Com o mercado demonstrando sinais de maior racionalidade, após anos de liquidez abundante, valuations nas alturas e com bastante dinheiro no bolso, os fundos de venture capital estão na "caça" por empresas com iniciativas em Inteligência Artificial (IA).
Mas a busca não está focada em encontrar quem vai fazer a próxima disrupção ou então quem vai desenvolver o melhor modelo de IA, mas sim em nomes que conseguam utilizar a tecnologia para criar ferramentas ou em empresas que vão incorporar IA para conquistar o mercado local.
Segundo Luiz Otávio Ribeiro, co-head para Brasil da General Atlantic, os grandes modelos de IA dificilmente serão criados na América Latina, considerando a complexidade do empreendimento, que exige estrutura grande e muito capital.
O que deve ocorrer na região é o surgimento de empresas que vão construir soluções em cima desses modelos para melhorar processos produtivos.
“Acreditamos que vão surgir muitas oportunidades, temos visto companhias focadas em IA para empresas”, afirmou Ribeiro nesta terça-feira, 30 de janeiro, em painel na 11ª edição Latin America Investment Conference (Laic), organizado pelo UBS.
Para Julio Vasconcellos, managing partner do fundo de venture capital Atlantico, deve ser pouco comum que empresas brasileiras e latino-americanas se tornem os grandes líderes em IA. Mesmo assim, ele entende que existe muita oportunidade local para empresas utilizarem essa tecnologia e ganharem liderança regional.
Da mesma forma que o mobile não foi uma tecnologia que as empresas locais foram líderes, companhias brasileiras aproveitaram a plataforma para ganhar distribuição e liderança.
“A experiência do Nubank, primeiro focado no mobile, foi uma grande vantagem para ele expandir, e acho que esse será o caso de IA, principalmente em mercados regulados, como fintechs, saúde, setor jurídico”, disse.
Por enquanto, os gestores entendem que o tema da IA está engatinhando na América Latina. Diante desta situação, a Monashees quer aproveitar o ciclo inicial de IA aplicada em ferramentas de produtividade buscando empreendedores latino-americanos com empresas fora da região. Ela fez isso em 2022, quando liderou um aporte de US$ 8,6 milhões na Moises, startup que utiliza IA para manipular faixas sonoras.
“Estamos participando dessa inovação de IA global, indo até essa inovação, ao invés de esperar ela surgir na América Latina. Mas também estamos monitorando os aplicativos que surgem por aqui”, disse Acher.
Mercado racional
Esta “caça” por empresas com atuação em IA vem num momento em que o mercado de venture capital e startups mostra sinais de normalização e maturidade. Segundo Ribeiro, os valuations das empresas estão 60% abaixo do visto nos momentos de euforia. Já os preços que a General Atlantic pagou por ativos ficaram entre 50% e 60% abaixo do registrado anteriormente.
“Ao mesmo tempo, criou-se uma classe de ativos e empreendedores superinteressantes”, disse Ribeiro, destacando que no portfólio construído pela General Atlantic, com cerca de 75% das empresas no portfólio já sendo lucrativas. “E 95% delas, em teoria, não dependem mais de levantar capital para continuar crescendo.”
Segundo ele, num cenário de valuations ajustados, juros em queda e a competição entre fundos está menor, o momento é bastante positivo para investimentos. No ano passado, a General Atlantic investiu globalmente cerca de US$ 6 bilhões, com quase US$ 1 bilhão na América Latina.
Para 2024, Ribeiro afirmou que a General Atlantic espera investir cerca de US$ 8 bilhões, com pelo menos 10% do montante ficando na América Latina, em empresas lucrativas, grandes e com crescimento. “A perspectiva para 2024 é positiva no lado dos investimentos”, afirmou.
O ajuste também trouxe o mercado brasileiro para patamares mais realistas. Vasconcellos apontou ainda que os valuations médios do Brasil, comparado com aqueles de empresas nos Estados Unidos, mostram o País atualmente mais barato no relativo com o mercado americano, pensando em alocação global de venture capital.
“O Brasil sempre foi um pouco mais caro do que os Estados Unidos em termos de prêmio, e hoje esse prêmio está caindo desde 2019, à medida que o mercado cresce e se torna mais eficiente”, afirmou Vasconcellos.
Este cenário deve produzir um resultado positivo para os fundos, segundo Acher. “Quando a gente olhar os retornos dessa safra de fundos que estão investindo agora, vamos ver retornos muito positivos, porque as empresas vão ter valuations melhores, menos pressão competitiva e o mercado mais sofisticado”, afirmou.
Sobre a disponibilidade de capital para investimentos, o sócio fundador da Monashees disse que um dos principais componentes para a redução de recursos veio da retração de investidores não ligados à indústria de venture capital. No momento de euforia, uma série de hedge funds, family offices, empresas embarcaram nas teses buscadas no venture capital, considerando o forte crescimento de companhias de tecnologia.
“Essa redução de capital não é uma redução da indústria (de venture capital), é o back to basics, está saindo essa ‘espuma’”, afirmou. “Os fundos têm muito dry powder para investir em empreendedores autênticos, para criar a nova geração de empresas de tecnologia.”
A expectativa é de que no momento em que o cenário nos Estados Unidos comece a desanuviar e comece a surgir empresas mais maduras que as vistas nos ciclos anteriores, os fundos de venture capital voltem ao mercado, considerando o estoque de recursos que tem. Segundo dados da PitchBook, os fundos estão sentados em US$ 311 bilhões em recursos.