Alessandro Carlucci preside os conselhos da Arezzo e da Business for Social Responsibility (SBR), é chairman do Advisory Bord do fundo de impacto Towerbrook, integra os boards da Renner e do Deming Center da Universidade de Columbia, em Nova York, onde mora há 7 anos.

Mas é na The Chemist Look, startup uruguaia de skincare da qual passou a ser investidor em 2020, que ele parece estar diante de um desafio singular. Seus 25 anos de Natura, sendo dez como CEO, uma das maiores companhias de beleza do mundo, repleta de “processos e patentes que a deixam lenta”, ganham outra dimensão no contraste com uma beauty tech que ele mesmo chama de “provocadora”.

“É diferente de muitas coisas que eu vivi. Um dos aspectos que me atraíram foi o fato de ser uma empresa ágil, que sabe o que quer fazer. A Flopi tem opinião sobre as coisas, não está preocupada em seguir tendência.”

Flopi é a química uruguaia Florencia Jinchuk que durante um mestrado em Ciência Cosmética, decidiu fazer o blog The Chemist Look (O Olhar do Químico) em que questionava a “acomodação” das grandes companhias nas formulações de produtos. Foi a partir daí que ela começou a elaborar seus próprios cosméticos e submetê-los a comunidade que a acompanhava.

Em 2015, criou a marca para que as inovações da academia chegassem logo aos consumidores “porque a pele tem pressa” e cresceu 700% desde então. Depois de se estabelecer no Uruguai, Chile e Argentina, a The Chemist desembarca agora no Brasil com a expectativa que o país passe a representar 50% do negócio e alcance um faturamento de R$ 20 milhões este ano. Em até três anos, pretende fincar sua bandeira nos Estados Unidos.

O Brasil é o quarto maior mercado de cosméticos do mundo, no levantamento da Euromonitor, o que tem estimulado o surgimento de várias marcas nativas digitais em diferentes categorias.

Entre elas estão a Simple Organic, que foi comprada pela Hypera, a Just For You, que tem a Eurofarma como principal investidora e a Salvve, que, como a Chemist, foi um desdobramento a partir de um blog criado pela influenciadora Julia Petit. No cenário internacional, a The Drunk Elephant se tornou um ícone ao ser comprada pela Shiseido em 2019 por US$ 845 milhões.

Nesta disputa cada vez mais acirrada - só nos Estados Unidos o mercado de beauty tech deve movimentar US$ 3,4 bi até 2026, segundo report da consultoria Statista - Carlucci e Flopi têm grandes pretensões.

“A gente quer que a marca seja relevante, inquieta, que provoque, com responsabilidade, segurança e que queira romper os paradigmas da indústria. Isso é o mais importante. É o que está sempre na mesa”, diz Carlucci.

Carlucci conheceu The Chemist Look no programa para empreendedores latino-americanos da Columbia, o ECLA (Entrepreneurship and Competitiveness in Latin America). Em 2018, ele foi convidado pela instituição para ser advisor da escola de negócios e passou a mentorar Flopi.

Mas foi dois anos depois, quando a empreendora e cientista estava diante dos desafios do mercado argentino, que veio o convite para que ele investisse no negócio. Afinal, Carlucci havia trabalhado como diretor regional da Natura naquele mercado.

“Eu aceitei, claro. É uma indie brand de dermocosmético de muito vigor”, diz ele que ampliou recentemente o investimento na Chemist, mas não revela o valor do aporte. O outro investidor é Sergio Fogel, cofundador da uruguaia dLocal, empresa de tecnologia que abriu o capital na Nasdaq e vale US$ 6,1 bilhoes, o que tornou o empreendedor em bilionário, com uma fortuna de US$ 1,3 bilhões, segundo a revista Forbes.

Depois de lançar sua marca no Uruguai em 2015, The Chemist Look “cresceu rápido” e logo Flopi expandiu para o Chile e a Argentina. A entrada de Carlucci não só permitiu enfrentar os tais desafios do mercado argentino - “estamos muito bem lá” - como a preparar a entrada no Brasil. “Era a próxima fronteira, estar no maior país da América Latina”, diz Carlucci.

Para tanto, estão implantando aqui uma estratégia diferente dos demais mercados, a omnicanalidade. “Desde que me mudei para São Paulo percebi que era importante entrar no offline no país. E para conversar com o público que queremos vamos vender pela primeira vez fora de nosso ecommerce”, diz Flopi.

Assim fecharam a parceria com rede Drogaria Iguatemi “que está sempre em busca de marcas diferentes, que acredita em conteúdo, e que funciona como um endosso para o público exigente”, diz Carlucci.

Neste primeiro momento, a marca vai atuar em São Paulo, mas até o fim do ano deve chegar a outros estados, em especial ao Sul, “onde as mulheres investem mais em cuidados para o rosto”, conta o ex-CEO da Natura. Mas nada apressado, como entrar em multimarcas de cosméticos.

“Eu vivi numa empresa que tinha canal e produto ao mesmo tempo. Agora não é mais assim. A Flopi não quer estar num canal só para crescer. Se não puder carregar o DNA da marca, o conteúdo, a gente não vai fazer. Isso é fundamental”, afirma Carlucci.

Investindo em fórmulas autorais, num modelo que chama de “formulação consciente”, Flopi busca criar produtos que combinam ingredientes clássicos com biotecnologia. “A vitamina C pura, por exemplo, é excelente para a pele. O desafio é conter sua oxidação. Assim, criamos um caminho para dar a melhor estabilidade possível com os recursos científicos disponíveis. Nossa inovação é fazer que dure mais e seja mais eficaz em contato com a pele.”

Por isso, no lugar de lançar vários produtos por ano, Flopi se concentra em melhorar as fórmulas, num processo de atualização constante, versões dos itens já existentes. “O que é melhor hoje, nem sempre é o melhor em ciência. A ciência faz as pessoas serem mais humildes porque não temos como saber tudo. Amanhã sempre podemos ter uma opção melhor.”

Os boosters, super-hidratantes faciais, se destacam pela eficiência da "formulação consciente"

Os boosters, superhidratantes para tratamento facial que custam entre R$ 180 e R$ 375, são os grandes diferenciais da marca por sua eficiência. Nesta categoria, ela entende que sua principal concorrente é Skinceuticals, da L’Oreal. Já em termos da comunicação digital, de valorizar o conteúdo científico de seus produtos, ela vê uma aproximação com a Biosense.

A primeira leva de produtos que chegou ao país foi importada do Uruguai, mas Flopi e Carlucci planejam produzir no país. “É só uma questão de tempo. Estamos chegando, mas faz todo sentido ter uma base no Brasil”, diz a fundadora da The Chemist Look.

Carlucci admite que precisa se “controlar” porque não pode fazer na Chemist o que fazia na Natura. Mas, ao mesmo tempo, sua experiência ajuda a contornar entraves que conhece muito bem. Quando conversam sobre a melhor forma de escalar o negócio, por exemplo, ele enxerga o potencial em levar esse “DNA” para novas categorias, transformá-la numa marca de beleza e não só de skincare.

Mas Flopi diz ainda não estar “cientificamente” preparada. “Se não tem uma forma de agregar valor, não faz sentido fazer. Como cientista é uma responsabilidade e como empreendedora preciso somar valor e fazer produtos que sejam diferentes. Ainda não consegui elaborar um produto corporal que trouxesse uma inovação relevante, por exemplo.”

Por outro lado, quando discutiram se valeria a pena fazer um molde para ter uma embalagem distinta, que traduzisse todos os diferenciais da marca, ele foi veemente contra. “As empresas menores não têm nem tempo nem dinheiro para desenvolver molde próprio. E pronto. Isso é o que as empresas grandes fazem e que as deixam lentas. É o tipo da coisa para a gente evitar e eu vou estar aqui para dizer: não vamos fazer”, diz Carlucci.

“Molde demora e para cada novo mercado você precisa desenvolver um fornecedor local e tem um custo ambiental. Melhor trabalhar com embalagens standards e ter mobilidade em qualquer novo mercado”, afirma ele.

A inquieta Flopi define assim os próximos passos. “Quero escalar com impacto e não escalar com crescimento. É o que quero fazer como ciência e como indústria.” Carlucci faz a sua ponderação. “A minha visão conhecendo duas empresas diferentes, uma supergrande e a the Chemist, é assim: a gente vai ter de ser disciplinado e dizer isso as grandes fazem e nós não vamos fazer se não vamos virar eles. Simples assim.”

O executivo quer valorizar os atributos que identificou na Chemist desde o primeiro momento. “O que me chamou a atenção no modelo de negócio da Chemist é uma coincidência com a minha história, o meu aprendizado. A marca tem uma comunidade chamada de ‘skinintelectuals’, as fãs que fazem propaganda da marca espontaneamente, ajudam no desenvolvimento de produtos”, diz Carlucci.

“Isso me lembra das consultoras, as fortalezas da venda direta que é a indústria que fiz parte por muito tempo, mas de uma forma contemporânea.” As pessoas que gostam da Chemist, diz ele, usam o tempo delas sugerindo produto, dando opiniões, criando conteúdo. São consumidoras motivadas a participar dos processos digitalmente.

“Essa é uma das fronteiras com as quais podemos expandir. Como ter as skinintelectuals na expansão da marca? Como alavancar esse ativo? Como usar a força do indivíduo?”, questiona Carlucci, estusiasmado por fazer parte de um novo momento da indústria de beleza.