Aos 48 minutos do segundo tempo de 2021, a Facily recebeu um aporte de US$ 135 milhões em rodada liderada pelo fundo americano Goodwater Capital e se tornou, no ano passado, o nono unicórnio brasileiro, como são chamadas as empresas privadas que passam a valer mais de US$ 1 bilhão.
Antes dela, já haviam atingido a avaliação bilionária as startups MadeiraMadeira, Cloudwalk, Mercado Bitcoin, unico, Hotmart, Frete.com, Merama e Olist, segundo o Distrito, que não considera em sua estatística a Daki (por conta de o aporte ter sido feito na holding, a americana Jork), e a Nuvemshop (que, apesar de ter sede no Brasil, foi fundada na Argentina).
O resultado é um recorde. Desde que o aplicativo de transporte 99 se tornou o primeiro unicórnio brasileiro, em 2018, nunca surgiram tantos em apenas um ano no Brasil. Até então, o melhor ano havia sido em 2019, quando Gympass, Loggi, QuintoAndar, Wildlife Studios e Ebanx atingiram avaliações bilionárias.
Não se trata de um fenômeno brasileiro. No mundo, 338 startups se tornaram unicórnios no ano passado, segundo dados da consultoria Pitchbook. Em 2020, foram 100. Em 2016, o fenômeno era raro: apenas 21 startups atingiram tal feito. Mas será que essa febre de unicórnios, que nasceram da enorme liquidez do mercado de venture capital no Brasil e no mundo, vai durar em 2022?
O NeoFeed ouviu investidores de venture capital e a tendência é que esse fenômeno será mais contido neste ano, mas não deverá ser interrompido. “Não acredito em um cenário tão forte”, diz Joaquim Lima, sócio da Riverwood Capital, que viu a VTEX, um dos unicórnios de seu portfólio, abrir o capital na Bolsa de Nova York, em 2021 – hoje, ela vale US$ 2 bilhões. “O aumento de juros globalmente e a correção dos múltiplos de empresas tech listadas devem fazer os investidores serem mais cautelosos.”
A VTEX é um exemplo do que Lima fala. A companhia, que fornece uma ferramenta de comércio eletrônico para empresas, chegou à Bolsa de Nova York valendo US$ 3,75 bilhões. E, nos meses seguintes, ultrapassou a avaliação de US$ 6 bilhões. Atualmente, está cotada 42,7% abaixo do preço do IPO.
Essa correção de valor, que começou com as empresas listadas, deve chegar também as companhias de capital fechado. Fora o fato de que a alta liquidez de 2021 fez com que muitas startups fizessem até duas captações em um curto período de tempo – algumas até três, como o caso do unicórnio Merama. “No growth, quem captou, captou. Daqui para frente vai ser mais difícil”, afirma Lima.
Mas há ainda espaço para que novos unicórnios sigam nascendo no Brasil. O motivo? “A maioria dos fundos de venture capital que atuam no País está bem capitalizada e deverá alocar esses recursos nos próximos 12 meses a 24 meses”, afirma Gustavo Gierun, sócio do Distrito. “Acredito que o Brasil continuará produzindo novos unicórnios em um ritmo intenso.”
A opinião é compartilhada por Luiz Guilherme Manzano, sócio do Big Bets, um fundo de venture capital que investe em startups em estágio inicial. “Isso já está contratado”, diz Manzano. “O capital que vai ser alocado em 2022 e as boas empresas que foram fundadas nos últimos anos já estão enfileiradas para continuarem captando e seguirem crescendo.”
No ano passado, muitos fundos captaram mais recursos para apostar nas startups do Brasil e da América Latina. É o caso do Kaszek, que captou US$ 1 bilhão em dois novos fundos. E da Monashees, um dos mais antigos fundos de venture capital do Brasil, que concluiu, no fim de 2021, a captação de dois novos fundos que somados terão US$ 700 milhões para investir em startups em estágio inicial e avançado.
O Softbank, que com seu primeiro fundo de US$ 5 bilhões, investiu em mais de 10 unicórnios da região latino-americana, anunciou também um segundo fundo pelo menos US$ 3 bilhões para seguir apostando nas startups da América Latina com uma estratégia mais abrangente, que vai do seed até ao IPO.
As restrições de investimento na China, que está fechando o cerco às empresas de internet, têm feito também muitos investidores internacionais olharem para outras regiões do mundo. E uma parte desse dinheiro tem como destino o Brasil e a América Latina. Um exemplo é o Goodwater Capital, cujo aporte na Facily fez a startup de social commerce, recordista em reclamação no Procon, se tornar um unicórnio.
Outro fator que joga a favor das startups é a queda de renda do consumidor brasileiro. Em razão da crise, muitos deles ficam mais suscetíveis a mudar de hábito, topando trocar antigos produtos e serviços por novos. Em geral, oferecido por essas startups. “Esses vetores estão se encontrando e o resultado fará com que a economia brasileira seja dominada por empresas de tecnologia”, afirma Manzano, do Big Bets.
Tudo isso somado deve fazer com que os investimentos em startups sigam crescendo no Brasil nos próximos anos. Em 2021, por exemplo, as startups brasileiras levantaram US$ 8,85 bilhões em aportes até novembro, volume quase três vezes maior que o de 2020 (US$ 3,65 bilhões), segundo o Distrito.
É difícil prever o quanto os investimentos em startups devem crescer nos próximos anos. Mas, de acordo com Paulo Passoni, sócio do Softbank Latin America Fund, o Brasil e a América Latina estão apenas arranhando a superfície neste quesito. Para Passoni, os aportes em startups da região vão ficar entre US$ 20 bilhões e US$ 30 bilhões daqui a 10 anos.
“Minha opinião é que o Brasil provavelmente se transformará, nos próximos anos, em um ‘scale up nation’”, diz Manzano, do Big Bets. “Porque você tem o ecossistema empreendedor com cada vez mais qualidade humana de empreendedores, como também cada vez mais capital.”
Rumo à bolsa dos EUA
Os atuais unicórnios, por sua vez, devem tentar a sorte na bolsa de valores, se as condições de mercado estiverem favoráveis em 2022, seguindo o caminho trilhado por VTEX e Nubank no ano passado.
Uma das empresas que está em processo adiantado para fazer o IPO é a Ebanx, que já entrou com um processo confidencial nos Estados Unidos, e buscará um avaliação próxima de US$ 10 bilhões, segundo reportagem da Bloomberg.
A lista de startups bilionárias que deve abrir o capital conta ainda com Hotmart e Creditas, segundo apurou o NeoFeed. Nos dois casos, as startups devem buscar uma listagem na bolsa americana.