Nos últimos dois anos, o Softbank se tornou o maior investidor de startups do Brasil e da América Latina, liderando rodadas que muitas vezes ultrapassavam os US$ 100 milhões.
Foi uma arrancada nunca antes vista na região. Em três anos, o fundo criado por Masayoshi Son investiu mais de US$ 7 bilhões na América Latina.
Mas, neste ano, a fonte que irrigou muitas startups “secou”, na esteira de uma crise que está afetando todos os fundos. Essa “ausência” pode criar uma lacuna de capital para growth, como são chamados os aportes a partir da série B em empresas mais maduras.
Essa nova postura do Softbank está levantando também a uma questão no mercado: será que algum fundo que atua ou investe no Brasil conseguirá substituir o cheque do Softbank? Um levantamento exclusivo realizado pela Sling Hub, a pedido do NeoFeed, mostra que há vários fundos candidatos a ocupar esse posto.
De acordo com os dados, que levam em conta aportes superiores a US$ 20 milhões de janeiro até outubro deste ano, o protagonismo do Softbank, agora, é dividido com vários fundos.
Os três fundos que mais realizaram investimentos foram o Kaszek, a monashees e o Scale-Up Ventures, com cinco cada. Depois aparecem VEF, QED Investors, Riverwood Capital, Goldman Sachs, Lightrock, Tiger Global, Maya Capital e ONEVC com três aportes cada.
A lista do Sling Hub, uma espécie de “Crunchbase brasileiro”, levou em conta todas as gestoras de venture capital que participaram de uma rodada superior a US$ 20 milhões. Dessa forma, alguns nomes que se posicionam como fundos de early stage aparecem no ranking por seguirem o aporte.
O Softbank também participou de cinco rodadas em 2022, o que faria dele um dos líderes. Mas, no ano passado, o fundo de Masayoshi Son esteve em 25 aportes acima de US$ 20 milhões, um sinal claro de como tirou o pé neste ano.
“O Softbank foi uma anomalia do sistema. Não vamos ver, tão cedo, cheques tão grandes quanto os que ele fazia”, diz o conselheiro de uma startup que recebeu aporte do Softbank, no ano passado.
A queda não é exclusiva do Softbank. O Kaszek e a monashees também reduziram seus aportes em 2022. No ano passado, eles estiveram por trás de 18 e 20 investimentos, respectivamente.
“A partir de março de 2022, observamos muitas quedas consecutivas no ecossistema latino-americano”, diz João Venture, fundador da Sling Hub. “O cenário de juros alto fez os títulos mais seguros passarem a render mais, tornando os investimentos de risco, como o de startups, menos atrativos.”
A correção pela qual passa os mercados público e privado afeta, de forma mais dura, as startups em estágio avançado, que estão sendo pressionadas para apresentar resultados. Por esse motivo, elas estão atrasando captações para evitar um down round, quando o valuation diminui.
A maioria dos fundos, por outro lado, está com dry powder, o que significa que têm dinheiro para investir. Mas, por cautela e due dilligences mais rigorosas, não estão assinando cheques para startups de growth do mesmo valor do passado, nem fazendo aportes na velocidade dos últimos dois anos.
Um sinal de como o mercado está devagar é que nos dez primeiros meses deste ano, as startups captaram US$ 4,1 bilhões, uma queda de quase 50% em comparação ao mesmo período do ano passado, de acordo com dados do Distrito.
Por esses motivos, segundo várias fontes do mercado de venture capital com as quais o NeoFeed conversou, é improvável que surja, no curto e médio prazos, um fundo com o apetite do Softbank na região.
“Em vez de um grande fundo, vamos ter pelo menos cinco que vão fornecer capital para growth”, diz um investidor que acompanhou de perto os movimentos do Softbank na América Latina.
Entre os fundos que têm potencial substituir o cheque do Softbank, esse investidor cita o General Atlantic, a Riverwood Capital, a 23S (gestora criada por Votorantim e Temasek) e o Pátria, que acabou de comprar a Igah Ventures e tem uma fatia de 40% da Kamaroopin.
Essa fonte lembra também dos nomes da Advent e do Warburg Pincus, indicando que o private equity tem grandes chances de ocupar esse espaço, passando a investir com mais consistência em ativos de crescimento acelerado.
A questão é que, pelo menos por enquanto, esses fundos não têm demonstrado que estão dispostos a preencher a lacuna deixada pelo Softbank.
O General Atlantic, por exemplo, tem feitos mais movimentos nos mercados públicos, onde investiu na Locaweb e na Arco (agora está tentando fechar o capital da empresa de educação na Nasdaq), do que no privado.
Cenário desafiador
Apesar de o inverno que afeta as startups ser o mesmo para todos, ele é mais ou menos rigoroso para alguns fundos. No caso do Softbank, pode-se dizer que ele passa por um momento bastante delicado.
No terceiro trimestre deste ano, o Softbank obteve um lucro de US$ 21 bilhões, graças a venda de uma fatia que mantinha no gigante chinês Alibaba, que trouxe US$ 34 bilhões ao seu caixa. O desempenho do Vision Fund I e II, que são os dois principais veículos de Masayoshi Son para investir, registrou um prejuízo de US$ 9,8 bilhões.
Por conta disso, o Softbank demitiu 150 pessoas no mundo, incluindo profissionais da América Latina. Na região, as demissões atingiram 10 pessoas nos escritórios de São Paulo, Cidade de México e Miami.
Na América Latina, o Softbank passa a contar agora com 43 funcionários e já vinha desacelerando os investimentos. Nos últimos anos, a gestora ajudou a criar os principais unicórnios da região.
Fazem parte do portfólio startups como Rappi, Kavak, Loggi, QuintoAndar, Mercado Bitcoin, Loggi, unico, Bitso, MadeiraMadeira, Merama, Olist, Creditas, Gympass, entre outros ativos bilionários.
Mas, por outro lado, o Softbank inflou valuations e fez diligências apressadas, segundo uma reportagem publicada pelo NeoFeed, que ouviu empreendedores e gestores de venture capital.
Dos US$ 8 bilhões que tem para investir, o Softbank já comprometeu US$ 7,6 bilhões. Restam, portando, apenas US$ 400 milhões, segundo os últimos dados disponíveis. Mas, por fazer parte do Vision Fund, é possível acessar até US$ 2 bilhões para novos investimentos.