadeira em qualquer lugar do mundo e também no Brasil, sobretudo, no Brasil do PT, que vê o crédito como alavanca de crescimento.

Não à toa, o governo botou seu bloco na rua em defesa da queda do juro. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dedicou tempo e atenção a “tomadores” e “doadores” de dinheiro em visitas emblemáticas e às vésperas da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa básica.

Na segunda e terça-feira, 30 e 31 de janeiro, Haddad reuniu-se, respectivamente, com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

No foco, o crédito, seu custo e um debate já elevado em decibéis com a reprise de Selic a 13,75% anunciada pelo Copom na quarta, 1º de fevereiro; o sinal de que a redução da taxa fica para 2024; e a divulgação de balanços do 4º trimestre dos maiores bancos do país. Dinheiro não vai sair da pauta.

Itaú Unibanco e Bradesco apresentam seus resultados nos dias 7 e 9 de fevereiro. O Santander Brasil publicou seus dados na quinta-feira, 2 de fevereiro. O lucro ficou abaixo do esperado.

Maior provisionamento da dívida das Americanas afetou o desempenho do 4º trimestre. O ritmo de expansão do crédito desacelerou e a inadimplência cresceu – condições que, se replicadas nos maiores bancos, ampliarão a preocupação do governo com o endividamento das famílias que é recorde.

Em avaliação geral, especialistas da XP preveem que os balanços devem permanecer resilientes, com sólido crescimento da carteira de crédito e aumento marginal da inadimplência. Eles elegem os dois maiores bancos do país Itaú e Banco do Brasil, que publica seu resultado em 13 de fevereiro, como “destaques positivos da temporada”.

É improvável que os balanços dos bancões decepcionem os acionistas. Mas não dá para descartar a possibilidade de os dados também incentivarem um aperto do governo no setor por ampliação do crédito e a custo menor. Afinal, a equipe econômica está de olho no juro, não gosta do que vê e, de quebra, o Copom jogou lenha na fogueira.

Na terça-feira, 31 de janeiro, enquanto Haddad manteve postura discreta sobre juros na Febraban, Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, informou sua intenção de reduzir a Taxa de Longo Prazo (TLP) e convidou os bancos a participarem da empreitada.

Em outro evento, um petardo foi disparado. Na Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, alertou: “Precisamos verificar por que o Brasil tem juros altos. O que justifica? Imposto, cunha fiscal? Falta de concorrência?”

“Precisamos verificar por que o Brasil tem juros altos. O que justifica? Imposto, cunha fiscal? Falta de concorrência?”, disse Alckmin

As questões levantadas por Alckmin evocaram a experiência conturbada de gestões petistas com o sistema bancário no passado recente que colocaram bancos e Ministério da Fazenda em pé de guerra, produzindo instabilidade e represamento do crédito.

Há cerca de 10 anos, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, que liderou a Pasta nos dois primeiros mandatos de Lula e início do 1º mandato da ex-presidente Dilma Rousseff, travou uma verdadeira cruzada contra os bancos pelo corte de juros e ‘spreads’ e por mais crédito a empresas e famílias.

Naquele momento, a ação do governo foi impulsionada especialmente pelo temor de que o PIB brasileiro poderia não avançar mais de 2% ao ano sob os efeitos estendidos da crise financeira global de 2008/2009.

Hoje, o cenário é diferente, mas nem tanto. O mundo está em crise, apesar do aperto monetário ainda convive com inflação forte e a perspectiva é de avanço pífio do PIB global e brasileiro neste ano e no próximo. Exatamente como agora, em 2011 e 2012, o governo defendia a expansão das operações pelo Banco do Brasil, Caixa e BNDES.

Os tempos são outros, sim. O ministro da Fazenda também. Mas o discurso é o mesmo, inclusive, porque a grandeza da taxa de juro (cerca de 200% ao ano) no cheque especial e cartões de crédito, linhas de apelo popular, pouco mudou – fato que depõe contra os bancos.

A título de comparação, em dezembro passado, a taxa cobrada no cheque especial era de 131,9%; no cartão de crédito rotativo, 409,3%; e, no cartão de crédito parcelado, 182,4%.

A pergunta que fica é se o PT mudou o bastante para que os agentes financeiros afastem temores de ações intervencionistas na economia em geral ou no sistema bancário em particular?

Enquanto se aguarda a resposta, que o tempo vai trazer, não é tranquilidade o que se vê neste início do 3º mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outra seara – quanto às perspectivas fiscais.

Pairam incertezas, embora Haddad e o seu secretário de Política Econômica, Guilherme Mello, tenham agradado empresários, banqueiros e mercado ao renovarem, nos últimos eventos públicos, compromisso com o controle da dívida, a apresentação do novo arcabouço fiscal e a reforma tributária.

Os encontros do primeiro time de Lula com entidades privadas sugerem que as prioridades do governo estão migrando de uma parruda agenda internacional para questões locais cruciais para o andamento da economia e com potencial para alavancar a popularidade do presidente.

A guinada é plausível, inclusive, porque, em menos de 40 dias de gestão, o governo teve desempenho superlativo na área externa também impulsionado pelo intenso interesse internacional pela Amazônia.

Neste curto período, o Brasil marcou pontos com o Fórum Econômico Mundial; a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC); a visita do chanceler alemão Olaf Scholz a Brasília e oficialização de repasse de R$ 1,1 bilhão; e a captação de R$ 140 milhões pelo BNDES com seu par alemão KfW para garantia de projetos de eficiência energética.

E essa coleção robusta de eventos, além da prevista visita de Lula a Joe Biden, nos Estados Unidos em 10 de fevereiro, e à China em março, por ele anunciada, permitiu ao Brasil inaugurar uma nova e promissora fase nas relações internacionais.

A área externa em ponto pacífico também permite ao governo evidenciar que a agenda local vai além da política fiscal e da Reforma Tributária, questões vitais para a atividade, dependentes de um Congresso que se renova, é reconhecidamente mais conservador, mas que ainda não mostrou sua cara.

É fato que o resultado das eleições para o comando da Câmara e do Senado, na quarta-feira, 1º de fevereiro e abertura do ano legislativo, fortalecem o governo. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco – presidentes das respectivas Casas por mais dos anos – estão “fechados” com Lula. Mas não há dúvida de que a oposição será implacável e futuros acordos custarão mais caro.