A ideia, a princípio, parece se encaixar no rol das propostas mirabolantes: substituir as térmicas a diesel que alimentam os sistemas elétricos isolados na Amazônia por minirreatores nucleares (SMRs, na sigla em inglês).

A proposta, no entanto, foi defendida pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, em dois eventos dos quais participou nos últimos dias.

Como o Brasil detém a sexta maior reserva mundial de urânio – o combustível nuclear usado pelos reatores de pequeno porte –, Silveira propõe que o País invista na exportação em larga escala de urânio, que virou uma commodity valorizada no mercado internacional, e usar os recursos para financiar não só a instalação desses minirreatores como “o sistema elétrico brasileiro”.

“Temos reservas em urânio no Brasil  que valem mais que a Petrobras; isso em reservas já apuradas”, assegurou o ministro, durante evento no Rio de Janeiro, na semana passada.

Segundo ele, as reservas conhecidas somam cerca de 309 mil toneladas, sendo que o preço do urânio está na faixa de US$ 88 a libra (o equivalente a US$ 165 por quilograma). O ministro, porém, exagerou na comparação - a Petrobras está avaliada em US$ 100,6 bilhões em valor de mercado, o dobro do potencial em reservas de urânio.

De qualquer forma, Silveira alinhou outros argumentos, inclusive ambientais, para a implementação dos minirreatores nucleares no coração da Amazônia.

“Num país com dimensão territorial como o Brasil, não dá pra continuar levando óleo diesel de barco por até 900 quilômetros para os sistemas isolados”, disse, lembrando que a energia nuclear é uma fonte verde, embora não tenha especificado o que fazer com o lixo nuclear produzido pelos minirreatores.

Na quarta-feira, 17 de abril, Silveira voltou ao tema ao defender que o País precisa "plantar a semente" para estruturar a cadeia da produção de energia nuclear, com foco nos pequenos reatores. "O Brasil é um dos três países que possuem a cadeia completa do urânio, precisamos levar a sério essa cadeia”, disse, durante evento em Brasília.

A ideia de trocar as térmicas a diesel que alimentam os sistemas elétricos isolados (SI) esbarra em várias dificuldades. A questão do lixo nuclear produzido é uma delas.

Os sistemas isolados possuem em torno de 230 geradores com um consumo diesel de 1,08 bilhão de litros/ano. Esses sistemas operam em 271 localidades espalhadas pela Região Norte, numa área equivalente a 40% do território nacional.

São aproximadamente 3 milhões de consumidores que vivem em pequenas vilas ou cidades com baixa densidade demográfica - a exceção é Boa Vista, capital de Roraima, com 420 mil habitantes, alimentada por uma termelétrica a gás.

No total, essas localidades respondem por apenas 0,6% do consumo nacional de energia elétrica, o que coloca em dúvida se os custos ambientais e financeiros de trocar uma geração de térmicas a diesel por minirreatores nucleares fazem sentido. Boa parte desses geradores a diesel poderia ser trocada por a gás, ambientalmente mais sustentável.

Os  sistemas isolados geram uma despesa anual de R$ 12 bilhões, sendo o óleo diesel responsável por 80% do custo. Um minirreator nuclear pode sair por R$ 500 milhões, dependendo do modelo e da potência.

Euforia

O desenvolvimento dos reatores modulares de pequeno porte, os SMRs, criou uma onda de entusiasmo pela retomada do uso de energia nuclear. Mais de dez anos após o acidente de Fukushima, a energia nuclear foi reabilitada como uma tecnologia livre de emissões de CO² por parte da União Europeia.

Na definição da Agência Internacional de Energia Nuclear, um SMR tem uma potência de até 300 MW (megawatt). Mas um microrreator de 20 MW, composto por módulos que são montados no local, é capaz de fornecer energia para cerca de 20 mil residências.

Dois especialistas consultados pelo NeoFeed têm opiniões divergentes sobre a proposta do ministro.

José Marangon, professor de engenharia e conselheiro do Instituto Nacional de Energia Limpa (Inel) admite que a energia nuclear é uma fonte competitiva, mas para uma escala maior de uso, o que não é o caso em sistemas isolados da Amazônia.

“A ideia do ministro de apostar no urânio e na energia nuclear é interessante, mas o fato é que há 20 anos discutimos se terminamos ou não Angra 3 e seria necessário desenvolver uma tecnologia, que é cara e vai levar muitos anos para ser absorvida e, no caso dos sistemas isolados, teria um custo altíssimo para um uso muito restrito”, diz Marangon.

Segundo ele, no caso da Amazônia, o País tem conseguido avançar com uso de painéis de energia solar acoplados a baterias de armazenamento de energia em locais com baixa densidade demográfica, para suprir as intermitências do sistema – uma tecnologia ainda em desenvolvimento, mas que ele considera uma opção economicamente mais viável para substituir as térmicas no longo prazo.

Celso Cunha, presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), afirma que a proposta do ministro de utilizar microrreatores nucleares em sistemas isolados não é nova.

“O Canadá fez um planejamento estratégico para instalar microrreatores nucleares em regiões de difícil acesso, sai mais barato do que investir em linhas de transmissão de longo alcance”, diz Cunha.

Segundo ele, não é possível comparar a energia nuclear com a eólica e solar no fornecimento de energia elétrica. “As fontes intermitentes, como solar e eólica, fornecem potência (medida em kilowatt, gigawatt e megawatt), sendo que o que os sistemas isolados precisam é de energia, que corresponde à potência produzida por um determinado tempo, medido em gigawatt-hora (GWh) e etc”, observa.

Cunha diz que as baterias de armazenamento acopladas às fontes renováveis não têm autonomia para manter o fornecimento de energia por longos períodos. Ele também afirma que a questão de custos é duvidosa.

“O custo dos microrreatores tende a baixar se for feita uma encomenda grande”, observa Cunha, sendo que apenas um modelo de SMR, dependendo da potência, pode substituir até 12 pequenas térmicas a carvão.

Ele critica o alto custo dos subsídios das energias solar e eólica, que exigem ainda a instalação de milhares de quilômetros de linhas de transmissão, sendo que o consumidor paga metade da conta.

Independentemente do uso em sistemas isolados, Cunha diz que os SMRs terão papel importante na transição energética. Eles já estão sendo usados em países europeus na dessalinização da água, em processos de conversão de hidrogênio e na área siderúrgica, entre outras aplicações.

“O mais promissor é no uso de datacenters, principalmente com a incorporação de inteligência artificial (IA) no processamento de dados, que demandam grande quantidade de energia e não podem sofrer intermitência”, afirma Cunha.