O Brasil vive um ano com uma agenda verde extensa e com boas perspectivas, mas precisa fazer escolhas difíceis para definir suas políticas públicas em vários segmentos do setor energético, o que vai exigir articulação ente o setor público e o privado.

É o que afirma André Clark, vice-presidente sênior para a América Latina da Siemens Energy, grupo global de geração e distribuição de energia.

Em entrevista ao NeoFeed, Clark discorreu sobre três temas que considera prioritários para o País: a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30, da qual o Brasil será o anfitrião no mês de novembro, em Belém (PA); a decisão se vai ou não explorar o pré-sal na Margem Equatorial, e a definição do marco regulatório de data centers, por meio do qual o governo pretende atrair R$ 2 trilhões de investimentos nos próximos dez anos.

Para cada tema, Clark – um especialista em economia sustentável, com posições firmes e lastro técnico – chama a atenção para algum aspecto político ou regulatório que pode impactar na transição energética brasileira ou afetar a imagem externa do País.

Sobre a COP 30, por exemplo, prevê que o nível de pragmatismo no evento será bastante elevado. “O Brasil terá papel central, mas não por otimismo, e sim por necessidade: nossa economia e ecossistemas são vulneráveis a um aquecimento acima de 3 °C”, adverte.

Em relação à exploração de petróleo da Margem Equatorial, o executivo da Siemens Energy mantém posição equidistante, pois há vantagens e desvantagens para cada opção.

“É uma decisão técnica e política, mas exige segurança total para explorar - o que não acontece com o corte de orçamento das agências reguladoras, como os de R$ 300 milhões do Ibama”, afirma. “Isso é gravíssimo, um tiro no pé.”

Clark vê grandes perspectivas para atrair investimentos em data centers para o treinamento de inteligência artificial, em especial no Nordeste. “Se fizermos uma regulação de IA profundamente complexa, restritiva, dependente de agências, pode ser mais difícil”, avisa.

Leia a seguir outros trechos da entrevista, na qual fala sobre hidrogênio verde, o mercado de gás e aponta duas soluções à vista para o curtailment – os cortes de geração de energia renovável para não sobrecarrregar o sistema, que vêm causando prejuízo a operadores.

Uma delas é o rápido barateamento das baterias de armazenagem chinesas. A outra são as hidrelétricas com reservatório, abundantes no Sudeste. “É a bateria mais barata que existe no mundo e já está pronta: é só ligar e desligar.”

Quais são suas expectativas para a COP 30?
O nível de pragmatismo vai ser bastante elevado nessa COP. Todo mundo está atrás de soluções concretas de implementação desse processo de redução da nossa pegada de carbono e também de adaptação. O mundo não conseguiu, do ponto de vista energético, fazer a transição. Por isso acredito que esta será uma COP de extremo pragmatismo.

O evento pode impactar de forma concreta a pauta global de energia limpa?
O mundo precisa de soluções reais para reduzir a pegada de carbono. O Brasil terá papel central, mas não por otimismo, e sim por necessidade: nossa economia e ecossistemas são vulneráveis a um aquecimento acima de 3 °C. Dependemos dos regimes de água, que mudam com o clima. Não é uma questão de ser otimista ou pessimista. O fato é que precisamos enfrentar o problema do aquecimento global, sob pena de o mundo tropical ser desproporcionalmente afetado.

O Brasil pode sair da COP 30 como um ator global mais relevante na pauta climática?
Sim. O Brasil tem histórico de protagonismo desde a Rio 92. Vale lembrar: primeiro, o Brasil é uma das dez maiores economias do planeta. Segundo, temos um corpo diplomático e técnico profundamente treinado para esse tipo de negociação. Terceiro: pela primeira vez, a sociedade brasileira começa a se convencer de que nossa terra, nossa agricultura, nosso regime e nossas florestas são ativos nacionais. E temos projeto para um futuro verde sustentável à frente. Esse sonho coletivo de projeto de País, me parece, começa a surgir.

Isso não havia ocorrido?
Olha que coisa interessante: cinco anos atrás não tínhamos uma sociedade e um agronegócio profissional tão engajados. Temos o setor de energia inteiro comprometido. O Brasil se posiciona, tanto do lado governamental quanto do lado privado, de forma exemplar. Isso é muito importante num mundo tão confuso, polarizado, como a gente vê hoje. O setor privado está em consonância com o governo nesse assunto.

"Há cinco não tínhamos sociedade e agronegócio tão engajados na pauta verde"

A exploração do pré-sal na Margem Equatorial pode ser conciliada com a agenda verde, especialmente num ano de COP?
Depende da hipótese futura sobre o papel do petróleo. Se a gente acredita que o uso de petróleo perdurará por mais de três décadas, em larga escala, o Brasil tem que continuar suas explorações. Mas se avançarmos na descarbonização, pode ser um péssimo negócio ambiental e financeiro.

Quais critérios devem ser levados em conta para tomar uma decisão?
Há um enorme debate político, mas também uma questão técnica: conseguimos fazer isso com segurança? Temos planos de contenção, capacidade de resposta? Basta lembrar daquele acidente ocorrido há seis anos, um vazamento de óleo na Foz do Amazonas que chegou às praias do Nordeste. Aquilo destruiu a economia de várias cidades litorâneas em pleno verão. E nem era um grande vazamento de plataforma — era resíduo. Então imagine o que pode acontecer em áreas de alta produção se algo der errado. É por isso que a Petrobras tem que provar junto ao Ibama que consegue fazer isso com segurança.

O Brasil está preparado?
É uma decisão técnica e política, mas exige segurança total— o que não acontece com o corte de orçamento das agências reguladoras, como os de R$ 300 milhões do Ibama. Isso é gravíssimo. É um tiro no pé. Enfraquece a governança e seremos cobrados lá fora. É uma incoerência enorme com a imagem de nação responsável que queremos passar.

O governo está articulando seu marco legal para data centers. Como acomodar a nova demanda por datacenters, considerando as limitações de transmissão do atual sistema elétrico?
Para um país como o Brasil, que tem excesso de energia da ordem de 40% a 50% da sua demanda de energia renovável, qualquer indústria eletrointensiva deveria ser muito bem-vinda. O Brasil é o quinto ou sexto maior mercado de data centers do planeta, sempre fomos grandes consumidores. E temos normativas de soberania de dados desde a época em que a presidente Dilma Rousseff decidiu investir nisso, por conta daquele monitoramento do governo dos EUA que veio à tona.

Qual o efeito causado?
Isso criou uma indústria de data centers no Brasil, em especial ao redor de São Paulo. Data center é o cruzamento de duas grandes infraestruturas: energia com redes de fibra ótica, conexões nacionais e internacionais, cada uma com latência. O Brasil tem o seu maior mercado de cloud, o de São Paulo, ligado à região de Campinas e tudo mais. Isso deve crescer. Ali não tem falta de infraestrutura, não tem uma grande preocupação com a extensão das infraestruturas para esse tipo de uso.

E os data centers voltados para o treinamento de inteligência artificial?
Aqui há uma grande oportunidade. Os data centers que treinam modelos de IA, ou seja, que não acessamos todos os dias – portanto, a latência não é relevante, não precisa ficar perto geograficamente - valem por três razões. Primeiro, o Brasil é uma democracia que cumpre contratos. Segundo, o País é geopoliticamente neutro, um bom lugar para colocar datacenter de todos os sabores: cabos chineses, cabos americanos e etc. Terceiro, o Brasil tem um sistema elétrico bem governado, centralizado, de grande estabilidade e com qualidade de regulação, se comparado a outros países no mundo. Mas temos uma desvantagem.

Qual?
O Brasil é um país quente. Metade da energia do datacenter é para resfriamento do sistema. Quanto mais ao norte, mais energia você vai gastar para resfriar. Em última instância, temos aqui um amplo debate sobre regulação de IA no Congresso. Se fizermos uma regulação de IA profundamente complexa, restritiva, dependente de agências, pode ser mais difícil. Se partirmos para uma regulação de IA óbvia, como está sendo proposta para redes sociais – o que é crime fora também é crime dentro da rede –, acho que irá bem. O mercado é gigantesco e vai crescer.

Nosso setor elétrico tem uma matriz energética limpa, mas enfrenta uma contradição com a sobreoferta de energia solar, que causa os cortes de geração para não sobrecarregar o sistema. Qual o peso dos subsídios das renováveis nessa contradição?
Há um conservadorismo descontrolado nessa política pública de subsídios. Os subsídios para energia solar e eólica deveriam ter acabado ontem, pois hoje causam distorções no sistema e prejuízos ao consumidor.

Como resolver então o problema do curtailment?
Vejo dois caminhos. Um deles é o investimento em linhas de transmissão. O Brasil tem capacidade de acelerar obras de linhões, e o setor privado está disposto a investir. Outro caminho é no desenvolvimento de armazenamento de energia. Essa é a primeira de duas boas notícias. As baterias vão entrar com velocidade estonteante, porque o preço está caindo muito rapidamente. Uma bateria, que custava US$ 165 por quilowatt de potência no final de 2024 na China, estava custando, em abril, US$ 65 por quilowatt, chegando a US$ 50. Isso vai chegar no Brasil muito rapidamente. A BYD é uma montadora chinesa, mas a gente esquece que ela é, antes de mais nada, produtora de bateria. A inserção de bateria no sistema será muito rápida e a economia vai se beneficiar. É a deflação chinesa rodando o mundo.

"As baterias vão entrar com velocidade estonteante, porque o preço está caindo rapidamente"


E a segunda boa notícia?

O Brasil tem muita hidrelétrica com reservatório, em especial no Sudeste. Essa é a bateria mais barata que existe no mundo. Ela já está pronta. É só ligar e desligar. Com muito foco regulatório, podemos colocá-las no centro do sistema. E melhor do que qualquer bateria, vamos mudar o papel da hidrelétrica. Acho que isso pode estabilizar o sistema.

O hidrogênio verde tem um grande potencial, pois o Brasil tem um dos menores custos para produzi-lo. O que falta para deslanchar os investimentos?
No Brasil e no mundo, ainda não existe demanda estruturada. O custo no atacado ainda é alto, mas vai cair. Vai acontecer porque temos um encontro marcado com a mudança climática.

Onde a produção de hidrogênio verde tende a ter melhor valor agregado no Brasil?
A produção de hidrogênio verde melhora se for próxima das fontes renováveis — solar e eólica — em escala industrial. Quando você coloca essas usinas no Nordeste, por exemplo, você tira o excesso de energia da região e cria valor local. A Bahia é um destaque: tem parque industrial químico, infraestrutura de transmissão, e pode se beneficiar da reforma tributária e da industrialização regional.

A Siemens Energy é acionista da Gás Natural Açu, no Porto do Açu (RJ). Quais são as perspectivas a curto e médio prazo para o Brasil nesse segmento?
A curto prazo e no mundo, o gás voltou como solução de transição e segurança energética. Mas no Brasil, os grandes players — distribuidor, transportador e consumidor — precisam trabalhar juntos, não em oposição. Recentes descobertas, aparentemente de grande reserva na Argentina, poderão abastecer o Brasil. Essa integração energética com países vizinhos vai aumentar ainda mais o mercado de gás no País. E o nosso grande consumidor de gás — responsável por quase metade — é a indústria. A ideia de uma indústria verde, de menor carbono, é trocar o carvão por gás, e depois trocar o gás por hidrogênio no futuro. Isso é um grande atrativo. É uma combinação excelente: gás, renovável, hidrelétrica. Melhor ainda quando a hidrelétrica pode funcionar como bateria.

Então há boas perspectivas para o País?
Sim, o Brasil está muito bem posicionado também no gás. Agora, lobbies individuais, com regulação fragilizada por falta de recursos, não podem balançar isso. E isso é piorado por lobbies no Congresso. Não podemos deixar isso acontecer como sociedade.