Em menos de 48 horas no cargo, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, começou a colocar em ação seu slogan de apoio aos combustíveis fósseis - "perfure, baby, perfure" -, dando mostras de que vai cumprir à risca a promessa de desmantelar boa parte do ambicioso programa de transição energética elaborado por seu antecessor, Joe Biden.
Nesta quarta-feira, 22 de janeiro, veio à tona a informação de que, entre as dezenas de ordens executivas assinadas pelo presidente desde a posse, uma suspende todos os desembolsos de financiamento da Lei de Redução da Inflação (IRA) – um dos pilares do programa de estímulo a investimentos verdes de Biden.
A medida coloca em risco mais de US$ 300 bilhões em potencial financiamento federal para infraestrutura verde. Os fundos afetados estão alocados sob duas das principais conquistas legislativas de Biden — além do IRA, a lei bipartidária de infraestrutura — e incluem quase US$ 50 bilhões em empréstimos do Departamento de Energia já acordados e outros US$ 280 bilhões em solicitações de empréstimos sob revisão.
“Todas as agências devem suspender imediatamente o desembolso de fundos apropriados”, diz o trecho da ordem executiva assinada pelo presidente, nomeada de forma ufanista como “Liberte a Energia Americana”.
Embora esperada, a decisão de Trump de interromper o financiamento provocou uma onda de choque no setor de energia limpa.
“As ordens executivas indicam que o financiamento federal para a fabricação de veículos elétricos e baterias será mais difícil de acessar, aumentando o risco de capital retido para projetos de fabricação já em andamento”, advertiu Shay Natarajan, da Mobility Impact Partners, um fundo de capital privado com sede em Nova York.
Quando Biden assinou a Lei de Redução da Inflação (IRA), em agosto de 2022, o objetivo era oferecer cerca de US$ 400 bilhões em créditos fiscais, subsídios e empréstimos, apoiando medidas de eletrificação e de eficiência energética, entre outras iniciativas.
Desde então, as montadoras anunciaram investimentos de quase US$ 200 bilhões em plantas de baterias e de veículos elétricos (EVs), projetadas para criar cerca de 195 mil empregos, de acordo com levantamento do Fundo de Defesa Ambiental.
Outros 53 acordos, totalizando aproximadamente US$ 107,57 bilhões em investimentos de projetos, foram oficializados pelo Departamento de Energia.
A lista inclui acordos de financiamento para projetos de manufatura, como US$ 1,4 bilhão para a próxima fábrica de células solares da Qcells, na Geórgia, e US$ 9,6 bilhões para as fábricas de baterias de joint venture da Ford com a SK On.
Além de acabar com os “subsídios injustos” para carros elétricos, Trump havia prometido interromper a construção de parques eólicos em terras e águas federais.
As ações da Tesla, Rivian, Orsted e outras empresas de EVs e eólicas caíram após a ordem executiva ser confirmada na terça-feira.
Investidores disseram temer que outros US$ 300 bilhões em financiamento federal futuro — principalmente da lei de infraestrutura — também seriam congelados pela decisão de Trump.
Ao contrário da verba de empréstimos, os créditos fiscais do IRA provavelmente não serão afetados. Os créditos têm sido um impulsionador primário de investimento, com os fabricantes comprometendo aportar mais de US$ 130 bilhões desde que a lei foi aprovada.
Os créditos fiscais constituem grande parte dos gastos do IRA, em comparação com subsídios e empréstimos. Um funcionário do governo Biden admitiu na última sexta-feira, a três dias da posse do novo governo, que cerca de 84%, ou US$ 96,7 bilhões, em subsídios de energia limpa do IRA foram oficializados antes de Trump assumir o cargo.
Petróleo prioritário
Logo após posse, Trump já havia anunciado a saída dos EUA do acordo climático de Paris e decretado emergência energética nacional visando acelerar a autorização de projetos de combustíveis fósseis, além de revogar a ordem executiva de 2021 de Biden que exigia que metade dos veículos novos vendidos nos EUA fossem elétricos até 2030.
O objetivo é desmantelar o chamado New Deal Verde, o programa de transição energética de seu antecessor – o nome é uma referência ao programa de recuperação econômica dos EUA, implementado entre 1933 e 1937, durante o governo de Franklin Delano Roosevelt, após o crash da Bolsa em 1929.
Os EUA são responsáveis por 15% do investimento global em energia limpa, mas continuam a ser um grande investidor em petróleo e gás. Para cada US$ 1,4 gasto em energia limpa em 2023, os investidores americanos direcionaram US$ 1 para combustíveis fósseis - abaixo da média global, de US$ 1,8.
Trump quer claramente desequilibrar essa relação em favor dos combustíveis fósseis, o que justifica o slogan “perfure, baby, perfure”. Na verdade, essa obsessão do presidente americano – um negacionista do clima e da agenda verde – nem seria tão necessária.
Os EUA já são o maior produtor de petróleo e gás do mundo, e seus gastos com fornecimento de combustíveis fósseis – mais de US$ 200 bilhões – respondem por cerca de 19% do total global, além de abrigarem cerca de 40% da onda de nova capacidade de exportação de gás natural liquefeito (GNL), que deve chegar ao mercado na segunda metade da década.
Desde a vitória de Trump na eleição, prevendo o pior, empresas que planejavam investir em energia limpa nos EUA começaram a recuar. A gigante alemã de energia RWE anunciou em novembro que estava desistindo de seus planos de energia eólica no país.
Esta semana, o fabricante italiano de cabos Prysmian Group confirmou sua desistência de construir uma fábrica em Somerset, Massachusetts, que produziria cabos para o setor eólico offshore.
Logo após o anúncio de suspensão de financiamento e projetos verdes, a Rystad Energy estimou nesta quarta, 22, que quase 25 gigawatt (GW) de projetos eólicos offshore, o equivalente a 65% dos projetos em desenvolvimento nos EUA, provavelmente não progredirão sob o governo Trump, reforçando uma tendência que preocupa investidores.
“Quando você começa a fazer parecer que há uma falta de estabilidade no investimento que você pensou estar fazendo nos EUA, isso tem um efeito potencialmente muito negativo, a longo prazo, em nossa capacidade de atrair capital”, disse Eli Hinckley, sócio do Baker Botts, escritório de advocacia especializado em contratos de energia.