Em meados de 2020, o professor e investidor americano Alex Lazarow escreveu o artigo “ Startups, It’s Time to Think Like Camels – Not Unicorns” (leia aqui em português). Nele, Lazarow comparava os unicórnios com camelos ao se referir as startups. Em sua visão, os empreendedores deveriam parar de pensar em se tornar unicórnios.
O artigo publicado por Alex na Entrepreneur e traduzido, com autorização do autor no NeoFeed, afirma que, "ao contrário dos unicórnios, os camelos são reais, resilientes e podem sobreviver nos lugares mais difíceis da Terra". O texto ganhou tanto destaque que se transformou em um livro homônimo, publicado no mesmo ano.
Lazarow, que estará presente em um dos palcos do South Summit Brazil, em Porto Alegre, evento do qual o NeoFeed é um dos parceiros de mídia, conta como criou a alcunha dos camelos e quais são suas percepções do atual mercado de startups – que viveu uma reviravolta desde que seu artigo foi publicado.
Lazarow diz que a crise no venture capital gerada após 2021 tem relação direta com os investimentos na época. Isso inclui tanto os aportes em startups com finanças frágeis, como os negócios promissores, mas que foram supervalorizados em seus valuations.
“Imagine uma empresa com bons indicadores financeiros e que captou um round com um valor de mercado extremamente alto. Agora, essa mesma empresa precisa de mais dinheiro e vai voltar ao mercado”, explica Lazarow. “Os valuations inexplicáveis criaram uma desordem no mercado.”
Lazarow diz que as startups brasileiras são uma mistura de unicórnios com camelos. Para ele, há bons exemplos de empresas que lembram o animal que trafega pelo deserto, como Ebanx e Pismo. “São companhias que mantiveram suas finanças em ordem enquanto cresciam”, afirma.
Lazarow atua como managing partner da gestora Fluent Ventures desde 2022. A gestora já investiu em negócios como Clara, Neon, Kamino e Facily - esta um unicórnio brasileiro que ficou pelo caminho. Em sua vinda ao Brasil nesta semana, ele afirma que irá conversar com empreendedores e que poderá encontrar novas investidas.
Em seu radar estão negócios que “são líderes locais e podem ser escalados globalmente”. Em relação a setores, a gestora olha mais ativamente para fintechs, healthtechs e para marketplaces B2B.
Como surgiu a sua teoria de camelos no lugar de unicórnios?
A criação de unicórnios se tornou globalizada com a pandemia. Antes da pandemia, você tinha unicórnios em apenas quatro cidades do mundo. Hoje mais de 150 cidades já contam com empresas que valem ao menos US$ 1 bilhão. Com a pandemia, os grandes investidores começaram a olhar para mercados em todo o lugar no mundo.
Como o Brasil?
Sim. Esses mercados estavam baratos. Então, escrevi o artigo pontuando que os melhores empreendedores do mundo estavam construindo camelos, não unicórnios. Essa abordagem de construir startups mais resilientes e sustentáveis em relação aos seus unit economics se tornou mais relevante do que nunca.
"Essa abordagem de construir startups mais resilientes e sustentáveis em relação aos seus unit economics se tornou mais relevante do que nunca"
Houve uma enxurrada de dinheiro para startups em 2021. Onde foi que os investidores erraram?
Tivemos dois problemas em 2021. O primeiro é que os investidores estavam financiando negócios que não deveriam receber capital porque não tinham finanças fortes. O segundo problema estava na relação entre o investimento e o valor de mercado dessas companhias, que não fazia sentido.
Foi isso o que motivou os downrounds que estamos vendo agora?
Imagine uma empresa com bons indicadores financeiros e que captou um round com um valor de mercado extremamente alto. Agora, essa mesma empresa precisa de mais dinheiro e vai voltar ao mercado. Os valuations inexplicáveis criaram uma desordem no mercado.
O que vai acontecer com essas empresas?
Eu não quero ser generalista aqui. Se você tem uma equipe boa, poderá encontrar uma maneira de sair dessa situação e salvar o negócio. Em alguns casos, você pode conseguir continuar levantando dinheiro ou conseguir costurar uma aquisição. A solução varia para cada caso.
Os investidores aprenderam ou ainda está fácil levantar capital?
Acredito que é como “um conto de duas cidades”. Se você tem uma empresa de inteligência artificial com um projeto brilhante no Vale do Silício será fácil levantar capital. Para outras empresas, que operam negócios com alta necessidade de queima de caixa e com unit economics não tão bons, será muito difícil.
Você expõe uma visão rígida em relação a queima de caixa nas empresas para acelerar o crescimento. Por quê?
São dois pontos. Em um cenário, eu sou um investidor de venture capital. Se as empresas não queimarem capital, eu não tenho onde investir. A filosofia de operar como um camelo significa ter unit economics fortes e controlar a queima de caixa. As empresas entram em problemas quando elas crescem apenas por crescer.
E o outro cenário?
O outro cenário tem relação com o tipo de empresas e o mercado em que atuam. Onde existe muita competição e apenas uma empresa vai ser a vencedora e todas as outras vão sumir, faz sentido essa estratégia de escalar o negócio. A maioria das empresas pode se beneficiar da transformação em um camelo, mas há exceções.
Ainda é possível criar startups que fique muitos anos sem conseguir atingir o breakeven?
Há uma diferença entre atingir lucro e ter uma empresa economicamente saudável. Eu não acho que seja possível fazer escalar agressivamente uma companhia insustentável financeiramente e com um modelo que ainda não se provou. Isso não funciona e eu já achava que não funcionava antes.
E o que funciona?
O que funciona são camelos que levantam dinheiro de venture capital. É possível ter uma empresa que tenha receita real, unit economic real e que diga que cada dólar investido poderá se transformar em uma margem bruta de cinco dólares. É um bom negócio e essas empresas ainda estão sendo financiadas, mas a barra ficou mais alta.
"Se você olhar as empresas mais bem-sucedidas no Brasil, verá que elas tiveram um foco em manter as finanças em ordem"
As startups brasileiras estão mais próximas de unicórnios ou de camelos?
Eu acho que é uma mistura dos dois. Empresas como Ebanx e Pismo são exemplos de camelos. Se você olhar as empresas mais bem-sucedidas no Brasil, verá que elas tiveram um foco em manter as finanças em ordem. O Nubank, por exemplo, levantou muito capital, mas eu acredito que ele seja um camelo pela forma como cresceram com uma engrenagem lucrativa.
Você já investiu em algumas startups brasileiras. Ainda está pensando em fazer novos investimentos no país?
Os principais problemas do mundo são globais, mas as soluções são locais. Eu quero apoiar empresas que sejam líderes locais em seus negócios e que provem que podem escalar suas operações. Muitas dessas empresas acabam sendo fintechs e healthtechs.
Há uma excitação no mercado em torno de inteligência artificial. O que você acha disso?
É preciso separar em dois pontos. A primeira é questionar se a inteligência artificial realmente é algo real e que vai transformar os mercados. A segunda pergunta é se uma empresa desse setor deve ser avaliada em mil vezes o valor da sua receita.
Você não parece muito empolgado...
Eu acho que a onda da inteligência artificial vai ser menos parecida com a que foi a revolução causada pelo iPhone ou pelos bancos digitais e mais parecida com o que aconteceu com a nuvem (cloud computing). Hoje, praticamente todas as companhias rodam seus negócios em nuvem. E acho que, no futuro, todas as empresas vão usar inteligência artificial em seus negócios.