Em meados de novembro, a Omie, dona de um sistema de gestão na nuvem, anunciou a compra da Linker, um banco digital focado em pequenas e médias empresas com 30 mil clientes.

O negócio de R$ 120 milhões, que envolvia dinheiro e ações, reforçava a área de serviços financeiros da Omie e acelerava a estratégia da startup de ser um banco digital para as PMEs.

Essa era a terceira aquisição da Omie desde que recebeu um cheque de R$ 580 milhões, no começo de agosto, em uma rodada série C liderada pelo Softbank – a chinesa Tencent participou de uma extensão de rodada de valor não divulgado, em outubro, deixando o caixa da startup fundada e comandada por Marcelo Lombardo ainda mais cheio.

“A partir do momento que se tem uma série de startups capitalizadas, a grande prioridade delas se torna cumprir as entregas e promessas feitas aos investidores e ao mercado”, diz Lombardo, ao NeoFeed. “É uma troca de capital por aceleração.”

A Omie não é uma exceção. Em 2021, as startups, irrigadas com o dinheiro farto de aportes milionários liderados pelos fundos de venture capital, foram às compras.

Nesta semana, dois negócios ilustram essa tendência. A dr.consulta, por exemplo, comprou uma fatia minoritária da cuidar.me, entrando em planos de saúde, e a Ebanx pagou R$ 1,2 bilhão pela Remessa Online, encurtando seu caminho para entrar na área de transferência de moedas.

Mas há vários outros exemplos. A Olist, que acabou de se tornar um unicórnio, já fez quatro aquisições desde dezembro do ano passado. A insurtech chilena Betterfly, por exemplo, fez cinco M&As no mesmo dia neste ano. Entre elas, a Xerpa, uma fintech que oferece antecipação de salário.

Os números confirmam que isso, de fato, se tornou uma tendência. De 2010 a 2020, de cada três negócios envolvendo startups, dois deles eram realizados por grandes empresas. No primeiro semestre de 2021, essa relação mudou e mais da metade das fusões e aquisições aconteceram entre startups e por startups, segundo uma pesquisa do Distrito.

Em 2020, até então o ano com maior registro de M&As envolvendo startups, foram 168 transações. No primeiro semestre de 2021, foram 113 fusões e aquisições, sendo que 61 transações de M&As tiveram startups como compradoras.

No primeiro semestre de 2021, mais da metade das fusões e aquisições aconteceram entre startups e por startups, segundo uma pesquisa do Distrito

“Com o ecossistema irrigado por capital e com as startups atuantes e ávidas por consolidar posições, acreditamos que ultrapassaremos os 250 deals até o final do ano”, diz um trecho de um relatório do Distrito, o qual o NeoFeed teve acesso. “Esse é um movimento inédito e pouco visto em outras economias emergentes.”

Observe o exemplo da MSW Capital, gestora especializada em corporate venture capital, que gere o fundo BR Startups, que tinha como cotistas Microsoft, BV, Algar e BB Seguros. Ao longo do tempo, as saídas do portfólio da MSW Capital eram preferencialmente com grandes empresas.

Mas, de uns tempos para cá, as startups do portfólio da MSW Capital começaram a ser assediadas por outras startups. “Isso é uma tendência que veio para ficar. Só vai crescer. E muito”, afirma Richard Zeiger, sócio da MSW Capital. “O M&A é a melhor forma de uma empresa se apropriar de uma tecnologia, de clientes e do time.”

A Olivia, um aplicativo que ajuda a organizar as finanças pessoais com inteligência artificial, foi a segunda startup do portfólio da MSW Capital a ser vendida para outra empresa nessa onda de M&As – a primeira foi a Car10 para o Webmotors e outras duas já foram sondadas, mas os negócios não avançaram.

O comprador foi Nubank, que acabou de abrir o capital na Bolsa de Nova York, em novembro deste ano. Questionado por que um grande banco não comprou a Olivia, Zeiger responde. "A Olivia poderia ir para outros bancos. Mas o Nubank foi mais rápido em perceber o quanto a Olivia iria fazer um diferencial no negócio dele”, afirma o sócio da MSW Capital.

O fator cultural

O que está por trás dessa tendência (além de as startups estarem, de fato, muito capitalizadas)? Há várias explicações. De um lado, companhias de crescimento acelerado e em estágios mais avançados estão buscando no mercado ativos que as acelerem ainda mais.

Por esse motivo, os negócios de startups com startups envolvem racionais diferentes de transações clássicas de M&As em que, no dia seguinte à transação, os dois times começam a pensar na integração e nas sinergias que vão ser capturadas.

“As aquisições entre startups estão longe disso”, diz Guilherme Stuart, sócio da RGS Partners, um boutique de M&A que assessorou a venda da Remessa Online para a Ebanx. “A integração não é para aproveitar as sinergias e reduzir custos. As aquisições são para complementar ou para mudar o modelo de negócio de quem adquire.”

Outro fator citado pelas fontes ouvidas pelo NeoFeed é a questão cultural. Para alguns empreendedores, ser comprado por uma startup é também uma forma de seguir empreendendo. Em um negócio com uma grande empresa, muitos se enxergam como um funcionário com carteira assinada. “O empreendedor fala melhor com o empreendedor. É muito mais fácil se associarem”, diz Zeiger, da MSW Capital.

Marcelo Lombardo, fundador e CEO da Omie

Mas não pense que essa é uma missão fácil. De acordo com Lombardo, da Omie, as transações que envolvem startups são negociações feitas, muitas vezes, direto com os fundadores. A sedução não abrange apenas cifras, embora elas sejam importantes. “Preciso convencer que o meu sonho, junto com o dele, é mais legal. É um negócio que só o founder pode fazer e não dá para delegar para ninguém”, diz Lombardo.

A base de acionistas de uma startup é também um fator que influencia no negócio. Muitas vezes, o interesse do empreendedor é divergente do investidor. A solução, em muitos casos, é usar uma fórmula simples para o negócio sair. “A estratégia, em geral, é cash out para os investidores. E ações para os empreendedores”, diz Lombardo.

E as grandes empresas?

Isso não significa que as grandes corporações estão fora do jogo. Elas só ganharam mais concorrência na hora de se aproximar das startups. Além do M&A, as empresas estão cada vez mais aderindo ao corporate venture capital (CVC).

Em 2021, a estimativa é que os aportes de empresas em startups tenham somado US$ 622,1 milhões, segundo o Distrito. O volume é mais de três vezes superior ao de 2020 e pouco menos de 50% de tudo o que foi investido em corporate venture capital no Brasil desde 2010.

“O leque de opções para sair do investimento agora é muito maior”, diz Zeiger, da MSW Capital, que recomenda uma fórmula fácil de ser compreendida pelas empresas na hora de as grandes empresas se relacionarem com as startups. “Se a área em que a startup atua é próxima do core da empresa, o M&A é a melhor estratégia. Se está mais longe, o CVC funcionará melhor.”

A questão que se faz, agora, é se essa tendência vai durar por muito tempo ou se é apenas um cenário catapultado pela alta liquidez do mercado de venture capital?

Não é uma resposta fácil. Há bons argumentos a favor e contra. “A expectativa é que o M&A para tech vai continuar por mais tempo”, afirma Stuart, da RGS Partners. “Só se o mercado de venture capital secar de uma maneira geral, mas acredito que isso está distante.”

Lombardo, da Omie, é mais cauteloso. Ele enxerga a subida dos juros nos Estados Unidos como um fator que pode reduzir o acesso de capital aos países emergentes. E, caso isso aconteça, o mercado vai ficar mais seletivo. Enquanto isso, as startups vão seguir comprando startups.